Família brasileira conhece os EUA "fora dos guias turísticos" em ônibus
A família Reis enxerga uma paisagem nova quase todas as manhãs. Na semana passada, viram o mar do oceano Pacífico com a icônica ponte vermelha, a Golden Gate Bridge, em São Francisco. Hoje, cruzaram o deserto de rochas amarelas no estado da Califórnia. Nos próximos dias, irão para Louisiana conhecer Nova Orleans, a cidade do jazz e da cultura de rua.
Desde 2018, o casal Greice e Ismael Reis, de 34 e 35 anos, respectivamente, viajam pelos Estados Unidos em um ônibus escolar amarelo com os filhos Kal-El, 12 anos, Maria Flor, 7 anos, Lua, 4 anos e o gato Lex, 2 anos.
"A gente conhece um país que está fora dos guias turísticos. Os Estados Unidos possuem diversas culturas e imigrantes. É uma grande festa das nações", revela Greice.
A família cruzou o país de Leste a Oeste. Eles já visitaram 32 estados - sendo que os Estados Unidos contam com 48 em terras contínuas.
Essa coisa de se jogar no mundo para saber o que vai dar sempre nos acompanha."
Em busca do sonho americano
O casal chegou no país em 2016 com os dois filhos mais velhos em busca do sonho americano. Eles viveram por 1 ano e meio em Delaware, uma cidade a 240 quilômetros de Nova York. Ismael trabalhava como gerente de um restaurante e também cuidava das redes sociais da empresa.
Uma realidade muito diferente da qual viviam no Brasil. "Nós viemos de um bairro bem pobre em Porto Alegre chamado Restinga. A gente só se locomovia de transporte público", conta Greice. Nos Estados Unidos, conquistaram o que não tinham - como um apartamento amplo com ar-condicionado e um carro.
Mas não estavam felizes. "A gente trocou a nossa liberdade e a nossa vida por bens materiais. Não era o que a gente queria", lamenta. Foi então que tiveram a ideia de viajar em um ônibus escolar, o que é um estilo de vida nos EUA. Os veículos transformados em uma casa de quatro rodas têm até um nome próprio: "skoolies".
O fenômeno cultural impulsionado pelo desejo de conhecer o país e se reconectar com os membros da família também é bom para o bolso: os gastos dos Reis diminuíram 90% desde que começaram a aventura.
Em 2017, a família comprou um ônibus por US$ 2.300 e, com ajuda de vídeos da internet, reformaram o seu interior até transformá-lo, de fato, em lar. Encontraram peças como tomadas, dobradiças, parafusos, maçanetas e até mesmo tecidos para as cortinas no lixo reciclável. Assim que a reforma terminou, em junho de 2018, a família se mudou para a casa móvel.
Bem-vindo aos Kansas!
Mesmo com o ônibus reformado, o motor do veículo falhava em todos os estados. Quando isso ocorria, a família aproveitava para conhecer as pessoas das cidades. Um dos encontros mais emocionantes aconteceu no Kansas, conhecido pelas colinas verdes e a atmosfera bucólica vista no filme clássico "O Mágico de Oz".
O plano da família era seguir viagem até outro estado. "Todo mundo dizia para gente passar reto pelo Kansas. Em geral, as pessoas desse estado são mais tradicionais e conservadoras", conta Greice.
Mas, de repente, o ônibus parou no meio do deserto. "Uma mangueira de óleo estourou. Não sabíamos o que fazer. Tínhamos comida, combustível, mas nem um dólar no bolso para pagar um guincho."
A família decidiu colocar uma mochila nas costas e entrar em uma cidade chamada Cedar Point. "É quase uma cidade fantasma. Fomos adentrando e, de repente, encontramos um vilarejo com 27 habitantes."
A pequena comunidade logo se reuniu para ajudar os forasteiros. O xerife e o pastor chamaram um fazendeiro que acolheu os brasileiros em suas terras. "Ganhamos de presente três mangueiras e ele ainda encheu o nosso tanque."
A atitude impressionou a família. Na hora da despedida, o fazendeiro disse: "Bem-vindo ao Kansas!".
Encontro com fotógrafo premiado
Uma das paradas mais longas aconteceu em Venice Beach, Los Angeles, onde, entre janeiro e julho de 2018, consertavam o motor do ônibus. Lá, conheceram o premiado fotógrafo francês, Dotan Saguy, que documentou a rotina da família durante a estadia.
A coletânea de imagens se transformou em um livro sobre a família chamado "Nowhere to Go But Everywhere" ("Nenhum lugar para ir, além de todos os lugares", em tradução livre). "Vivemos experiências incríveis em Venice Beach. Ainda vimos a nossa foto em uma galeria em Los Angeles. Foi muito especial", revela Greice.
"Impossível não chorar"
Em dezembro do ano passado, a família viajou até o Grand Canyon, no Arizona. Assim que estacionaram o ônibus, a família se impressionou quando viu a imensidão de rochas vermelhas.
Eu olhei para aquela coisa infinita e não conseguia falar. É impossível não chorar. Só sentia gratidão por estar ali.", diz Gracie.
Não à toa, o desfiladeiro íngreme é considerado uma das sete maravilhas do mundo e Patrimônio da Humanidade pela UNESCO. Quase 6 milhões de pessoas visitam o local anualmente.
Durante o passeio, os brasileiros conheceram um índio da tribo Navajo, que tinha um antiquário no deserto e fez uma oca para mostrar a história e o artesanato da sua tribo. "Converse com as pessoas. Elas são as histórias do lugar", defende Greice.
Uma forma diferente de viver
A aventura com o primeiro ônibus chegou ao fim em um estacionamento de um supermercado na Flórida. O transporte simplesmente parou em fevereiro deste ano e, como não dava mais para viajar, foi vendido. A família voltou, então, para Delaware e depois se mudaram para o estado de Utah, onde Ismael trabalhou reformando ônibus escolares e os transformando em "skoolies".
Quando economizaram dinheiro suficiente, compraram outro ônibus em agosto e se jogaram na estrada três dias depois. "Compramos um fogão de acampamento, gás, uma rede para as crianças brincarem e fomos", conta Greice.
Hoje, a família se sustenta vendendo joias de cobre feitas à mão por Ismael e roupas vintage garimpadas por Greice.
"As pessoas têm aversão ao diferente. Mas não existe uma fórmula única para viver", explica Greice. E emenda:
Estar na estrada nos torna mais empáticos com outras culturas".
Esses valores são transmitidos para as crianças no dia a dia. "Eu gosto de uma frase que diz: 'O que eu aprendo é o que eu vejo'", conta Greice. "É simbólico que a criança aprenda o que ela vislumbra no mundo."
Para Ismael o sentimento é de mais união: "Agora eu estou próximo dos meus filhos e eles me conhecem, sabem quem eu sou. É recompensador."
A próxima parada da família provavelmente será o Brasil. "Eu sonho em viajar o meu país, ver o meu povo e falar com a minha gente", conta Greice. "A América Latina é incrível. A nossa ideia é atravessar a fronteira do México e voltar para o Brasil."
Mas, por enquanto, esses são planos de um futuro incerto. "Quando tu te jogas para o inesperado não tem um caminho certo. O chão aparece conforme tu pisas."
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