A saga da ativista que criou quatro santuários de animais na África
Ela recorda que, quando criança na década de 1970 em Melkbosstrand, cidade costeira a 30 quilômetros da Cidade do Cabo, na África do Sul, já amava os animais.
O que talvez Lara Mostert (48 anos) não imaginasse é que, anos depois, se tornaria uma das ativistas mais respeitadas do país. Dessas que não se abalam com constantes ameaças por dedicar sua vida ao resgate de animais e denúncias de locais que os exploram para o entretenimento.
A sul-africana trocou o curso de publicidade pelo turismo quando conseguiu um emprego em um lodge de luxo na selva, perto do Kruger Park, uma das maiores reservas de vida selvagem do continente africano. O contato com os animais despertou em Lara aquela paixão que ela nutria desde menina — ali ela também conheceu Tony, seu marido há 25 anos.
O amor e a preocupação com o bem-estar animal fez com que Lara criasse do zero quatro santuários dedicados a resgatar espécies selvagens oriundas de tráfico, zoos, circos e até laboratórios.
A iniciativa surgiu quando Mostert percebeu o aumento gradativo do tráfico de animais no país. Disposta a mudar esse cenário, ela escolheu uma região rural conhecida como The Crags, dona de uma natureza exuberante com florestas, montanhas e praias selvagens, localizada a 20 quilômetros da cidade costeira de Plettenberg Bay para ser o lar dos três primeiros santuários.
Em 1998, foi criado o primeiro, chamado de Monkeyland, destinado aos primatas. Pouco tempo depois, veio o Birds of Eden, dedicado aos pássaros. Logo em seguida, o Jukani Wildlife, voltado para os felinos.
A ativista não parou por aí. No ano passado, com os recursos angariados pelos três santuários, conseguiu fundar mais um para macacos na mesma linha do Monkeyland, mas desta vez em Ballito, Kwazulu Natal, na Província costeira mais ao norte do país.
Modelo único de santuário no mundo
O santuário dos macacos foi o primeiro no mundo a reunir diferentes espécies de primatas convivendo juntos em uma imensa floresta, onde vivem de forma segura e livres em seu habitat natural.
Os visitantes caminham pelo local em visitas guiadas onde aprendem sobre os hábitos desses animais que transitam a poucos metros das pessoas — entretanto, é estritamente proibido tocá-los.
São lêmures, bugios, macacos prego e outras sete espécies vivendo nesta floresta à qual os visitantes têm acesso apenas a um pequeno trecho: o restante é somente para os mais de 550 primatas.
"Era preciso falar em nome dos animais, já que eles não têm voz", diz Lara a Nossa, sobre a principal motivação de sua empreitada.
O Birds of Eden foi criado porque havia muitas pessoas mantendo aves (algumas de espécies raras e exóticas) em pequenas gaiolas — mais até do que macacos como a maioria imagina.
Havia uma necessidade de ajudar essas aves criadas em cativeiro a voltar a voar livremente. Os seres humanos tiram esse direito deles quando as prendem"
O santuário dos pássaros segue a mesma linha do Monkeyland. São mais de 3.500 aves de 280 espécies voando livremente em uma floresta. Os visitantes caminham por passarelas de madeira observando aves de todos os tamanhos, tipos e cores vivendo em harmonia em um espaço de 2.3 hectares — um verdadeiro Éden para elas.
Já o santuário dos felinos, Jukani, surgiu quando um parque de vida selvagem passou por sérios problemas financeiros e necessitava de um espaço natural que pudesse acolher os animais com segurança.
Lara denuncia que felinos como leões e leopardos são alvo de um negócio inescrupuloso na África do Sul, conhecido como "fazendas de caça enlatadas", propriedades particulares destino de pessoas do mundo inteiro que pagam uma alta soma para caçar felinos.
Síndrome do Éden
A ativista é uma ferrenha combatente aos locais que permitem o contato direto com os animais, como carregar filhotes no colo e tirar fotos com eles. "Tocar nos animais selvagens é errado. Sempre oriento as pessoas a não apoiar essa prática e deixar de visitar os destinos que a promovem", diz.
No Jukani, vivem 74 felinos de 17 espécies do mundo inteiro que foram confiscados pelas autoridades sul-africanas ou vieram do exterior — de circos na Europa que faliram, zoos que fecharam e até mesmo de pessoas que mantinham estes animais selvagens como pet.
O santuário de 17 hectares se tornou o refúgio definitivo de animais que não podem ser reintroduzidos à natureza por terem vivido em cativeiro por longos anos.
Todos os santuários fundados pela ativista foram baseados em uma pesquisa intitulada "Síndrome do Éden". De acordo com ela, os animais são 'reorganizados' de volta a uma condição em que podem ser libertados em áreas semi-selvagens, com várias espécies convivendo juntas e livres.
É proibida qualquer atitude que possa expô-los a uma situação de estresse, e há uma equipe dedicada a educar turistas a respeito da causa"
Cada animal que vive nos santuários possui um passado triste envolvendo abusos. "Animais não são mercadoria e, uma vez conosco, nós cuidamos deles por toda a vida", afirma a ativista.
Sem apoio do governo
Nenhum dos santuários recebem qualquer tipo de recurso financeiro do governo-sul africano ou ONGs — são 100% autofinanciados. "Todo o apoio para a sua manutenção vem da visitação de turistas nacionais e estrangeiros", diz.
A renda é revertida para a alimentação dos animais, manutenção, pagamento de funcionários, apoio a voluntários e, quando sobram recursos, para criar um novo refúgio, como ocorreu com o Kwazulu Natal.
Durante a conversa com Nossa, Lara desabafa sem rodeios que os gastos anuais com a alimentação dos animais dos quatro santuários giram em torno de 4 milhões de rands (cerca de R$ 1,3 milhão).
Financiar as despesas é sempre uma dificuldade. O outro obstáculo é assegurar a vinda de muitos visitantes, para que possamos gerar recursos"
Admiração por Luisa Mell e ameaças de morte
Lara tem admiração pela também ativista Luisa Mell. Em janeiro deste ano, a brasileira esteve no The Crags para conhecer de perto os santuários a convite de Lara — que não poupou elogios ao trabalho realizado pelo Instituto Luisa Mell.
"Eu adoraria trabalhar com a Luisa. Ela é um ser humano maravilhoso. Se ela precisar da nossa colaboração no santuário que irá criar no Brasil, vamos adorar contribuir", diz.
Graças a pessoas como Luisa Mell, há muitas vozes que defendem os direitos dos animais"
O discurso da ativista, focado no turismo responsável e direitos dos animais tem provocado a ira de alguns locais na África do Sul que exploram felinos e elefantes em atividades pagas de acariciar filhotes, posar para fotos e montar em elefantes.
Questionada se já foi alvo de intimidações, Lara confessa que as ameaças são constantes e anônimas, embora saiba que elas partem de empresários que incentivam esse tipo de turismo. "Tentam me silenciar e avisam que os santuários sofrerão as consequências. E há também ameaças judiciais", diz. No entanto, a ativista não parece se abalar com isso:
Eu os ignoro e continuo a minha luta, criando finais felizes para histórias tristes"
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