Como a camisa polo foi de peça esportiva a uniforme de grupo supremacista
Fundada pelo tenista Fred Perry nos anos 50, recentemente, a marca de mesmo nome comunicou aos seus clientes que deixaria de vender suas tradicionais camisas polo. O motivo, porém, é bastante contemporâneo e extrapola os limites de uma simples peça de roupa.
As camisas - com o icônico logo com folhas de louro douradas - tornaram-se uma espécie de uniforme para um dos muitos movimentos neofascistas de extrema-direita que ressurgiram nos últimos anos: os "Proud Boys".
A organização afiliada com supremacistas brancos admite apenas homens como membros e promove explicitamente e ativamente a violência política — tudo o que Fred Perry disse ser contra no comunicado feito em suas redes sociais.
Origem no esporte - e na colônia
O curioso do caso é quando se rememora a origem da camisa polo na moda mundial, como uniforme de diferentes grupos ao longo dos tempos.
O principal deles foi o dos esportistas, para quem elas foram criadas. O nome, não à toa, é uma referência ao esporte polo, em que os jogadores cavalgam com o objetivo de marcar gol contra o time adversário.
"A camisa polo depois viaja por outra modalidades e, por fim, se consolida como uma roupa de sportwear no street style do mundo todo", conta Maíra Zimmermann, historiadora e professora de moda da FAAP, em entrevista a Nossa.
A professora relembra, ainda, que a camisa nasceu durante a colonização britânica na Índia, no final do século 19., como uma opção para o clima local. As mangas compridas e golas protegiam o corpo e o pescoço do sol e o tecido feito com algodão mais fresco era conveniente ao exercício.
"Como era um esporte de velocidade, a gola ficava levantando durante a partida", conta Maíra, creditando John E. Brooks pela posterior customização. "Então foram introduzidas as button down polo shirts, uma das primeiras adaptações da peça".
O longo nome em inglês nada mais é do que aquele botão embaixo da gola que a prende ao restante da camiseta e as fixa no corpo.
Do pólo ao tênis e às ruas
Anos depois, o jogador de tênis René Lacoste levou o hoje tradicional logo de crocodilo para as quadras.
"Foi ele quem criou a manga curta para esse modelo", ressalta a professora. "Foi usado ainda o piquet, um tecido mais respirável para os atletas".
Nos anos 50, as camisas chegaram nos Estados Unidos pelas mãos ainda de René, o que viria a ser uma transformação para o seu uso no cotidiano, não só no continente norte-americano, como também na Europa, onde Fred Perry, citado no começo desta matéria, também popularizava a peça.
Nos EUA, existe uma forma mais informal de elegância, diferente da francesa e da britânica"
"Lá, o sportwear, não necessariamente é uma a roupa esportiva, é uma roupa de lazer. Então, os homens começaram a usar a polo em vez do terno e gravata para momentos mais 'sociais' entre familiares e amigos, como um churrasco ou piquenique".
A associação entre o terno e a gravata com as camisas polo, logo no começo já se tornava visível. No entanto, o estereótipo elitista por trás da peça passa a ser desconstruído por movimentos jovens no mundo todo pouco tempo depois.
Elite x uniforme disruptivo
Nos Estados Unidos, esse modelo de camisa ganhava ainda mais força como uniforme nas mãos de quem tinha poder, fosse ele econômico ou social, como com os alunos da Ivy League, as oito universidades privadas nos Estados Unidos consideradas as mais fortes, com Harvard e Yale.
Enquanto lá eram enraizados seus valores de "coxinha", termo utilizado em tempos atuais para definir os engravatados, na Europa foi símbolo de subcultura com o Mod.
O Mod, abreviação de Modernismo, é um movimento que teve origem em Londres no final da década de 1950 e alcançou seu auge nos primeiros anos da década de 1960. Seu objetivo era reivindicar um espaço social para a juventude a partir da cultura.
"Depois de um tempo esse movimento se divide em várias outras subculturas", explica Maíra. "Os skinheads são uma delas, que também adotaram a camisa polo como um uniforme".
O visual dos skinheads era configurado por: camisas Fred Perry e Ben Sherman, calças Sta-Prest e jeans Levi's — misturando-os com acessórios da classe operária, como suspensórios e botas Dr. Martens.
Quando todo mundo vestiu a camisa
Nos anos 70, a popularização do traje explode. É Ralph Lauren uma das principais peças para essa disseminação. O uniforme, que antes pertencia a determinados movimentos e seus respectivos grupos, agora passa a ser a roupa curinga.
"A ideia, de certa forma, desses estilistas norte-americanos é criar essa casualidade chique", comenta a professora. "Ou seja, o esporte elitista do britânico voltado ao cotidiano do lifestyle dos EUA".
Dai para frente essas caixinhas se rompem por completo. Nos anos 80 e 90, o hip-hop adere ao seu uso e, em um episódio específico, gera até polêmica após o cantor Snoop Dogg usar uma Tommy HIlfiger e desafia o padrão de modelos brancos cravado pela marca.
Viagem por estilos e classes
"A polo é um exemplo interessante para questionarmos alta e baixa cultura. Na minha perspectiva, tudo se rompe na moda na pós-modernidade. Começamos a ter símbolos de elegância e distinção que se perdem, ou melhor, se transformam", acrescenta Maíra.
Hoje, a camisa se encaixa no básico do guarda-roupa, junto à camiseta branca e preta e o jeans. Embora grupos como o "Proud Boys" façam dela, mais uma vez, um uniforme, a roupa com botões e colarinhos é uma apropriação do que Ralph Lauren buscava nos anos 70, a tal "casualidade chique".
O dono do bar, a empresária, o jovem moderno e a senhora que vai todos os domingos à feira. Todos eles a têm também como uniforme, que faz o híbrido entre o formal e o informal.
"As marcas, ainda bem, não conseguem administrar o alcance que elas têm, apesar de criarem um público-alvo", conclui a professora. "Por mais que elas tenham um objetivo, não é possível controlar quem vai usar. É o que eu acredito ser o ponto mais disruptivo da moda".
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