Casaco de pele que foi da minha mãe tem história misteriosa
Juliana Sakae
Minha mãe tinha um casaco de pele sintética. Ele era branco, peludo, enorme e enchia o guarda-roupa pequeno da casa da minha avó em Florianópolis, onde moramos durante minha adolescência.
Na época, achei isso o fim. Primeiro porque, por um segundo, pensei que era pele de verdade. Depois, porque não conseguia imaginar onde ela usaria a peça. Nem no pior frio de Floripa seria adequado para usar um casaco daquele. Mas ela estava feliz com a aquisição (e como!).
Assim era minha mãe: comprava itens polêmicos quando dava na telha. Quantas vezes ela "dava uma passadinha" em lojas de departamento "só para comprar um casaquinho", pois, do alto dos seus 50 anos, não tinha aprendido que em Floripa o dia podia começar quente e terminar com um vento sul gelado.
Durante minha infância, ela tinha o hábito de comprar roupas e sapatos dois números maiores para que pudéssemos usar por mais tempo. Foi há pouco tempo que descobri, aos 33 anos de idade, que o tamanho do meu pé é 35, e não 37. Chocada, liguei para minha irmã, que calça o mesmo número que eu: "Você já resolveu experimentar um sapato 35? Pois tente, fica perfeito!".
Apesar desse cuidado com a durabilidade, ela sempre foi desapegada com roupas. O conforto vinha em primeiro lugar, embora estivesse sempre bem arrumada e odiasse calça jeans. Mas o casaco de pele sintética é um mistério.
Não sabemos onde foi comprado, o motivo, ou se algum dia Floripa permitiu seu uso. É uma daquelas coisas que nunca saberei.
Minha mãe morreu em 2013 depois de anos lutando contra a leucemia. Entre hospitais, transplantes, quimioterapia, tive a oportunidade de conversar com ela sobre tudo: a vida, o passado, nossos sonhos. Planejamos nossos aniversários de 60 e 30 anos respectivamente, festa que nunca aconteceu.
Ela nos deixou aos 57 e levou com ela todas as respostas de perguntas que eu ainda não estava pronta para fazer. E parece besteira, mas eu realmente queria saber da história do casaco de pele. Queria mais um dia com ela para fazer perguntas profundas, mas também perguntas bobas.
Minha irmã, como boa canceriana, guardou o casaco e o transformou em duas peças: um colete para a gente e um para minha sobrinha Letícia, que nasceu em 2015. Em outubro deste ano, nasceu nossa outra sobrinha, Maria Clara, que também já usou o colete em um ensaio de fotos. Futuramente, ele passará para as nossas filhas.
Continuamos sem saber muita coisa sobre o casaco, mas ele simboliza quem minha mãe era.
O mistério que o envolve, a sua exorbitância e beleza, o exagero? Cada qual representa a personalidade dela.
Talvez por isso, cada vez que alguém fala do tal do casaco de pele, um sorriso naturalmente se abre. Uma peça de roupa misteriosa que, sem querer, aquece nossas almas.
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