O poder de voto na eleição presidencial virou moda nos Estados Unidos
Christian Siriano encerrou a Semana de Moda de Nova York no quintal da sua casa há um mês com um apelo: vote. Com uma modelo toda vestida de preto com letras garrafais, que traziam essa palavra em inglês, o estilista convocou os norte-americanos a se registrarem para as eleições presidenciais, que trava a batalha entre os candidatos Donald Trump e Joe Biden.
A Louis Vuitton encerrou os desfiles em Paris da mesma forma, trazendo slogans estampados em tops e vestidos com cores vivas, incluindo um suéter com a mesma mensagem: vote.
Há menos de um mês para as eleições, a moda vem se reafirmando como uma das principais ferramentas para o incentivo político-social nos EUA — e não só nas passarelas.
A "V Magazine", uma das principais publicações de moda do país, trouxe nas capas de suas mais recente publicação diversos artistas da indústria pop, de Bella Hadid à Jennifer Lawrence, incentivando a população mais jovem a ir às urnas.
No Instagram, rede social considerada a maior plataforma de moda atualmente, em meio a uma saudável luta com o TikTok, as publicações dos influenciadores que aparentemente seriam apenas para a divulgação de um look também incorporaram o tal chamado.
De acordo com o TMZ, depois que Kylie Jenner publicou uma foto de biquíni para seus quase 200 milhões de seguidores, com a legenda questionando: "você já se registrou para votar?", o site vote.org registrou um aumento de 1500% no tráfego de usuários com quase 50 mil pessoas acessando o site via Instagram.
No Twitter, as cantoras Lizzo e Taylor Swift também engrossaram o coro por meio de acessórios de moda.
Enquanto a voz de "Truth Hurts" compartilhou a sua máscara engajada:
A cantora do álbum "folklore" mostrou o colar de pingente com a palavra "voter":
Nas palavras do professor e historiador de moda João Braga a Nossa, não é nenhuma novidade que a moda exerça esse papel ainda hoje em dia.
"A moda pode ser usada para qualquer convencimento de comunicação e linguagem", explica. "Como a moda tem um compromisso de retratar o tempo em que a abriga, agora, ela está voltada para as questões de ordens políticas, o que é facilitado pelas mais amplas possibilidades de expressão, como com as redes sociais".
Moda é uma forma de comunicação não verbal. A roupa não fala, mas transmite inúmeras informações, principalmente de cunho político".
Esse poder de linguagem usado, como conta o professor, pertence ao que chamamos de moda contemporânea, que tem como uma das premissas a inclusão.
"Podemos citar gênero, etnia e até a política", comenta. "O conceito de sustentabilidade na moda, que surgiu só depois de Chernobyl, não abriga só a 'moda ecológica', mas quatro pilares, a partir dos anos 2000: eco ambiental, social, econômico e cultural".
Ou seja, a moda sustentável é também a moda que dialoga com a política: "A moda como linguagem é usada como recurso para difundir essas premissas que formam os seus pilares", complementa João Braga.
Tendência histórica
Nos Estados Unidos, especificamente, o estilo na hora de se vestir desempenhou papéis importantes também no passado desde o Movimento Hippie até o Black is Beautiful, movimento cultural iniciado nos anos 60 por afro-americanos.
"Como a moda era deixar o cabelo crescer, entre os negros, como crescia fazendo volume em cima, entra em moda o Black Power. Foi a atriz do teatro Marsha Hunt que deu visibilidade para o penteado, que depois foi difundido por Angela Davis em um comício".
No Brasil também temos um histórico em que a moda e a política se misturam. Na época dos Diretas Já, anos anos 80, o simples ato de pintar o rosto com as cores da bandeira brasileiras e vestir uma camiseta com a chamada do movimento era por si só uma manifestação por meio da moda.
"Podemos citar ainda o caso de Zuzu Angel, que apresentou o primeiro desfile da moda de cunho politico nos anos 60", acrescenta o professor.
Já no continente europeu, podemos nos lembrar da designer de moda Katharine Hamnett, que, historicamente falando, é uma das pioneiras a usar as mensagens estampadas em roupas como manifestação.
Em uma audiência, em 1984, com a ex-primeira-ministra do Reino Unido Margaret Thatcher, Hamnett apareceu com uma t-shirt com a frase: "58% don't want pershing", em português: "58% não quer Pershing", em referência a uma pesquisa sobre base com mísseis Pershing no Reino Unido.
A mensagem é clara no mundo todo: moda e política sempre andaram de mãos dadas.
O professor João Braga conclui a reflexão questionando o sinônimo ideal para a moda:
"A palavra que eu encontrei após algum tempo pensando foi: zeitgeist", opina ele. "Uma palavra da filosofia alemã, que significa 'o 'espírito de uma época'. A moda, assim como a arte, tem o compromisso de estar atenta ao ar dos tempos — e o ar do nosso tempo é esse: político".
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