Roma volta a respirar (de máscara) com a volta gradual de turistas
Já era final de tarde de um domingo de sol, e a Fontana di Trevi, um dos pontos turísticos mais apinhados de Roma, estava surpreendentemente tranquila.
Um casal trocava carícias vagarosas sentado frente a frente no parapeito da estrutura que protege a mais famosa fonte barroca da Itália alheio à beleza do curso contínuo de água que verte da fachada do Palazzo Poli.
Os poucos (se comparados aos padrões normais) turistas se aproximavam, faziam selfies, ensaiavam poses sem precisar se acotovelar para conseguir um lugar frente ao imponente monumento — algo impensável há alguns meses.
A Itália foi um dos países da Europa mais afetados pela pandemia da covid-19, que levou milhares de italianos à morte e praticamente enterrou o seu fluxo de visitantes perante à propagação das notícias negativas que dominaram os jornais. Impossível esquecer as imagens dos caminhões do Exército italiano carregando centenas de caixões.
Nesta semana, o país vive um clima de espera sobre as novas medidas anunciadas no domingo (18) diante da segunda onda da doença. Entre elas, está a do encerramento das atividades dos restaurantes e bares até meia-noite e a possibilidade de fechar ruas e praças às 21h, caso o aumento do contágio se apresente elevado e acelerado.
A "eterna" vazia
Ainda que o principal foco da propagação da doença no país tenha sido a região da Lombardia, ao Norte, foi em Roma, a capital turística italiana, que a má reputação deixou sua pior nódoa no cenário do turismo.
De acordo com a Enit, a Agência Nacional Italiana para o Turismo, Roma deve registrar uma queda de 44% no turismo este ano. Mesmo depois de a Itália reabrir as suas fronteiras com os países do espaço Schengen em 3 de junho, a recuperação segue lenta: a própria Enit estima o que número de turistas deve retornar ao índice de 2019 somente em 2023.
Para os turistas que mesmo assim insistem na cidade, Roma nunca esteve tão vazia; e, ironicamente, tão propícia para o turismo.
Pontos famosos com filas que levam mais de um par de horas, como o Coliseu ou a Basílica de São Pedro, podem ser adentrados em questão de minutos — as pequenas aglomerações à porta acontecem quando as capacidades, agora reduzidas a cerca de 40%, atingem o total. Aí, a única maneira é mesmo esperar.
Romanos mascarados
Roma também nunca pareceu tão segura — e nem pelo fato do Exército ou dos famosos carabinieri estarem prostrados a cada esquina da cidade. Em tempos pandêmicos, a nova ideia de segurança passa mais pelos rostos alheios, devidamente cobertos.
O uso quase obsessivo das máscaras é um comportamento que os italianos herdaram com o trauma da pandemia. Nas ruas, nos pontos turísticos, nas lojas: os descobertos são encarnados com um olhar desafiador (e nunca os olhos disseram tanto).
"Sabemos que os italianos são um pouco teimosos, mas neste caso provamos ser um povo atento às regras. Todas as pessoas passaram a usar a máscara e, se alguém vir uma pessoa sem, há um grande risco de briga", ri Eva Di Principe, recepcionista do Hotel Grifo, no Centro Histórico.
Há cinco anos trabalhando ali, ela diz nunca ter visto a cidade tão pacata. "Agora está certamente melhor do que nos meses anteriores. Mas o turismo que temos é principalmente local. As pessoas estão com medo de chegar de avião", palpita.
O principal aeroporto de Roma, Fiumicino, foi eleito pela Skytrax com a pontuação máxima pelas medidas e protocolos de segurança adotados durante a pandemia do novo coronavírus. A organização internacional, que faz avaliação de companhias aéreas e aeroportos, reconheceu o aeroporto como o mais seguro da Europa nesse quesito.
Falta à Roma as cores e culturas que se misturam com a história da nossa cidade. Esperamos que [os turistas] voltem a invadir as nossas ruas porque ver os monumentos vazios nos entristece muito", desabafa Eva.
Nos espaços essencialmente turísticos, eles já começam a mostrar presença. Na trattoria Armando al Pantheon, a poucos metros do famoso templo romano convertido em igreja católica, o italiano parece ser a língua estrangeira numa noite de terça-feira.
Cinco das sete mesas ocupadas se comunicam em inglês, e são atendidas pelos dois atenciosos garçons em bom idioma anglo-saxão. Nos pontos turísticos, espanhóis, alemães e portugueses aproveitam o sossego da cidade para caminhar pelas construções seculares, verter xícaras do famoso expresso local e se esbaldar em pratos substanciosos de spaghetti alla carbonara.
Muitos restaurantes, aliás, estão apinhados, com mesas nas calçadas e pequenos grupos reunidos. Não foi preciso esperar para sentar em nenhum, mas também não havia lugares sobrando.
Na Via del Boschetto, também no Centro, bares de vinhos estão repletos, enquanto algumas trattorias trabalham para atender uma ou duas mesas. Em Trastevere, tornado um dos bairros preferidos dos turistas, a ausência de estrangeiros fica ainda mais notável: sorveterias sem filas, algumas ruas com o passeio público sem qualquer concorrência.
No Palatino, um oriental em calça cáqui e colete de pelúcia bege empunha um pequeno tripé moderno na mão esquerda enquanto narra o que mostra pela câmera em coreano, do alto de um miradouro onde é possível ver as ruínas antigas da cidade.
Turismo virtual
Jaesun Ryu é guia turístico em Roma, onde vive há 15 anos, recepcionando os conterrâneos que vem à capital italiana se assoberbar de história. Desde o início da pandemia, adaptou seu trabalho ao modo digital, por assim dizer.
Percorre os monumentos com seu celular em mãos a apresentar a cidade que escolheu para os que não podem — ou não querem, por hora — ver tudo presencialmente. Passou a vender o programa assim que a quarentena acabou e tem tido boa demanda, garante.
Uma hora depois de conversar com Ryu, encontrei-o novamente ainda a percorrer o Foro Romano, explicando efusivamente (pelo que entendi) os detalhes arquitetônicos das colunas no Templo de Antonino e Faustina.
Ele passa por mim e acena com a cabeça enquanto continua narrando o que a tela do celular mostra. Parece feliz em poder voltar a desempenhar seu papel de guia, mesmo que agora sem a habitual horda a segui-lo. São novos tempos até mesmo na cidade que por séculos conseguiu se manter impávida a eles.
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