Arte afetiva leva patrimônios arquitetônicos e fé para a sala de casa
A mudança de rumo na carreira de Patrícia Maranhão surgiu da insatisfação. Depois de quase duas décadas dedicadas ao design de calçados e acessórios, essa artista de Belo Horizonte, radicada no Rio Grande do Sul, trocou a monotonia da produção em série pela exclusividade de peças coloridas em homenagem à arquitetura e cultura nacionais.
"O mundo da moda é muito dinâmico e ditado por normas, cores e formatos. Seguir tendência sempre me incomodou muito", descreve em entrevista para Nossa.
Patrícia Maranhão deixou de lado parafusos e saltos de madeira para mergulhar no mundo detalhista das miniaturas de ícones nacionais como a Oca do Ibirapuera, a Igreja da Pampulha e a Basílica de Nosso Senhor do Bonfim, em Salvador.
"Essa virada foi a coisa mais difícil na minha vida porque as pessoas não podiam imaginar a possibilidade de uma fábrica de tamanco não fazer tamanco", confessa.
Sua arte feita com madeira de pinus e acrílico reciclado foi ganhando não só as feiras Brasil afora mas também a televisão, como adereço de cena em novelas, programas como "É de Casa" e até na série adolescente "Malhação".
A primeira inspiração foi um souvenir comprado em uma viagem à Europa, enquanto a entrada agressiva da China no setor calçadista brasileiro dava novos rumos (nada satisfatórios) ao trabalho de Patrícia, em meados de 2006.
A situação foi se complicando e aquele bonequinho em cima da minha mesa. Um dia olhei para ele e falei assim 'uai, ele vai ter que ser uma saída para o negócio'", relembra a artista, elevando o tom do seu inconfundível sotaque mineiro.
Em parceria com o irmão arquiteto Sérgio Maranhão, Patrícia e sua equipe de 20 colaboradores fazem por mês, em Nova Hamburgo (RS), cerca de 2,5 mil peças a partir de 600 modelos divididos em temas como "Personagens", "Arquitetura e Paisagens" e "Crenças e Religiões".
O portfólio da dupla vai de Padre Cícero à diva Rita Hayworth, de Nossa Senhora Aparecida ao grafiteiro nova-iorquino Jean-Michel Basquiat.
Já as miniaturas da série "Patrimônio Arquitetônico", só para citar alguns exemplos, são um passeio pelo casario de Paraty, MASP, Catedral de Brasília, igrejinha de Trancoso e a recente coleção inspirada nos traços da escola vanguardista alemã Bauhaus.
"A indústria do turismo no Brasil é muito forte, mas infelizmente fomos percebendo que falta interesse do brasileiro pela cultura. Tem gente que mora no Rio e não conhece o MAC de Niterói [uma das réplicas assinadas por Sérgio Maranhão]", avalia Patrícia.
"Estou doida para fazer o Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro. É difícil de reproduzir e estou tentando achar uma tradução, mas eu não desisto", diz.
Aliás, insistência e paixão marcam a carreira dessa artista que já passou por cursos de Administração, Pedagogia e Design na Feevale, universidade da gaúcha Novo Hamburgo.
A peça 'Ver-o-Peso Mercado de Belém' é o resgate da lembrança de infância, quando Patrícia percorria os corredores abarrotados desse centro comercial da capital do Pará, acompanhada pelo pai paraense.
O meu negócio é a emoção", explica.
Arte sustentável
No início da nova empreitada, não faltaram elogios. Muito menos críticas.
"Me criticavam por usar pinus, que não é uma madeira nobre e não tem a mesma durabilidade de um jacarandá. Mas eu não teria coragem de derrubar um jacarandá para fazer uma Nossa Senhora. Acho muito incoerente", explica.
A matéria-prima certificada, comprada em produtores do Rio Grande do Sul e da Amazônia, passa por um tratamento de sete meses, em forno a vapor e depois em temperatura ambiente para acomodar as fibras dessa madeira jovem.
Mas para ser sustentável e artesanal, a artista precisou se adaptar.
"Nosso acrílico poderia ter mais brilho, mas não tem porque grande parte dele também é reciclado. Para ter a pureza de uma resina, eu teria que abrir mão da sustentabilidade".
Para a selagem final, é usada cera de abelha comprada de produtores artesanais do Rio Grande do Sul, já que o verniz químico agride a madeira e tira sua naturalidade. "Dá um toque aveludado e um cheiro muito interessante para a peça", descreve.
Da experiência com calçados, Patrícia tomou emprestada a lógica produtiva.
"A indústria calçadista me deu o conhecimento técnico da madeira e dos processos de colagem e acabamento", analisa essa artista que, nos anos 80, fez fama com criações ousadas como a sandália de rolotê de plástico e a customização de tênis All Star com estampas e bordados.
Vai na fé
Em tempos de pandemia, a fé não costuma falhar. Patrícia se diverte com o aumento na procura por imagens e palavras religiosas como Fé, que durante a pandemia tem representado 50% de suas vendas.
"Estou vendendo fé adoidado, estou quase montando uma igreja", ironiza a artista que, inspirada pela demanda espiritual do brasileiro, criou recentemente uma peça da Nossa Senhora Desatadora dos Nós.
Outro destaque são as peças bem-humoradas em que os irmãos Maranhão fazem releituras que reúnem Marilyn Monroe e 'O Grito' de Edvard Munch, cujo clássico vestido esvoaçante da atriz inspirou o nome da obra, "O Vento".
A coleção artesanal da dupla, que recentemente homenageou os profissionais da saúde em peças de madeira, não só renova nossa fé e humor como também ajuda a matar saudades dos tempos em que viagens pelo mundo eram o "velho normal".
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