Técnica ancestral transforma lã natural em matéria-prima de objetos e arte
Inês Schertel
Inês Schertel era uma pessoa urbana. Tão urbana que comprou um terreno no campo pelo telefone, sem ver de perto, apenas acreditando no que seus amigos diziam sobre a propriedade. Eram 100 hectares que ela dividiria com eles, para passar fins de semana e temporadas. Depois, se tornariam sua fazenda, definitivamente.
Há 8 anos, quando deixou São Paulo para voltar ao Rio Grande do Sul, sua terra natal, ela e o marido, Neco Schertel, olharam para aquelas terras e não souberam o que fazer. "Não temos raízes rurais. Foi curioso que nós, tão urbanos, cogitamos criar ovelhas para que o campo se pagasse", ri. Na verdade, uma sorte.
Surpresas da vida
A dupla não imaginava o que viria pela frente. "Começamos a aprender a criá-las e percebi que, anualmente, era necessário fazer a tosquia. As ovelhas ficavam muito faceiras depois disso. A tosquia as deixa felizes, porque elas se sentem mais leves", diz Inês.
A lã residual que surgia da tosquia era trocada no mercado por ração para os cavalos. "Eu sempre pensava em fazer algo com aquilo. Não era justo ser algo tão desvalorizado. Pesquisando, vi que é um material nobre, renovável, biodegradável e completamente sustentável. Nunca achei que trabalharia com lã, pois técnicas como tricô nunca foram meu forte."
Momento mágico
O destino trazia uma técnica bem antiga ao seu encontro: a feltragem. Ao aproveitar um resíduo da ovelha dando novo significado e homenageando uma tradição ancestral, Inês, que antes havia trabalhado como arquiteta e diretora de arte, encontrou uma linguagem única e contemporânea. Tornou-se designer de sua própria marca.
"Há 4 ou 5 mil anos atrás já feltravam a lã da ovelha. Para feltrar, fazemos a fricção manual das fibras, que com água e sabão encolhem junto. Esse é um momento mágico: as tramas grudam e surge o feltro. Depois disso, o material é irreversível", ela conta.
Processo 100% manual
Tosquia, beneficiamento, lavagem e todos os outros processos exigem a mão humana. Antes disso vem o pastoreio, feito por Neco. "O papel dele é essencial como pastor das ovelhas. Além disso, ele sempre acompanhou e deu força ao meu trabalho", diz Inês.
Para aprimorar a técnica, ela fez cursos em lugares como Irlanda, Itália e o Quirguistão, que é um berço de nômades que utilizam a lã em suas casas como isolante térmico, tanto para enfrentar frio como para fugir do calor.
Inês também descobriu a Campaign for Wool, capitaneada pelo Príncipe Charles, um defensor da criação de ovelhas e dos inúmeros benefícios da lã natural: ela atrai menos ácaros que fibras sintéticas e no mobiliário oferece mais conforto do que estofados convencionais.
A ovelha Rita Lee
Na fazenda de Inês, em São Francisco de Paula, um rebanho de 500 animais já esteve por lá. Hoje são menos de 100, de onde vem a lã merino. O slow design começa aí: eles respeitam e cuidam com tanto carinho que enxergam até as diferenças entre as ovelhas. Já batuzaram de Rita Lee uma ovelha negra que nasceu por lá. "Elas são muito dóceis. Temos uma relação de família."
Do Brasil para o mundo
Quem vê as peças de Inês brilhando nas feiras mundiais não imagina o trabalho nos bastidores. Há muitas etapas. É preciso esperar a época da tosquia, respeitando cada processo com paciência. Um banco com 400 flores para a Coleção Botânica, com a Etel, levou três meses para ficar pronto.
Hoje está em uma exposição em Milão, na Itália. Outras peças estarão na Holanda, em São Paulo e no mundo todo. Inês respeita o tempo de tudo. Mas ela não para de criar.
O conceito de slow design é um estilo de vida. Falar sobre o meu trabalho é falar da verdade que vivo. Não penso em aumentar a produção. Quero fazer cada vez menos e melhores peças."
@s que me inspiram
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