Conheça a vila histórica de Bertioga onde turistas não podem entrar
A experiência é única em todo o litoral paulista: a poucos minutos de Bertioga, na Baixada Santista, a viagem até a vila histórica de Itatinga começa com travessia de barco no rio Itapanhaú e segue em um trenzinho amarelo que rasga 7,5 quilômetros dos paredões verdes da Serra do Mar.
Ao final do trajeto, às margens de trilhos estreitos e da única rua local, cerca de 70 residências em estilo inglês do início do século passado abrigam funcionários da Usina Hidrelétrica de Itatinga.
Lindo, nostálgico e diferente...
...mas não é para todo mundo
Fechada para visita pública desde que foram registrados casos de malária no local, Itatinga nunca foi um destino que facilitou a visita. Mesmo antes da proibição para turistas, a vila só podia ser visitada com agências cadastradas e mediante autorização da CODESP (Companhia Docas do Estado de São Paulo), atual Autoridade Portuária de Santos S.A..
Inaugurada em 10 de outubro de 1910 como uma das primeiras do Brasil, no rio Itatinga, a hidrelétrica fornece hoje cerca de 80% de toda energia do Porto de Santos, a 30 quilômetros dali, aproximadamente.
De acordo com o próprio complexo portuário, esse é um dos únicos no mundo que gera sua própria energia elétrica, através da Usina Hidrelétrica de Itatinga.
Pequena Paranapiacaba
Conhecida também como Vila dos Ingleses, essa espécie de mini Paranapiacaba litorânea, vila ferroviária histórica do ABC paulista, abriga não só residências de alvenaria ou madeira, mas também escola, posto médico, clube esportivo, padaria, minimercado e até um anfiteatro que chegou a funcionar como cinema.
"É realmente uma pena que o lugar não esteja aberto à visitação. Itatinga é muito importante para o turismo regional e tem características únicas", analisa o turismólogo Renato Marchesini, cuja agência atuou por mais de uma década no local e chegava a levar cerca de 30 visitantes por mês.
Um dos atrativos arquitetônicos mais marcantes de Itatinga, que ainda abriga alguns moradores, é a capela de Nossa Senhora da Conceição, no alto de uma colina. Essa construção simples foi erguida em 1942 com mão de obra e peças, como vitrais e mobiliário, trazidas da Inglaterra.
"É um turismo que une experiências náuticas, históricas, ambientais e contatos com os moradores locais", descreve Marchesine que, mesmo com a vila fechada, ainda é procurado semanalmente por turistas interessados em conhecer o atrativo.
A 10 quilômetros da rodovia Rio-Santos, a urbanidade discreta dessa vila de ares operários se confunde com seus arredores.
Seu turismo de base comunitária incluía não só a recepção de turistas em chácaras dos arredores, que eram recebidos com refeições e vivências, mas também a possibilidade de explorar a região.
Cercada pelos parques estaduais da Restinga de Bertioga e da Serra do Mar, a vila é ponto de partida para a Cachoeira dos Três Poços, uma caminhada leve de 1,5 quilômetros até piscinas naturais que se formam aos pés de pequenas quedas d'água.
Impasses históricos
Não é raro encontrar descrições que afirmam que a vila é um patrimônio histórico, porém o local ainda não conta com nenhum título oficial que reconheça e garanta a sua preservação.
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Turismo, Esporte e Cultura de Bertioga informou que "vem mantendo negociações junto à CODESP, que é a administradora de toda a área, para reativar de forma sustentável e gerenciada pelas entidades locais cadastradas junto à secretaria".
A reportagem chegou a fazer contato com a superintendência de comunicação da empresa, via telefone e e-mail, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.
Segundo Aluízio Durço Bernardino, chefe de ecoturismo da prefeitura de Bertioga, nunca houve o desenvolvimento de uma legislação que desse respaldo para o município decretar a Vila e a Usina como patrimônios histórico e cultural.
Para ele, a esperança pode ser a Lei nº 1.363, de 28 de junho de 2019.
Embora o texto institua a criação de um fundo de proteção do patrimônio histórico e cultural de Bertioga, vinculado à Secretaria Municipal do Turismo, Esporte e Cultura, ainda assim não há nenhuma referência específica a Itatinga ou a qualquer outro endereço histórico do município.
"Como no ano de 2020 fomos assolados por uma pandemia, todos os levantamentos de dados [para instaurar processos de tombamento] foram paralisados. Assim que houver o restauro das condições propícias, a SETUR retornará os trabalhos", explica Bernardino.
No entanto, a vila está fechada para o turismo desde 2012, oito anos antes do início da pandemia, quando 12 pessoas apresentaram sintomas leves de uma malária mais branda.
De acordo com o empresário Renato Marchesine, aqueles foram casos isolados de funcionários infectados de uma empresa terceirizada que prestava serviços na usina de Itatinga.
"Não conheço nenhum morador ou frequentador que tenha pego isso daí [malária]. A vila foi fechada por prevenção e nunca mais abriram. Todas os operadores de turismo ficaram chateados com isso", descreve.
Curiosamente, como lembra a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), Itatinga recebeu a presença do biólogo e médico sanitarista Carlos Chagas, em 1906, que encabeçou aquela que ficaria conhecida como "a primeira campanha bem-sucedida do Brasil contra a malária".
Aos 110 anos de existência, celebrados no último mês de outubro, a Vila de Itatinga parece longe de ter seus patrimônios natural e cultural, merecidamente, reconhecidos e preservados.
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