Rabanada com toque lusitano é doce natalino de médico que virou confeiteiro
Sob holofotes durante o Natal, a rabanada é celebrada por diferentes países. Na França, onde acredita-se que foi criada, ganhou o nome pain perdu. Trata-se do pão que já está perdido porque não apresenta mais frescor.
Nos Estados Unidos, a mesma receita pode ser encontrada como french toast. Em Portugal, são as fatias de ovos. A explicação é que, para ganhar vida nova, a ideia é lambuzar as fatias numa mistura feita de ovos.
A pedida tem ainda outros dois apelidos lusitanos: fatias douradas, porque quando são mergulhadas em óleo quente ficam crocantes e com cor de ouro, e fatias paridas, cuja explicação faz referência a uma mãe que pariu e, para alimentar o filho, coletava doações dos vizinhos. Com pão velho, leite, açúcar e ovos se fazia o delicioso doce.
Veja a receita completa
Paixão por ovos
O português Nuno Matos, nascido e criado em Évora, na região do Alentejo, conta que fazia a sobremesa no dia a dia quando batia a fome durante a tarde. Aos Natais, o preparo era incrementado com vinho do Porto e especiarias.
A cozinha do Alentejo sempre teve ligada à pobreza e ao não-desperdício. A base da rabanada é sempre a mesma: um pão duro embebido em líquido frito em óleo quente ou assado".
Na finalização, é comum polvilhar açúcar e canela. Na receita compartilhada com Nossa, porém, o confeiteiro que trabalha na Cedric Grolet Opéra, doceria de um dos mais renomados chefs de pâtisserie do mundo, sugere doce de ovos.
Típico de Portugal, o creme faz parte da pastelaria (como chamam a confeitaria por lá) conventual, historicamente ligada aos conventos. "As freiras usavam muitas claras de ovos para engomar roupa e começaram a criar doces e bolos à base de gemas, para reaproveitar".
Diferentemente da versão original, Nuno adiciona casca de limão-siciliano e canela para aromatizar a mistura. Outra particularidade do passo a passo está em envolver as fatias de pão em claras em neve após umedecê-las com leite morno.
Isso faz com que as rabanadas fiquem muito fofas e macias, autênticas nuvens."
Embora a tradição - e muitas vezes a praticidade - indique a utilização de pão amanhecido, é possível reproduzir a receita com exemplares frescos. Só vale dar atenção para não embeber demais o pão. A dica de Nuno também serve para as variedades de pão: "em suma, quanto mais fresco e mole o pão, menos tempo deve deixar a embeber".
Do estetoscópio ao fouet
Nuno foi criado em família. Os avós, os tios e as primas eram vizinhos e, junto a seus pais, mantinham uma área com plantação de alimento e criação de animais. O núcleo, de costumes tradicionais, celebrava datas especiais sempre ao redor da mesa.
Nas ocasiões, a cozinha quente era responsabilidade dos adultos. As sobremesas, por sua vez, ficavam com os jovens. Sem internet na época, Nuno buscava ideias em livros da família. Alguns cadernos, escritos a mão, tinham as marcas de gordura de quem mexia na manteiga com uma mão e, com a outra, folheava as páginas.
Foi assim que fui crescendo... com a pastelaria e a cozinha comigo".
Apesar do apego pela culinária, ele seguiu outro rumo profissionalmente. Estudou, estudou, estudou, até passar no curso de medicina em Lisboa e ir morar sozinho. O sonho, vivido pela família e realizado por ele, chegou à residência de estomatologia, que estuda a boca, e a renomados hospitais da cidade.
Mas algo não estava bem: "quando entrei pela primeira vez na faculdade, logo soube que algo não batia certo. Demorei para conseguir perceber o porquê. O que me faltava era componente artístico e criativo".
Um problema na coluna o fez operar e ser obrigado a dar uma pausa no trabalho. Foi aí que notou o quanto perdera o tempo livre e que um dos momentos mais ansiados por ele era o Natal, quando voltava para a casa dos pais. Lá, podia cozinhar livremente — inclusive, rabanadas.
Enquanto estava recluso, Nuno esquematizou, em silêncio e com o auxílio de uma coach, como poderia dar uma virada na carreira. "Parecia uma loucura do ponto de vista financeiro e pessoal. Só quando tudo estava decidido e tinha dado entrada na documentação para estudar na Le Cordon Bleu Paris que contei para a família e amigos. Eles ficaram boquiabertos".
O que parecia pura aventura foi tomando cara de destino. Nuno conseguiu se destacar no curso de confeitaria, foi convidado a trabalhar na escola, formou-se com sucesso e garantiu um estágio com Cedric Grolet.
Mesmo com a interrupção momentânea das atividades no Hôtel Le Meurice, onde Cedric é chef de confeitaria, Nuno foi efetivado e direcionado para o novo Cedric Grolet Opéra, doceria de rua aberta pelo especialista francês.
Aqui em Paris eu percebi a dimensão que a confeitaria tem. É considerada uma arte, socialmente e culturalmente. Em Portugal, os doces não são valorizados como deveriam. Tenho uma grande vontade de tornar esse repertório reconhecido".
Desde que mudou de carreira e país, Nuno compartilha sua vivência e apetitosas criações no Instagram.
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