Obrigar estrangeiros a fazer quarentena poderia funcionar no Brasil?
No último mês de junho, o governo do Reino Unido começou a determinar quarentena obrigatória para estrangeiros que ingressem em seu território - e depois aliviou a medida para 59 países, excluindo EUA e Brasil.
Ao entrar em solo britânico, viajantes provenientes da "lista vermelha" precisam ficar confinados por 14 dias em seu local de hospedagem, só podendo sair à rua em situações muito específicas (como uma emergência médica). Em caso de descumprimento, estarão sujeitos a pagar uma multa de até 1.000 libras esterlinas (mais de R$ 6.600).
A medida tem como objetivo garantir que a pessoa esteja isolada caso apresente sintomas da covid-19 logo após sua chegada ao Reino Unido e diminuir as chances de transmissão da doença para a população local.
Mas uma estratégia deste tipo poderia ser aplicada no Brasil, depois que viagens internacionais para o país sejam retomadas em larga escala?
Para saber isso, Nossa conversou com um médico infectologista e entidades sanitárias como a Organização Mundial da Saúde. Saiba mais a seguir.
Realidade brasileira
Doutor em saúde pública e médico do Instituto de Infectologia Emílio Ribas Eder Gatti, é muito difícil aplicar a quarentena obrigatória para estrangeiros recém-chegados ao Brasil, "porque estamos muito distantes de um cenário epidemiológico favorável. Hoje, é mais fácil outros países se protegerem de nós do que nós nos protegermos de outros países".
O infectologista diz que medidas de quarentena para estrangeiros seriam "inócuas", pois o "país está com uma circulação muito intensa do vírus".
"No futuro, a quarentena faria sentido se tivéssemos uma situação epidemiológica favorável [com números mais baixos de contaminados]", explica ele.
Porém, para o médico, "o Brasil caminha em sentido oposto a isso, deixando o vírus circular até esgotar o número de suscetíveis na população [ou seja, permitindo que as pessoas sejam contaminadas e criem imunidade à covid-19, deixando assim de transmitir a doença]. Em um cenário assim, medidas de controle como a quarentena perdem o sentido".
Outras medidas sanitárias
E, por causa do coronavírus, viajantes provenientes do exterior podem ter que lidar com outras medidas sanitárias ao visitar o Brasil no futuro?
"Para o Brasil, podemos pensar em três cenários hipotéticos", explica Gatti.
"O primeiro deles é o de que a doença pare de circular porque houve um esgotamento de pessoas suscetíveis no país. Se um dia isso acontecer, a circulação do vírus será suprimida e, logo, qualquer pessoa vai poder entrar aqui, pois o ingresso do vírus não irá mais apresentar riscos para nós".
Segundo o médico, a segunda possibilidade é que seja criada uma vacina efetiva contra o coronavírus. A partir daí, o Brasil poderia começar a exigir que pessoas oriundas do exterior apresentem um certificado de que tomaram esta vacina antes da viagem, em um procedimento parecido com o que ocorre com a febre amarela.
E, para o infectologista, o terceiro cenário é que o Brasil comece a adotar, desde agora, medidas mais sérias de contenção do coronavírus (como ações de distanciamento e isolamento social mais rígidas) e, com isso, consiga controlar a disseminação da doença no futuro. "Neste caso, a exigência de quarentena de viajantes vindos de fora poderia ser adotada".
Gatti, entretanto, diz que o Brasil enfrentaria empecilhos para impor este tipo de isolamento a forasteiros. "Umas das dificuldades está no tamanho continental do país, que possui diversas portas de entrada e fronteira terrestre ampla e muitas vezes mal controlada. Seria necessário um investimento muito grande em trabalhos de vigilância [para garantir que todo estrangeiro que ingresse no território nacional realmente cumpra a quarentena imposta pelo governo]".
Brasil com restrições a estrangeiros
Procurados por Nossa, o ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não revelaram se o governo tem planos de impor quarentena obrigatória para estrangeiros que cheguem ao Brasil no futuro.
A Anvisa, porém, informou que, desde o dia 30 de junho, "recomenda a restrição, pelo prazo de trinta dias, da entrada no país de estrangeiros de qualquer nacionalidade, por rodovias, por outros meios terrestres, por via aérea ou por transporte aquaviário".
De acordo com a portaria do governo federal que trata do assunto, a recomendação da agência foi tomada por "motivos sanitários relacionados com os riscos de contaminação e disseminação da covid-19" em território nacional.
A restrição, entretanto, não se aplica a grupos de pessoas como imigrantes com residência de caráter definitivo no país, estrangeiros com cônjuges, pais ou filhos brasileiros, entre outros.
Consultada por Nossa, a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que o perfil de medidas como a quarentena do Reino Unido deve variar de acordo com o contexto de cada nação.
"A política de um país pode não funcionar em outro", avalia a OMS, informando que, ao adotar medidas para conter a importação de coronavírus, cada nação deve avaliar os níveis de transmissão de coronavírus em seu próprio território, a capacidade de seu sistema de saúde e como está a situação epidemiológica nos lugares de onde vêm os viajantes.
Para a entidade, é também fundamental que, tanto os cidadãos como os turistas em determinada nação, continuem adotando condutas como "manter pelo menos um metro de distância de outras pessoas, higienizar as mãos constantemente e não sair de casa se estiverem se sentindo mal".
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