Pandemia: surfista fica "presa" na Nicarágua e vive em comunidade indígena
O plano estava traçado: após partir sozinha de São Paulo, no dia 2 de março, rumo a El Salvador, onde passaria algumas semanas, a jornalista e surfista Bruna Bessa seguiria viagem para a Nicarágua e para a Costa Rica.
Esse roteiro pela América Latina é a escolha de muitos gringos e brasileiros que têm em comum o gosto pelo surf. São locais chamados de point break, ou fundo de pedras, que pela formação natural do solo marinho proporcionam ondas constantes, boas para a prática do esporte.
A previsão era que o trajeto todo durasse um mês. Mas o coronavírus fez da viagem uma experiência bem mais longa: somente agora em setembro ela conseguiu embarcar num voo de volta.
Fiquei sabendo da gravidade da pandemia já em El Salvador. Quando começaram a falar que iam fechar as fronteiras, corri para comprar uma passagem de ônibus para a Nicarágua. Não poderia ficar presa num lugar que gastaria em dólar. Procurei o lugar mais barato e próximo".
Foi por pouco, porém, que a travessia se concretizou. Como os ônibus não estavam mais autorizados a cruzar a fronteira, Bruna e os outros passageiros tiveram que mudar de país a pé. "Foi o último dia que pôde atravessar caminhando. Depois, fecharam de vez a fronteira".
Imersão na Nicarágua
Durante os seis meses no país, ela se hospedou em diferentes hostels na praia de Popoyo, em Tola, no sul da Nicarágua, e chegou a trabalhar num mix de hotel, restaurante e bar em troca de estadia. A parada mais longa e curiosa se deu numa comunidade indígena. "Fui morar com uma pessoa que fiz amizade surfando. O estilo de vida é de uma vila de pescador, todos são familiares e se conhecem".
A sua rotina foi adaptada aos costumes dos moradores do povoado. Os hábitos do dia a dia passaram a estar conectados com a natureza, girando em torno da lua e da chuva.
"No início da viagem, estava com espírito de turista. Queria ir para praias diferentes, fazer viagem de barco, comer coisas exóticas. Na vila, eu acordava 3 horas da manhã para surfar e pescar. Às vezes precisávamos buscar lenha para cozinhar e água para beber. Dormíamos cedo".
Cabeça na carteira
Ter uma viagem estendida de um para seis meses pode parecer um sonho. Mas, se a conta bancária não está preparada para sustentar a vida fora do Brasil por tanto tempo, preocupações são inevitáveis.
Eu senti medo no começo quando eu vi que não ia conseguir trabalhar. Só gastava e nada entrava. A questão de dinheiro era o que deixava todo mundo que estava na mesma situação desesperado".
Fundadora da agência de viagem Maré Alta, de surf feminino, Bruna não conseguiria tocar o trabalho de forma remota e à distância, já que grande parte dos afazeres é levar meninas para surfar no litoral do Brasil.
A boa notícia veio quando a embaixada brasileira da Nicarágua ajudou os visitantes a conseguir hospedagem. "Esse apoio me deixou mais tranquila".
Aeroporto fechado
Com os voos comerciais paralisados, o aeroporto do país latino estava operando apenas com trajetos particulares. De acordo com a surfista, as agências de viagem de lá fretavam um avião e cobravam cerca de 900 dólares pela passagem até o Brasil.
"O que todo mundo pensa é: se você tem 900 dólares para voltar, por que você não fica lá e gasta 900 dólares em cinco meses, vivendo com outra qualidade de vida, num lugar que tem menos casos de coronavírus..."
Seu retorno só foi possível porque conseguiu um trabalho temporário para produzir conteúdo para uma marca internacional. "Eles pagaram para mim. Foi assim que consegui. Se não, ainda estaria lá".
Embora desejada, a volta para casa despertou novas sensações não tão positivas. "Foi um choque ver tudo aqui parado. No aeroporto, senti uma tristeza coletiva. Na Nicarágua todo mundo dividia copo, latinha de cerveja, comia junto, sem nenhuma preocupação com o vírus. Aqui, não abracei e não toquei em ninguém. Esse distanciamento social eu realmente só entendi quando cheguei aqui."
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