Churrasco gaúcho versus paulista: diferenças que geram polêmica à grelha
Qual o melhor churrasco que você já comeu? Foi no Rio Grande do Sul ou em São Paulo? Mais do que uma mera rixa entre estados, as diferenças entre gaúchos e paulistas no modo de assar carne podem ser explicadas pela história.
Para essa missão, contamos com a expertise de Marcos Livi, gaúcho e empreendedor gastronômico considerado um embaixador dos Pampas, e Clarice Chwartzmann. Nascida no interior do Rio Grande do Sul, em Passo Fundo, ela é apresentadora do programa "De Bem com a Comida", no Canal Rural, e ensina mulheres a pilotar a brasa e a grelha no seu projeto A Churrasqueira.
Tradição de vários séculos
No ano passado, o Brasil se consolidou como o maior exportador de carne do mundo. O fato, somado à frequência que o produto aparece no prato dos brasileiros, pode até fazer parecer que o boi é um animal nativo da nossa região. Mas não é bem assim.
O gado, na verdade, chegou ao país por meio dos colonizadores. A espécie se reproduziu principalmente na região dos Pampas, localizada no Uruguai, em parte da Argentina e no Rio Grande do Sul.
O rebanho, criado solto, foi abandonado por jesuítas espanhóis que deixaram os aldeamentos indígenas dos Sete Povos das Missões em consequência do Tratado de Madri, que definiu, de forma mais prática do que o de Tordesilhas, as terras que pertenciam a Portugal e a Espanha.
Nessa "brecha", surgiu uma nova classe, os gaúchos, que montavam a cavalo, encurralavam os bois e abatiam os animais para comercializar o couro e, é claro, alimentar-se do bicho.
Peças grandes de carne eram colocadas por eles em espetos de madeira e assados no fogo de chão. E foi assim que o churrasco se tornou a base da alimentação da região.
Por todos esses motivos, o churrasco tem tudo a ver com os gaúchos. Clarice confirma:
O churrasco faz parte da nossa vida desde a infância. É uma cultura alimentar baseada na pecuária que começou na época dos jesuítas"
A tradição está tão enraizada que se manifesta até na arquitetura:
"Todas as casas no Rio Grande do Sul precisam de churrasqueira. Se não tiver, as pessoas nem compram apartamento", diz Clarice.
Cortes e modos de preparo
Os hábitos que envolvem o que comer e como fazer, em sua maioria, são herdados dessa história que acabamos de contar. Para compará-los aos costumes dos paulistas, Clarice dá a letra:
Enquanto São Paulo olha para o Brasil e para o mundo no que diz respeito a tendência, o Rio Grande do Sul olha para o Uruguai, para a Argentina e para o seu próprio umbigo"
Embora essa realidade venha mudando com o fortalecimento do mercado de carnes de qualidade no Brasil, a premissa faz ser mais fácil entender uma série de diferenças que existem entre os dois estados.
De maneira geral, os gaúchos estão acostumados a assar a carne mais distante do fogo, o que faz com que o preparo seja mais lento e a preferência seja por peças maiores, como a costela.
Marcos explica:
Faz pouco tempo que gaúchos começaram a comer cortes nobres como picanha, ancho e chorizo. Churrasco era sempre de carne com osso. Até hoje, se eu faço um churrasco e não tem costela, o gaúcho quer morrer"
O assamento ancestral chamado de fogo de chão também faz com que seja mais difícil de achar o ponto da carne. Em São Paulo, por sua vez, o cliente já está habituado a escolher um bife mal passado, ao ponto ou bem passado.
De acordo com Marcos, essas três opções não existem no assado tradicional. "O ponto vem com o uso da parrilla, onde o fogo é intenso e a carne fica a 20 centímetros de distância da brasa". Tipicamente argentino, o método é bem popular entre os paulistas e está conquistando espaço no Sul.
Outra tradição dos gaúchos é o consumo de cordeiro. Além de estar mais presente no churrasco do que em São Paulo, o animal é preparado inteiro, como na Patagônia.
Marcos faz uma ressalva: "Para mim, quando a gente desmembra uma carcaça, conseguimos ter um aproveitamento melhor do animal". Ponto para São Paulo, onde o cordeiro só vai à mesa em forma de carré, pernil, paleta...
O tempo e os acompanhamentos
É fato que estar ao redor do fogo é uma paixão compartilhada por gaúchos e paulistas. Para Marcos, em ambas as regiões, a comida não é significado só de se alimentar, mas de realizar uma espécie de evento.
"Quando alguém te convida para um churrasco, você não pergunta se vão assar costela, cordeiro ou picanha. Você simplesmente vai".
Cada ritual, porém, tem as suas peculiaridades. "O churrasco tradicional gaúcho acontece de uma vez só. Ao meio dia todo mundo se serve da carne que é colocada ao centro da mesa junto de salada de batata, farinha de mandioca torrada e cuca", diz Marcos.
De acordo com ele, a refeição do gaúcho acaba quando o do paulista ainda está começando, lá pelas 13 horas. "Em São Paulo se come mais devagar, leva horas, acende o fogo dez vezes... Isso acaba valorizando mais cada corte que é servido".
E afinal, quem faz o melhor churrasco?
Sei que você, leitor, gostaria de uma resposta certeira. Mas determinar um campeão para esse duelo não é tão simples.
Isso porque, embora no Rio Grande do Sul tenha muita gente que faça churrasco e o hábito esteja presente em grande parte das famílias, não significa que todos executem as técnicas de maneira brilhante.
Da mesma forma que não é só porque São Paulo apresenta uma variedade de métodos e grandes assadores que todo o churrasco feito na região será o melhor.
"Pode ser no RS ou em Sampa, o melhor churrasco é aquele bem feito", diz Clarice, que na sequência brinca com a sua origem e joga lenha na fogueira:
Mas o melhor mesmo é o gaúcho. Preciso puxar a brasa para o meu assado"
Para Marcos, os dois churrascos são diferentes e incomparáveis. "O gaúcho tem apego afetivo e o paulista gosta de reunir as pessoas ao redor do fogo. Então não tem o melhor churrasco, mas as melhores pessoas em volta de um bom assado".
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