Roupas de cannabis revolucionam a moda, mas ainda enfrentam tabu no Brasil
O algodão é a principal matéria-prima para a produção da maioria das roupas que vestimos. No entanto, outras fontes poderiam oferecer diversos benefícios para a indústria têxtil: o cânhamo é um exemplo disso.
O cânhamo é uma planta de Cannabis cultivada por suas sementes, fibras e caule. A diferença dele para a maconha — sendo que ambos têm como origem a mesma espécie, a Cannabis sativa — está nas finalidades para uso e a quantidade de THC — sendo essa última a responsável pelas propriedades psicoativas da erva.
"A utilização do cânhamo é mais antiga do que o próprio algodão", conta para Nossa Felipe Watanabe, economista formado pela Universidade Estadual de Jacksonville (EUA) e consultor de inovação. "Há muito tempo, na época das grandes navegações, a fibra obtida por meio dele era usada para cordas e velas de barcos, por garantirem um material resistente".
Entre as vantagens obtidas pelo uso do cânhamo, estão a possibilidade de roupas mais duráveis e o menor estrago causado no meio ambiente. Isso porque o plantio de algodão é extremamente frágil, o que demanda maior uso de produtos químicos para evitar danos causados por pragas, por exemplo.
"Por ser um cultivo resistente, o cânhamo quase não exige produtos químicos, além de responder bem a adversidades", diz o profissional. "É uma planta que utiliza menos água que o algodão e sobrevive em climas mais quentes. No Brasil, por exemplo, temos condições climáticas e tudo mais para sermos grandes produtores".
O algodão é monocultura. Os venenos prejudicam tanto os trabalhadores, que podem chegar a ter câncer, e o solo, que, depois de um tempo, não é mais produtivo".
Já os benefícios práticos, para nós que vestimos as roupas, estariam na qualidade delas: 'O cânhamo tende a fabricar roupas mais resistentes ao longo do tempo. Com o algodão, a camiseta vai se desgastando fácil, ficando feia", acrescenta Felipe.
O cânhamo na moda
Uma das marcas que já se apropriaram do cânhamo para a produção de parte de suas peças é a Levi's. Desde 2013, a marca usa a matéria-prima para itens selecionados.
"Com o aumento das discussões ao redor de uma cadeia de produção mais eco-friendly e a busca por matérias-primas cada vez mais sustentáveis ao longo dos últimos anos, o cânhamo tornou-se um pilar muito forte no processo de transição para um modelo de produção mais sustentável e uma ótima alternativa ao algodão", diz para Nossa Thiago Leão, Head de Merchandising da Levi´s no Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.
A sustentabilidade é o ponto principal para que a fibra tenha se tornado uma solução para o tão questionado "futuro da moda". Esse argumento é ressaltado pelo porta-voz da Levi's:
"Queremos garantir que todos nossos produtos sejam cada vez mais sustentáveis — e, dessa maneira, impulsionar o mercado em relação à responsabilidade que temos para com a natureza nesse processo de produção de roupas em larga escala", completa. "E, com a fibra pronta, após o processo de fiação, ela ainda utiliza menos energia e menos químicos durante as etapas de construção e de lavagem".
O cânhamo ganha cada vez mais espaço no mercado, à medida que mais marcas se atentem com a responsabilidade com o nosso planeta, entendendo que a indústria da moda é uma das mais onerosas ao meio ambiente.
Thiago Leão, Head de Merchandising da Levi´s
O papel da moda na questão
Uma das maiores desvantagens do cânhamo é o tecido mais duro e "menos confortável", em comparação ao algodão.
Felipe Watanabe pontua a importância para que marcas e estilistas ao redor do mundo se insiram nesse método, tornando-a mais utilizável.
"O desafio do cânhamo, em relação ao algodão, é a experiencia do produto em si", opina. "Não tem o conforto, a princípio, mas pode ser solucionado se colocado nas mãos de grandes marcas e estilistas".
O cânhamo e o algodão podem coexistir".
Felipe Watanabe
Nesse caso, a Levi's, em parceria com especialistas em engenharia têxtil, desenvolveu um processo de "algodonização" desse material, que amacia a fibra do cânhamo para que ela se aproxime visualmente e tenha um toque quase que indistinguível do algodão.
"Essas iniciativas são também uma forma de educar o nosso consumidor, e mostrar que é possível ter uma peça de qualidade, que dura muito e é responsável com o meio ambiente", complementa Thiago Leão. "Não queremos incentivar o consumo sem propósito, mas, sim, mostrar que é possível fazer de uma forma melhor para todos".
A barreira para a produção
Se existem tantos benefícios, o que impede as marcas de usarem a fibra para a produção dessas roupas?
O economista Felipe Watanabe explica que, embora o cânhamo não seja proibido, ele não é regulamentado. Ou seja, falta diálogo sobre o assunto e, posteriormente, em termos burocráticos, a devida fiscalização.
"Desde 1971, o Brasil é signatário da Convenção de Drogas da ONU, que rege grande parte das políticas públicas de controle de drogas ao redor do mundo. Nela, já se reconhece o cânhamo para fins industriais", acrescenta ele. "No entanto, por mais que o acordo permita, não há a devida fiscalização e, consequentemente, a plantação não pode ser feita".
A solução para isso é a importação, que acaba ferindo um dos princípios do cânhamo: o preço competitivo com as peças feitas a partir do algodão.
"Acaba saindo mais caro do que deveria ser", diz Felipe, citando a China como uma das exportadoras de peças feitas a partir dele. "Uma camiseta de cânhamo poderia ser competitiva com o algodão, mas, como é importada, acaba chegando com o preço desproporcional".
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