E se as roupas que a gente vestisse virassem um filme?
O São Paulo Fashion Week marcou a sua estreia em 2020 ontem. O evento, totalmente digital com direito até a projeções pela capital paulistana, desde o centro até a periferia, incentivou que os estilistas e designers por trás das marcas usassem sua criatividade: como mostrar uma nova coleção sem a tradicional passarela?
A liberdade foi dada. E a solução encontrada por muitos deles, como pudemos ver no primeiro dia, foi simples: transformar o que vestimos em filmes. Ou melhor, os fashion films, ou "filmes de moda", em português.
Quem inaugurou o evento foi Fernanda Yamamoto com a coleção inspirada por palíndromo: palavras que podem ser lidas da mesma forma, tanto da forma tradicional como de trás para frente.
Sua participação foi uma surpresa, de início, para alguns dos telespectadores que assistiam à transmissão no YouTube oficial do SPFW. No chat, disponível na lateral da tela, eles questionavam: "onde está o desfile?".
Nesse caso, a moda não tratou-se exclusivamente da exibição de roupas, mas de um manifesto artístico audiovisual. Nas palavras de Yamamoto:
"A moda também tem esse papel de dizer que sozinhos a gente não faz nada", disse ela durante a transmissão ao citar a junção de vozes e palavras no vídeo apresentado.
A gente usa a roupa como um suporte para abrir diálogo sobre outras questões"
Fernanda Yamamoto
O sol como crochê
Victor Hugo Mattos veio logo na sequência. O conceito explorado por ele não foi tão diferente, embora como tenha contado após a transmissão da sua marca, não soubesse exatamente como nomear o vídeo apresentado.
Cálida, como foi intitulado o projeto que traz a voz da cantora Letrux como narradora, é uma ode ao Sol, o "grande astro solene do Universo". A palavra que dá título ao filme e à coleção, sugere um certo entusiasmo e coragem para atravessar os ciclos, e tem como intuito reconhecer "o poder regenerador e curativo que o Sol e seus efeitos podem proporcionar".
"A produção nasceu de investigações pessoais", contou Victor Hugo, que fez parceria com o diretor Paulo Mendel, e deu luz a ideia durante o isolamento pandêmico na Bahia.
O filme traz um recorte sublime de uma volta completa do Sol. Desde o seu nascimento no Universo e o alvorecer diário; passa pelo esplendor do meio dia, seu ápice; a hora em que a Natureza muda de guarda, o entardecer; a chegada da noite, com suas sombras e incertezas, e então a possibilidade de um novo amanhã, quando o astro emerge novamente no horizonte.
Essa mesma dinâmica cíclica também esteve presente no trabalho de Victor, que se baseia crochê, bordado e upclying para as peças da marca: "São peças garimpadas e produzidas do zero, sendo algumas delas feitas pela minha mãe".
Contar toda essa história provavelmente poderia ser feito na passarela, como já é feito há muito tempo, mas no vídeo foi ainda mais fluida:
O espetáculo íntimo
A abordagem não foi diferente com Isabela Capeto, que, em vez de transmitir uma gravação com modelos desfilando optou por um vídeo feito na sua própria casa no Rio de Janeiro, experimentou o novo.
"Pra mim é tudo muito novo. Eu aprendi a viver de outra maneira dentro da minha própria casa", refletiu a estilista.
Por fim, o encerramento do primeiro dia sob a perspectiva de Lenny Niemeyer, que debateu a mistura entre o analógico e o digital ao exibir sua coleção Verão 2021.
"Eu enxergo como um novo aprendizado. É um processo muito diferente do presencial, o qual eu ainda não estava completamente habituada", acrescentou Lenny.
O "tradicional" não foi abandonado
Embora as marcas já citadas tenham optado pelos fashion films, a ÁLG, de Fábio Souza e Alexandre Herchcovitch, investiu no tradicional, mas não tão tradicional, com um desfile de modelos como já estamos habituados a assstir.
A marca, como contou Herchcovitch que fez uma nova estreia na SPFW, apresentou a mistura entre o fashion e o street ao trazer peças de alfaiataria, jaquetas corta-vento e até mesmo um protetor de queixo.
"É uma marca de modelagem simples, o intuito é simplificar tudo. É fácil de entender", disse o estilista, que posteriormente explicou a invenção que chamou a atenção no rosto dos modelos. "A gente trabalha muito observando todos os movimentos de rua e os esportes que nasceram nela, e a maioria deles tem algo de proteção. Então foi isso, não tem uma explicação muito filosófica (risos)".
Futuro da moda?
Esse novo formato, imerso agora no que se vê, ouve e absorve, abraça o discurso enraizado no manifesto que o SPFW traz para os seus 25 anos comemorativos:
"Transformar ideias em ações, inovar na criatividade e desafiar, ousar e experimentar o senso comum".
O fato é que é normal que o "novo" cause estranhamento — teoria reconhecida por Paulo Borges com clareza:
"Eu percebo as pessoas perguntando: 'O que é isso? Para que isso'. Como uma descoberta", disse ele durante a conversa com Rita Comparato. "Eu me lembrei de 96, na primeira edição do SPFW, quando as pessoas faziam essa mesma pergunta. Faz parte da emoção de se conectar com os novos tempos e as novas tecnologias. Assim cria-se experiência afetiva e colaborativa da moda".
SPFW: 25 anos em Nossa
Confira a cobertura completa de Nossa no São Paulo Fashion Week 25 nos neste link e por meio do nosso Instagram (@nossa_uol):
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