Na pandemia, restaurantes adaptam menus de olho em preços e desperdício
Quando tomou a decisão de fechar simultaneamente seus quatro restaurantes em Valência, na Espanha, no início de março com a propagação do novo coronavírus, o premiado chef Ricard Camarena tinha acabado de receber uma entrega considerável de vegetais da fazenda que mantém em Mahuella, a menos de meia hora de distância do centro da cidade.
Eram algumas abobrinhas, alhos-porós, muitas hortaliças. Pensou o que iria fazer com aquilo tudo. Dividiu entre a equipe e, para tomar seu tempo, passou a ir alguns dias para a cozinha fazer conservas, tentar que os sabores da primavera durassem mais tempo.
Quando reabriu as portas, em junho, muitos dos ingredientes conservados ganharam nova vida nos menus, como os mais de 3 mil quilos de tomates em conserva que foram produzidos nas suas cozinhas.
Nós é que tivemos que parar, a natureza seguiu seu ritmo"
A frase é dita por Camarena no documentário Receita do Equilíbrio, que fala sobre a pausa forçada imposta pela covid-19 aos restaurantes, e que teve estreia internacional no Festival Internacional de Cinema de San Sebastián, no final de setembro.
Camarena, que conquistou duas estrelas Michelin, ficou conhecido pelo foco em frutos do mar e no uso dos vegetais como ingredientes principais. "Acho que aprendemos a dar ainda mais valor para cada ingrediente que entra na nossa cozinha e utilizá-lo em sua integralidade", acrescenta ele no filme.
Novos menus, menos desperdício
A pandemia alterou não apenas a organização e a arquitetura dos restaurantes, mas também afetou seus menus: muitos deixaram de lado ingredientes mais caros, outros passaram a encontrar novos usos para tudo aquilo que compram.
Em tempos de dificuldades econômicas em que é preciso focar na redução de custos, pensar em como fazer mais com menos se tornou uma necessidade não só nas equipes, mas também no prato.
No Corrutela, em São Paulo, onde a sustentabilidade é um lema, o chef César Costa conta que o uso integral dos alimentos — "da raiz ao talo", como diz — sempre foi uma filosofia, do bolo de chocolate feito com soro que sobra da preparação do iogurte ao pó de tomate que faz com a casca da fruta.
Mas desde que a pandemia começou, ele passou a buscar técnicas de conservação dos alimentos, como as curas e os picles, para garantir sua maior durabilidade.
"Temos pensado um menu que permita que os ingredientes sejam menos perecíveis. A covid-19 trouxe uma instabilidade sobre o movimento de clientes, tanto no delivery quanto no salão, e dá muito medo trabalhar com produtos nobres, que são delicados e estragam rápido"
César Costa
A saída foi garantir o frescor e um tempo maior de uso para mitigar as perdas. "Passei a fazer conserva dos mexilhões, picles de ostras, muitos fermentados e peixes curados. Assim, garantimos esses produtos em bom estado por mais dias ou semanas", conta.
Também criou uma fermentação com as folhas da mostarda, como no chucrute, tradicionalmente feito com repolho nos países do leste europeu. "É uma volta ao que era fazer a conserva antigamente, de tentar preservar ao máximo o ingrediente, travar seu processo de decomposição", explica.
Cardápios mais enxutos
Original de Campo Grande, o restaurante japonês Imakay, também em São Paulo, fez algumas adaptações de ingredientes do menu diante do momento atual.
"Tivemos que reduzir nosso cardápio pela metade devido à baixa quantidade de clientes na reabertura de bares e restaurantes", explica o chef David Rodrigues.
Outra razão foi a alta do dólar, que afetou consideravelmente os preços de alguns insumos importados que comprava para suas receitas.
Por isso, alguns peixes e ingredientes mais nobres, como ikura (ovas de salmão), unagui (enguia) e atum bluefin, deixaram de ser servidos, pelo menos temporariamente.
Para os sushis e outros preparos, o foco do chef tem sido outros peixes, mais baratos e de mais mais fácil acesso.
Uma boa saída que encontrei para suprir a falta desses insumos a preços mais acessíveis no mercado foi a maior utilização de peixes do litoral brasileiro, que eu já utilizava antes, mas agora estamos utilizando com muito mais frequência"
Entre os peixes que agora fazem parte do cardápio estão carapau, olho de boi, pargo, namorado e ovas de tainha, todos nacionais.
Rodrigues diz não ter dúvidas que essas mudanças devem permanecer após a pandemia. "Estou refazendo todas as fichas técnicas [estimativa de custo de ingredientes das receitas] e penso que o momento pode nos ensinar muita coisa", diz.
Olhar para os ingredientes de outra forma pode ser um ensinamento que o novo normal não deve mais desconsiderar.
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