Quarentena na Nova Zelândia tem hotel de luxo, fugas e vigilância cerrada
Sirenes da polícia, uma raridade na Nova Zelândia, perturbaram a tranquilidade da noite de segunda (10), num hotel de luxo num subúrbio de Auckland.
Os hóspedes curiosos surgiram pelos corredores, enquanto quatro viaturas estacionavam do lado de fora. Mas os policiais não estavam atrás de um criminoso perigoso: procuravam por um hóspede fujão.
O jovem estava tão desesperado para fugir da sua quarentena obrigatória no hotel, financiada pelo governo, que estava pronto a se arriscar a pegar até seis meses de prisão. Diante do novo lockdown, declarado na maior cidade do arquipélago após 17 novos casos de infecção, a situação chama ainda mais atenção.
Entre os hóspedes que assistiam à comoção do rapaz e dos policiais no saguão, estava o neozelandês Dean Goodman, que mora nos EUA há 27 anos e voltou ao país para visitar os pais.
"O hotel está cheio, mas raramente vejo ou converso com outros hóspedes. Minhas poucas interações são para reclamar da internet ou da comida que vem fria", disse o jornalista musical aposentado de 51 anos, isolado no hotel há mais de uma semana.
"Isolamento gerenciado"
As fronteiras da Nova Zelândia estão fechadas e sem previsão de abertura, com exceções de entrada para cidadãos, residentes permanentes e seus familiares. Ao desembarcar, todos são obrigados a passar por duas semanas em um dos 31 hotéis do programa do governo. Os locais são fortemente vigiados pela polícia, militares ou segurança privada.
"Da janela do meu quarto, posso ver os guardas que fazem a patrulha 24 horas por dia", disse Goodman por telefone.
Sempre tem notícia de gente sendo presa por furar a quarentena. Ouvi dizer que uma pessoa invadiu um hotel para falar com um hóspede e foi prontamente presa."
Goodman recebeu a visita da mãe, mas à distância. Ficaram separados por duas cercas. "Conversamos por 20 minutos. Cheguei a tirar minha máscara para ela poder me ouvir melhor, e o guarda pediu gentilmente para eu colocá-la de volta", comentou.
O "isolamento gerenciado" criado pelo governo funciona como uma loteria: quem desembarca no país é transportado de ônibus direto do aeroporto para hotéis de quatro ou cinco estrelas. Alguns azarados acabam em albergues de mochileiros ou hotéis básicos de aeroporto.
Goodman deu sorte e foi parar no Novotel, hotel quatro estrelas que normalmente cobra R$ 540 por noite (NZ$ 152). Fica ao lado do hospital particular que recebeu o Rolling Stone Keith Richards em 2006, quando precisou de uma cirurgia no cérebro ao cair de um coqueiro em Fiji.
"Se quiser, posso passar os 14 dias deitado na cama vendo TV. Como a internet é ruim demais, não dá para ver nada no meu laptop. Mas estou gostando de ver seriados antigos da minha infância que passam num canal especial, como 'A Feiticeira'", disse Goodman, que pretende viajar pelo país depois que visitar os pais.
"Infelizmente, os custos de acomodação continuam altos, embora a demanda tenha diminuído demais. Mas consegui alguns descontos razoáveis para voos e aluguel de carro."
Comida fria e pátio de prisão
Três vezes ao dia, refeições são deixadas à porta do seu quarto em sacos de papel. "O problema é que a comida chega morna", disse.
Todos os dias, ligo para a cozinha para pedir para reaquecer. Pelo tom da voz, sei que vão ficar felizes quando eu fizer o check-out no domingo."
Goodman pode escolher as refeições de um cardápio generoso. As opções incluem cordeiro, pizza, salmão, massa e até sushi. Entre as sobremesas, há tiramisu, bolo de chocolate e pavlova, um doce de merengue criado na Nova Zelândia. No Instagram, surgiram até contas para registrar as comidas e o dia-a-dia nos hotéis de quarentena no país, como a do casal anônimo @thequarantinecanteen_nz.
"Quando fico entediado com a TV e o tempo não está muito ruim, me arrisco até o estacionamento a céu aberto. É como um pátio de prisão, mas sem as brigas de faca, claro", disse Goodman, sobre o único espaço do hotel aberto aos hóspedes. "Adultos e crianças correm, andam de skate e caminham a qualquer hora do dia ou noite. Os guardas ficam sempre de olho."
Os hóspedes passam por checagens de temperatura diárias e realizam dois testes de covid.
A Nova Zelândia tem o tamanho do estado de São Paulo, mas uma população oito vezes menor. Sua localização remota, a 2 mil quilômetros da Austrália, aliada a uma política rígida de quarentena, ajudou a evitar as fatalidades sofridas por outras nações, embora tenha deixado a economia em frangalhos.
O turismo é responsável por 20% das exportações e agora desapareceu quase que completamente, assim como centenas de milhares de empregos.
Quarentena de R$ 11 mil
Até esta terça-feira (11), o programa de quarentena era bancado pelo governo. Agora, quem desembarcou desde então, precisa pagar uma taxa de R$ 11 mil reais (NZ$ 3.100) pelo isolamento obrigatório, sem contar R$ 3.400 por adulto extra e R$ 1.700 por criança, seguindo a prática na Austrália.
As taxas são simbólicas e devem contribuir menos de NZ$ 10 milhões para o custo estimado de NZ$ 479 milhões das instalações do "isolamento gerenciado" em cinco regiões do país, até o final do ano. Desde março, 36 mil pessoas já passaram pelo programa, incluindo 5.542 que estão quarentenadas no momento.
Quanto ao jovem desesperado e aos policiais no Novotel, eles mantiveram um distanciamento seguro durante o impasse no saguão. O rapaz implorava para poder visitar um membro da família doente, enquanto a polícia o lembrava da possibilidade de isolamento num lugar não tão confortável, no caso a prisão.
O jovem acabou voltando para seu quarto e para sua TV de tela grande com mais de 60 canais. "Nenhuma ação adicional foi necessária", disse um porta-voz da Quarentena e Isolamento Gerenciado da Nova Zelândia.
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