Quarentena em veleiro: brasileira fica "presa" na inóspita Terra do Fogo
Em março deste ano, a navegadora brasileira Christina Amaral, de 56 anos, estava fazendo uma viagem marítima por uma das mais remotas partes do mundo: o extremo sul da Argentina e do Chile, em uma região conhecida como Terra do Fogo.
No comando de um veleiro, ela vivia uma jornada de contato constante com a natureza. "Certo dia, presenciei o ataque de um grupo de orcas a duas baleias-jubarte bem ao lado do meu barco. Elas foram comidas vivas. Foi impressionante", relembra.
A viagem, entretanto, foi subitamente interrompida pelo coronavírus: "com a pandemia, as fronteiras fecharam e fiquei presa em Ushuaia. Não pude mais navegar por águas internacionais e nem trocar de país".
Christina está em uma marina da cidade argentina há quase cinco meses, vivendo dentro do veleiro junto com um amigo e, neste momento, convivendo com o rígido inverno da região, com temperaturas que já chegaram a -10ºC.
Porém, para lidar com os perrengues e a paralisia impostos pela pandemia, a brasileira tem usado a enorme experiência que possui como navegadora: ela mora em embarcações há nada menos do que 21 anos e, em sua vida, já percorreu mais de 75 mil milhas náuticas (cerca de 138 mil quilômetros) em diversos cantos do mundo.
No mar, a gente passa por momentos difíceis o tempo inteiro. Já estou adaptada com o distanciamento das pessoas. E nós, navegadores, sabemos que não podemos ir para o oceano a qualquer hora. Vamos quando as condições permitem"
O veleiro que abriga a brasileira neste momento também se encontra pronto para enfrentar situações adversas (e o frio da Terra do Fogo): ele tem 40 pés (cerca de 12 metros de comprimento) e é equipado com três cabines, banheiro com água quente, isolamento térmico, aquecimento, cozinha com geladeira e fogão, sala de jantar, uma enorme dispensa e tanque com água filtrada de 400 litros.
Belezas e frustrações
Engana-se quem pensa que a Terra do Fogo é um fim de mundo desolado e feio. Pelo contrário: Christina está cercada por lindas paisagens naturais.
Montanhas nevadas, bosques e uma fauna exuberante fazem parte dos cenários que existem na região de Ushuaia — e que rendem lindas fotos para o Instagram da navegadora.
"Há quase um mês, o governo permitiu que saíssemos da marina para navegar dentro da baía de Ushuaia. E, no meio desta área, há uma ilha onde podemos desembarcar", conta a brasileira.
Ela diz que tem passado os fins de semana na ilha, junto com amigos que fez na marina.
É um passeio importante para mudar de ares. É um lugar extremamente bonito. Para diminuir o frio, recolhemos pedaços de madeira que são trazidos pela maré, os secamos e fazemos fogueira"
E, segundo Christina, estar "ilhada" em Ushuaia por causa da pandemia lhe trouxe uma nova perspectiva de viagem.
"Quando a gente navega, temos um tempo muito limitado nos portos visitados. Queremos sair logo dali e continuar viajando. Para mim, o trajeto sempre foi muito mais importante do que o destino", afirma ela. "Porém, estar aqui em Ushuaia por tanto tempo me deu a possibilidade de admirar a região de todos os ângulos e curtir a transformação da paisagem local entre o outono e o inverno. E isso está sendo muito bom. Cada navegada na baía e cada pôr do sol são lindos. E tenho feito amigos que vou levar para a vida toda".
Além disso, a brasileira diz não estar preocupada com o coronavírus. "A Argentina está lidando bem com toda a situação. Mas não sei quando as fronteiras serão reaberturas. O futuro é incerto".
E este período não está livre se frustrações.
"Em outubro, eu iria para a Alemanha para o aniversário de um ano da minha neta, que mora lá com meu filho. E isso não será mais possível", lamenta. "Foi algo que foi tirado de mim sem opção de escolha. Isso me frustrou, pois é algo que fugiu ao meu controle".
Inspiração para mulheres
Christina conta que, por ser uma navegadora que já conheceu boa parte do mundo, foi convidada para liderar conversas com um grupo de mulheres de Ushuaia: nos bate-papos, ela busca inspirar suas interlocutoras com sua história de vida.
Falo sobre independência, sobre como consigo ser independente no mar e sobre como as mulheres podem ser livres"
E seu trabalho com o público feminino não para por aí: a brasileira gera parte de sua renda dando aulas de navegação oceânica para mulheres.
Christina relata que, tradicionalmente, e principalmente no Brasil, o mundo das navegações é dominado pelos homens. Mas ela identificou que havia muitas mulheres que gostariam de desenvolver suas habilidades para pilotar embarcações.
Muitos destes cursos são realizados justamente na região da Terra do Fogo.
Aqui perto fica a área do Cabo Horn, que está para os navegadores assim como o monte Everest está para os alpinistas"
De acordo com a brasileira, esta parte do globo possui condições climáticas, topográficas e marítimas desafiadoras e ideais para quem quer se especializar em comandar veleiros.
Dicas para a quarentena
Christina está acostumada a viver situações de isolamento. Em suas viagens, ela já passou dias seguidos completamente sozinha no mar e longe de entes queridos.
E o que ela tem para dizer para pessoas que, por causa da pandemia, estão encarando o distanciamento social?
Há algo que aprendi no mar: é importante saber que o mau tempo está do lado de fora do barco e não deixá-lo entrar na embarcação"
"Para sobreviver a uma situação como a quarentena, você não pode trazer a intempérie para dentro da sua casa e de si mesmo. Se fizer isso, a adversidade jamais irá acabar", diz. "O importante é ocupar a cabeça com coisas positivas durante a pandemia"
É fundamental saber que toda tempestade, uma hora ou outra, passa"
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