Sem limites: a história de pessoas com deficiência que viajam pelo mundo
Algumas pessoas que enxergam barreiras para sair pelo mundo talvez não conheçam viajantes que não deixam deficiências físicas limitarem a descoberta de novos e distantes lugares. Embora as necessidades especiais exijam mais disposição, elas não os impedem de viver momentos únicos.
Confira a seguir histórias de pessoas com deficiência que ultrapassaram obstáculos e mostram que não existem limites para curtir novas experiências de viagem.
Uma cadeira com histórias e lembranças
Laura Martins é formada em letras, redatora e escreve para o blog Cadeira voadora desde 2011. Aos 5 anos, ela teve mielite transversa, doença que a deixou em uma cadeira de rodas. A dificuldade de locomoção, no entanto, não a impediu de desbravar o mundo e narrar suas histórias.
O foco de escrever é compartilhar muito mais do que dicas de viagens, mas experiências. ''Não faço questão de saber quantos carimbos há no meu passaporte. A ideia é a liberdade de ultrapassar as próprias fronteiras, aquelas que a sociedade coloca pela falta de acessibilidade'', reflete.
Para Laura, o importante é se permitir sair de casa e enfrentar os desafios. "Para quem é deficiente, ir ao supermercado já é uma vitória", diz.
Visitar um parente na cidade vizinha pode ser mais significativo do que uma pessoa sem deficiência passar uma temporada em um país considerado exótico"
Aprendizados pelo caminho
"Viajar é um instrumento de empoderamento", diz Laura. "Quando alguém viaja, desenvolve habilidades no processo, como planejar, executar, lidar com imprevistos, entrar em contato com o diferente e incorporá-lo".
A blogueira fez muitas viagens desacompanhada e considera enriquecedor esse modo "solo" porque consegue interagir mais. "Por ser cadeirante, quando estou sozinha as pessoas se aproximam para oferecer ajuda. Nunca passei por alguma experiência grosseira'', conta.
Morar e fazer o intercâmbio em Newcastle Upon Tyne, município no nordeste do Reino Unido, foi um momento marcante para Laura.
Viver uma temporada maior no exterior ajudou-a a ganhar autonomia. "Me deu oportunidade de conversar mais com as pessoas e de conhecer distintas formas de interagir. Se todos viajassem com esse espírito, seriam menos preconceituosos", ressalta.
Os desafios
Uma pessoa com deficiência encontra muitas limitações no percurso e nos destinos turísticos.
O mundo não está preparado para receber alguém com limitação, que encontra situações adversas da saída de casa até a hora de voltar"
Ela elenca algumas delas: ''Existe a recusa de motoristas de aplicativos; desafios nos aeroportos (nem todos têm condições de nos receber); aeronaves que não estão preparadas e onde não há condições de usar o banheiro; e limitações nos transportes públicos''.
Laura também destaca que a maioria dos hotéis não possuem acessibilidade. "Às vezes procuro informação em sites de busca e alguns falam que têm, mas não é verdade. A fotografia costuma falsear a situação", diz.
"Já aconteceu de um hotel ter uma pia tão alta que tive que colocar água em um copo e usar o vaso sanitário como pia. Nem mesmo conseguia lavar as mãos'', recorda do constrangimento.
Sem limites para viajar
A turismóloga Mellina Reis já percorreu nove países e dez estados brasileiros — poderiam ser 13, não fosse a pandemia ter paralizado o turismo e seus planos. A paixão por viajar a fez conhecer lugares como a França, Inglaterra, Grécia, Estados Unidos, Argentina, Chile e Uruguai.
Um detalhe: Mellina tem uma degeneração na retina chamada distrofia de cones e bastonetes, que reduziu sua capacidade de visão a apenas 3%.
Mesmo assim, a deficiência não a impediu de conhecer a maioria dos destinos sozinha ou acompanhada de Hilary, sua cadela-guia.
As experiências inspiraram a criação do blog 4 patas pelo mundo para contar sobre os lugares e passar dicas de cada região turística.
Dois percursos marcantes de suas andanças foram aventuras sem a companhia de conhecidos. O primeiro foi em 2008, quando fez um tour por França, Grécia e Espanha. Na época, tinha 20% da visão.
O segundo foi a visita para Curitiba, em 2015, em que conseguia enxergar entre 5% e 3% e marcou a estreia de Hilary como companheira de passeio.
Viajar apenas com sua cadela-guia é, para Mellina, uma experiência libertadora.
Tenho uma sensação de que eu consigo e sou capaz. Posso fazer as coisas no meu tempo, do jeito e na hora que quero. Me sinto vitoriosa por ter superado os meus medos e limites''
Nas viagens, ela faz amigos e sempre registra os momentos especiais. Apesar da deficiência visual, tira fotos e filma. "Como elas ficam, eu não sei, mas registro tudo'', brinca.
Viagem em família inesquecível
A economista Maria Fernanda, de São Paulo, do perfil @papoderodas no Instagram, fala sobre viajar diante das necessidades especiais por causa da cadeira de rodas:
É só curtir e encarar as adversidades que encontramos em qualquer lugar. Pedir ajuda e um bom planejamento são ótimas estratégias para enfrentar qualquer dificuldade"
As limitações não barraram as viagens por diversas partes do país e do mundo. No Brasil, já conheceu mais de 20 municípios. Nos Estados Unidos, foi para a costa da Califórnia, Atlanta, Orlando, Nova York, Boston, Miami e Las Vegas. E fechou o tour norte-americano conhecendo a Cidade do México.
Na Europa, fez um percurso de carro pelo norte da Itália passando por 20 cidades e também visitou Paris, na França.
A viagem marcante, entre tantas, foi para a Disney, em Orlando. "Uma paixão por causa da energia mágica daquele lugar", diz. Mas também guarda com carinho as lembranças dos momentos em que esteve com toda a família em Nova York e na Itália.
Uma vez embarcou sozinha de São Paulo para encontrar os familiares em Brasília, mas não fez nenhuma viagem completa sem companhia.
Para escapar de aborrecimentos, Maria nunca deixa de verificar a acessibilidade dos transportes e da hospedagem.
"O avião é o primeiro desafio: a cabine costuma ser apertada e o banheiro mais ainda, por isso, evito ao máximo", revela. A viajante também prioriza grandes redes hoteleiras, porque sempre proporcionam quartos realmente adaptados.
Sem medo de perrengue
Marcos Melo Jr., de Nova Lima, Minas Gerais, é atleta de paraciclismo, fisioterapeuta, palestrante e youtuber do canal Tocando a vida. Ele já viajou para cinco países e diversas cidades, passando por cima da condição de tetraplégico.
Em Roma, na Itália, teve uma experiência singular. Ao mesmo tempo que enfrentou dificuldade para encontrar banheiros adaptados na cidade, deparou-se com a parte histórica quase totalmente preparada para a acessibilidade.
Por causa dos requisitos especiais, Marcos nunca viajou sozinho. No entanto, sempre aproveitou os lugares conhecidos para ter contato com novas sensações e emoções.
Tirando a necessidade de acompanhante, não há limitação para mim. Os diversos obstáculos fazem parte da vida de alguém com deficiência"
Marcos diz ser movido pelo espírito aventureiro e a coragem de enfrentar perrengues: "Eles são maiores do que qualquer motivo para eu deixar de viajar e aproveitar as experiências". Porém, alerta para importância de fazer sua "tarefa de casa" antes de cada aventura.
O fisioterapeuta pesquisa as informações sobre acessibilidade e checa se, realmente, será possível curtir as atrações da região.
Tudo é posto na balança dos perrengues versus a experiência que terá. "Avalio o quanto vale a pena passar por algumas situações complicadas. Isso é um fator que deve ser altamente considerado", explica.
Para outros deficientes que sonham desbravar novos lugares, Marcos dá a dica:
Não tenha vergonha de pedir ajuda e, se for o caso, ligar para tirar todas as dúvidas, principalmente em relação à acomodação. É muito comum reservar um hotel com quarto acessível e, na hora, dar de cara com um local impossível de um cadeirante se deslocar"
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