Transnístria? Somalilândia? Brasileiro explora países que não existem
O brasileiro Guilherme Canever (@saiporai), 43 anos, é daqueles viajantes que gostam de explorar lugares remotos e desconhecidos: ele já desbravou o interior da África, os confins da península Arábica e os mais recônditos cantos da Europa. E, em suas jornadas, se especializou em visitar "países que não existem".
O termo se refere a territórios do globo que possuem autonomia, se consideram nações, mas não são reconhecidos como Estados independentes por toda ou grande parte da comunidade internacional.
Entre eles estão a Somalilândia, a Transnístria, a Abecásia e a República de Artsakh, que, neste ano, ganhou as manchetes do mundo por ser palco de conflitos armados.
Gosto de vivenciar o dia a dia destes lugares e entender suas ambições para se tornarem países reconhecidos", conta o brasileiro.
Além disso, tais destinos são marcados por conflitos étnicos, disputas territoriais e peculiaridades que deram a Guilherme experiências insólitas de viagem.
Escolta armada - e chapada
Ao realizar uma viagem pelo continente africano, Guilherme resolveu visitar a Somalilândia, região que declarou, de maneira unilateral, sua independência da Somália em 1991 - e que, apesar de hoje possuir governo e moeda próprios, não é reconhecida como Estado independente pela comunidade internacional.
Segundo ele, o governo local parece se esforçar para passar a imagem de uma Somalilândia segura (como contraponto à Somália, hoje um dos lugares mais perigosos do planeta). E o brasileiro afirma que, durante a viagem, não se sentiu ameaçado em nenhum momento. Pelo contrário: desbravou a capital, Hargeisa, e interagiu amistosamente com os nativos.
"Lá, há lugares muito interessantes para conhecer, como um mercado de ouro e um mercado de camelos. E é muito fácil sentar em uma casa de chá para conversar com os locais, que são muito simpáticos".
Guilherme, entretanto, foi obrigado a contratar uma escolta armada quando quis visitar as pinturas rupestres de Laas Geel, que ficam fora da capital.
Ele teve que ir a um prédio do governo e pagar US$ 10 para que dois homens o acompanhassem, com rifles a tira colo, ao sítio arqueológico.
O engraçado é que eles pareciam estar consumindo 'khat' há horas. Então, não sei se eles estariam em condição de nos proteger em alguma situação de perigo".
"Khat" é uma planta muito consumida no Chifre da África (região na qual se encontra a Somalilândia) e que, ao ser mastigada e armazenada na boca, deixa a pessoa doidona, podendo causar efeitos de euforia no usuário.
Cidade fantasma
Nagorno-Karabakh é uma região que está dentro do Azerbaijão, mas cuja população é majoritariamente de etnia armênia. Lá foi estabelecida a República de Artsakh, que representa esta comunidade, declarou sua separação do Azerbaijão, mas não é reconhecida como Estado independente pela comunidade internacional.
Neste ano, o local ganhou as manchetes do mundo inteiro por ser palco de um conflito armado envolvendo, de um lado, forças armadas do Azerbaijão e, do outro, militares da República de Artsakh e da Armênia.
Em 2014, Guilherme visitou a área e seus arredores e pôde ver de perto a tensão que existe na região, que já foi cenário para outros conflitos armados, opondo armênios ao Azerbaijão.
"É uma região montanhosa cheia de mosteiros e muito bonita, mas, no meio do caminho, você passa por estradas com tanques de guerras abandonados e memoriais de guerra. É um contraste muito forte", relembra.
E um dos lugares que mais o marcaram foi Agdam, uma cidade fantasma que foi abandonada durante a chamada Primeira Guerra do Nagorno-Karabakh, nos anos 1990.
"É uma cidade que foi completamente destruída e, até hoje, está toda em ruínas. O clima lá é bem pesado".
Cápsula soviética
E, entre os "países que não existem" mais interessantes que Guilherme já visitou está, sem dúvida, a Transnístria.
Trata-se de um território que, para a comunidade internacional, faz parte da Moldávia, mas que se considera independente, tendo seu próprio governo, parlamento, moeda e polícia.
O que mais chamou a atenção do brasileiro, porém, é que a Transnístria tem uma atmosfera que remete (e muito) à União Soviética, da qual seu território fez parte.
Sua bandeira, por exemplo, exibe a foice e o martelo sob um fundo vermelho. "Lá, existe um certo culto ao passado e um saudosismo soviético, com estátuas de Lênin pelas ruas", conta Guilherme.
Na região, o brasileiro visitou pontos turísticos que exibem relíquias como tanques de guerra soviéticos e resolveu testar uma das instituições locais.
Fui até o correio e mandei um cartão-postal para o Brasil. E não é que a correspondência chegou certinho, com selo da Transnístria e tudo?".
Arma na cara
Apesar de possuir certa autonomia, a Cisjordânia (nos chamados Territórios Palestinos) tem suas fronteiras controladas por Israel.
E Guilherme sentiu de perto as tensões dos conflitos do Oriente Médio ao realizar uma viagem pela região junto com sua esposa.
Para ingressar na Cisjordânia vindo de Jerusalém, o casal teve que atravessar um estreito corredor feito com grades e arame farpado que lembra uma verdadeira prisão - e que se encontra cercado por câmeras de monitoramento e soldados israelenses armados até os dentes.
Um dos objetivos da estrutura é estabelecer um controle mais rígido no tráfego de pessoas entre a Cisjordânia e Israel - e impedir eventuais ataques palestinos ao território israelense.
E, quando eles se dirigiam a Jerusalém desde a Cisjordânia, a situação foi ainda mais assustadora: no posto de fronteira, um soldado israelense pediu o passaporte da esposa de Guilherme. "Ela demorou para encontrar os documentos na bolsa e, impaciente, o militar apontou uma metralhadora para ela", lembra o brasileiro. "Foi uma das situações mais tensas que vivi em minhas viagens, vendo uma arma levantada na direção da minha esposa".
Repreendido por uma foto
O brasileiro também passou por um susto envolvendo soldados na Abecásia, região que se declarou independente da Geórgia, mas que não é reconhecida como Estado independente por grande parte da comunidade internacional.
A Abecásia já foi palco de conflitos armados e, hoje, seu território é pontuado por postos de controle povoados por militares nem sempre amistosos.
Viajando pelas estradas da região, Guilherme se deparou com uma imagem insólita: soldados haviam colocado o assento arrancado de um veículo sobre o asfalto bem na frente de um posto de controle, para parar os carros que circulavam pela via como se fosse uma cancela.
"Achei aquilo muito fotogênico e resolvi tirar uma foto. Mas, na hora, os soldados começaram a gritar comigo e ordenaram que eu apagasse a imagem. Eles acharam que eu fosse jornalista e me chamaram de 'burro'. Mais uma situação tensa para contar".
Aventuras viraram livros
Guilherme relatou em um livro suas experiências "em países que não existem" - em jornadas que também incluíram locais como a Ossétia do Sul.
A obra se chama "Uma Viagem pelos Países que Não Existem" e já foi traduzido para o inglês e o espanhol.
Além disso, ele já visitou países reconhecidos pela comunidade internacional, mas que também são extremamente remotos, como Mali, Paquistão, Libéria, Mauritânia e Iêmen. Estas andanças deram origem a outros três livros.
São eles "De Cape Town a Muscat - Uma Aventura pela África", "De Istambul a Nova Délhi - Uma Aventura pela Rota da Seda" e "Destinos Invisíveis - Uma Nova Aventura pela África". Todos eles estão disponíveis na Amazon.
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