Sem circulação de americanos e brasileiros, turismo prevê baque até 2023
Depois de meses de quarentenas e lockdowns no mundo todo, a chegada do verão no hemisfério norte trouxe também a reabertura de diversas fronteiras internacionais. Mas nem todos os países vão se beneficiar desta retomada: os brasileiros, por exemplo, enfrentam restrições para entrarem em países da Europa e nos EUA.
Pesquisas recentes começam a falar sobre esse cenário de "fronteiras-não-tão-abertas-assim" e mostram que a abertura seletiva deve atrasar ainda mais a recuperação do turismo em alguns lugares - sobretudo no mercado do turismo de luxo.
Um estudo realizado pelo instituto McKinsey & Company, por exemplo, sugere que a recuperação da indústria turística em níveis semelhantes aos números pré-covid-19 deve acontecer somente a partir de 2023.
Paris sem brasileiros
Com as fronteiras para brasileiros fechadas, não é irrelevante o impacto que o turismo francês deve sofrer. Em 2018, o país europeu recebeu em 2018 mais de 89 milhões de turistas e planejava chegar a 100 milhões de turistas neste 2020, não fosse a pandemia. Trinta e cinco milhões deles visitaram Paris, que é também um dos destinos internacionais mais visitados por brasileiros no exterior.
Segundo dados do Comitê Regional de Turismo de Paris, os brasileiros compraram mais de três milhões de diárias em hotéis e apartamentos de temporada na capital francesa no ano passado. Mais de 80% deles estavam em férias e geraram mais de 460 milhões de euros em receita turística.
As visitas de brasileiros a Paris são tão significativas que diversos profissionais e empresas na cidade se especializaram a oferecer serviços turísticos exclusivamente para brasileiros.
Mas agora, com as fronteiras para o Brasil fechadas, enfrentam meses duros em seus negócios e sem perspectivas reais para os próximos meses.
Luiz Antonio Ferreira, proprietário do França Entre Amigos, serviço especializado em transfers e tours para brasileiros em Paris e outros destinos da França, passou os primeiros meses da pandemia gerenciando cancelamentos.
Durante o confinamento, nenhuma alma viva procurava nossos serviços. As únicas mensagens que chegavam eram de clientes querendo saber como estava a situação na França", conta Luiz.
A pausa forçada o levou a mirar as redes sociais para manter o vínculo com antigos e potenciais clientes. "Começamos a criar iniciativas virtuais, nos mantivemos em evidência e ainda ganhamos cerca de 30% mais seguidores nas redes. Queremos estar com tudo melhor quando os turistas brasileiros finalmente puderem voltar. Estamos começando a receber pedidos de cotação para 2021".
Um verão europeu sem americanos
Para destinos na Europa, o banimento temporário de turistas americanos nos países da União Europeia pode prejudicar ainda mais a recuperação por ali. Afinal, são eles os maiores "gastadores" na União Europeia (perdendo apenas para a China) e, segundo dados da Organização Mundial do Turismo (OMT), também são responsáveis por cerca de 8% dos mais de US$ 570 bilhões que o turismo costuma movimentar na Europa.
Além disso, são indiscutivelmente o principal público da temporada de verão na hotelaria de luxo do continente.
Estima-se que americanos tenham gasto anualmente mais de 140 bilhões de dólares no turismo nos últimos anos. Relatórios anteriores do U.S. National Travel and Tourism Office mostram que cerca de 18 milhões de americanos viajaram para países da União Europeia em 2018 e mais de um terço deles rumaram para o velho continente justamente durante a temporada local de verão.
A ausência dos americanos neste verão europeu já começa a ser um problema para a hotelaria, operadores, guias, restaurantes e todos os demais prestadores de serviços.
Ao contrário de hotéis midscale e econômicos da rede Accor no continente, que têm cerca de 90% dos negócios provenientes do turismo doméstico, as cadeias hoteleiras como Marriott e Hilton, por exemplo, devem sentir ainda mais o baque. Em 2019, segundo site Skift, 20% das diárias em propriedades europeias da Marriott foram vendidas para turistas americanos.
A situação pode se agravar mais para os hotéis focados em convenções e turismo de negócios — setor apontado hoje por especialistas como o que provavelmente se recuperará por último na indústria turística em geral. A maioria dos entrevistados na pesquisa da McKinsey afirma que suas empresas pretendem adotar a tecnologia como substituta definitiva para viagens de trabalho não essenciais, mesmo em um cenário pós-pandemia.
Luxo em maior crise
Hotéis e pousadas cinco estrelas tendem naturalmente a ter recuperação bem mais lenta - e muitos deles em destinos europeus ainda seguem fechados, com previsão de reabertura somente de setembro em diante.
Entre os europeus, os britânicos sempre foram a fonte de renda importantíssima durante o verão e estão entre as maiores despesas em hotelaria e gastronomia na temporada de calor.
Não à toa a nova quarentena do Reino Unido para viajantes provenientes da Espanha esteja causando tanta comoção. O país atrai anualmente mais de 80 milhões de turistas que respondem por mais de 12% do seu PIB e cerca de 400 mil britânicos têm residências de verão em destinos espanhóis.
Cenários incertos intra-fronteiras
Em países de grandes dimensões, como EUA (e o próprio Brasil), as fronteiras interestaduais também podem ganhar mais força nestes tempos. Turistas de estados como Texas e Arizona, nos quais os índices de covid-19 ainda são enormes, já estão tendo pedidos de reservas recusados por estabelecimentos de estados com menos casos, como o Colorado.
Hotéis estão reabrindo em diversos destinos conscientes do risco de serem obrigados a fechar temporariamente outra vez caso novos surtos aconteçam. No Brasil, isso aconteceu recentemente em destinos na Serra Gaúcha e até mesmo Foz do Iguaçu.
O estudo da McKinsey, como pesquisas de Hoteis.com e Booking.com, revelaram que os destinos nacionais estão entre os mais desejados pelos brasileiros no pós-pandemia, mas que ainda assim serão levadas em conta medidas extras de saúde e segurança como fatores decisivos para viajar de novo a passeio.
Abertas, mas não "liberadas"
Alguns destinos estão reabrindo de maneira quase generalizada suas fronteiras, mas repletos de exigências. Para entrar nas ilhas da Polinésia Francesa, por exemplo, é preciso ter reservas de hotéis confirmadas, passagem de retorno e teste negativo de covid-19 em mãos, feito três dias antes do embarque - além de se colocar à disposição das autoridades para ser testado a qualquer momento durante sua estadia.
Já o Camboja pede um depósito prévio de 3 mil dólares de cada visitante para cobrir eventuais despesas com testes, quarentena, cuidados médicos e até custos de funeral, além de um seguro médico obrigatório com cobertura de 50 mil dólares pelo menos.
Entretanto, epidemiologistas alertam que a abertura de fronteiras entre determinados países, neste momento, não significa exatamente "sinal verde" para viagens turísticas.
A prática tem mostrado que não é possível prever quando exatamente novos surtos da doença podem acontecer em cada destino e, consequentemente, quando exatamente algumas fronteiras poderão ser fechadas novamente para o turismo.
Mariana Berutto, que lidera do site "Conexão Paris", não vê cenário otimista nem mesmo em 2021:
"Mesmo depois que as restrições a turistas brasileiros acabarem na França, achamos que o turismo vai retomar muito lentamente. Não apenas pela insegurança gerada pela epidemia em si, como também por questões financeiras dos brasileiros. O dólar a seis reais nos afeta muito também", conclui.
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