Roupa com história: bata africana carrega memórias e legado paterno
Matheus Leite
Esse dashiki tem mais história do que uso, porque até agora só usei ela duas vezes na vida. Mas a história por trás não tem como esquecer, porque era a bata de meu pai.
Desde que me entendo por gente, meu pai tinha uma ligação forte com roupa afro. Ele vestia peças afro dos pés a cabeça, desde sandálias de couro ao filá, que é um chapeuzinho tradicional, que Chico César também usava. E ele me vestia assim também quando eu era criança.
Inclusive, era até motivo de chacota no colégio quando meu pai ia me buscar, porque ele ia todo vestido de roupa afro e gerava uma estranheza nos colegas. Ele era o pai que chegava com as roupas diferentes. Isso sempre me acompanhou. Em determinado momento da vida, ali pela adolescência, eu parei de usar essas roupas.
Em 2012, meu pai faleceu, mas o armário dele ficou, com os dashikis. Eu já tinha algumas minhas — hoje, uso roupas afro, mas em doses muito menores que meu pai — e, talvez até por uma questão de administrar o luto, acabei não usando as roupas dele.
Passaram-se 8 anos até que, agora, na quarentena, durante um processo artístico de fazer um clipe com o que eu tinha em casa, vi essa bata. Lembrei do que ela significava para mim e para meu pai, e passei a enxergá-la com outros olhos. Esteticamente, eu também gosto muito dela: das cores, do verde com amarelo, o caimento.
Vesti, caiu direitinho no corpo, me senti super à vontade. Quando coloquei, pensei "meu Deus, estou igual a meu pai".
Senti essa relação de espelho, de reflexo, mas também continuidade, de que eu poderia partir dali para ser outra coisa, mas sem deixar para trás o legado que ele me deixou.
No meu quarto tem umas fotos de meu pai e em uma delas ele está com essa bata. Então a imagem cristalizada dele em foto era com essa roupa. De alguma maneira, ela ressoa isso, tem toda uma simbologia por trás de aceitar a bata e consegui usá-la nesse trabalho.
Agora que superei esse processo de encarar a peça e toda a sua simbologia, pretendo usá-la mais vezes, especialmente em shows, justamente por toda essa simbologia que faz parte e reflete quem eu sou.
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