Sem João de Deus e turismo religioso, Abadiânia investe em atrações de lago
A 90 quilômetros de Goiânia, o município de Abadiânia representa tudo o que um destino turístico não deve ser: há mais de quatro décadas, associada exclusivamente ao turismo espiritual.
A cidade viu desaparecer uma das suas principais fontes de renda quando surgiram as primeiras denúncias de abuso sexual contra João Teixeira de Faria, conhecido internacionalmente como João de Deus - tema do MOV.DOC do UOL.
Mas depois da tempestade sempre vem a calmaria. E, no caso de Abadiânia, vem em forma de turismo na beira do lago.
Desde a inauguração de uma usina hidrelétrica na região, em 2006, o Lago Corumbá IV era visto apenas como um reservatório de água para geração de energia. Porém, nos últimos anos, a região tem visto o aumento no número de empreendimentos construídos ao redor dos 27,39 km² do lago só em Abadiânia.
O atrativo, cujas margens fazem parte de uma APP (Área de Preservação Permanente), está presente também em outros seis municípios vizinhos: Luziânia, Santo Antônio do Descoberto, Alexânia, Silvânia, Novo Gama e Corumbá de Goiás.
Para a turismóloga Amanda Alves Borges, "por seu alto potencial turístico, o lago precisa ser desenvolvido, paralelamente, ao caso de João de Deus".
Mestranda em turismo pela USP, Amanda ressalta que o turismo local, tendência forçada pela pandemia de coronavírus, tem ganhado força na região do Corumbá IV, devido à procura por destinos próximos de casa e com áreas ao ar livre.
Novos ares
Nos próximos anos, um único empreendimento deve investir R$ 15 milhões, aproximadamente, em um complexo que reunirá condomínios, ecoturismo e estrutura para atividades náuticas.
Assim como lembra, Leandro Daher, diretor da empresa responsável pela implementação do novo atrativo, a vantagem é que a hidrelétrica local é "a fio d'água", tecnologia que mantém suas águas em nível suficiente para produção de energia.
"Os visitantes foram descobrindo, ao longo dos anos, que o lago é especial. Para gerar energia não precisa descer o nível dele, por isso é sempre cheio e com águas transparentes, mesmo na temporada de seca", explica Daher.
Com a previsão de inauguração de um clube privado para o final de janeiro de 2021, o Escarpas Eco Parque deve se tornar a primeira atração turística dessa cidade que, por 46 anos, tinha olhos apenas para orações e cirurgias espirituais.
Além de marina e lotes para construção de residências, o empreendimento promete também oferecer opções de ecoturismo, como arvorismo, tirolesa molhada com mais de 500 metros de extensão, mais de 10 quilômetros de trilhas, aluguel de SUP, caiaque e jet ski, e até mergulho com cilindro no lago, a profundidades que vão de 10 a 40 metros.
Outra particularidade do lago é a sua piscosidade, cuja abundância de espécies como pacu e tucunaré já inspirou a criação de um torneio de pesca, em 2019, reunindo cerca de 100 participantes.
O turismo em Abadiânia sempre foi acanhado, e esses empreendimentos trazem um novo posicionamento para o município, pois as pessoas passam a conhecer o potencial da região", arrisca Daher.
Porém, uma das dificuldades para o desenvolvimento do turismo de Abadiânia é o acesso ao que seria a única atração do destino, exclusivo apenas para moradores dos condomínios ao redor.
"O lago não tem acesso público e os próprios moradores da cidade não podem visitá-lo. É um dilema desenvolver o lago como atração turística", lamenta a turismóloga Amanda Alves Borges. Para ela, é hora de criar outras alternativas turísticas na cidade.
Segundo Daher, o ecoparque deve abrir, em data ainda não definida, um clube com atividades para o público geral.
Localizado no setor rural de Abadiânia, a 23 quilômetros do centro da cidade, o lago tem acesso pela GO-474, rodovia de 30 quilômetros, dos quais pouco mais da metade foi asfaltada, recentemente.
O efeito João de Deus no turismo local
Até a prisão do médium, no final de 2018, mais de 90% dos visitantes procuravam Abadiânia com fins religiosos. Segundo a agência estadual Goiás Turismo, Abadiânia era, assim como a Chapada dos Veadeiros, o principal destino a receber estrangeiros em todo o estado.
Das duas mil pessoas que visitavam a Casa Dom Inácio de Loyola, atualmente, não são mais de 150 por dia.
Assim como mostra o Mapeamento e Diagnóstico Empresarial de Abadiânia 2019 a que Nossa teve acesso, só nos primeiros três meses após a divulgação das denúncias, o faturamento do comércio dos arredores da Casa teve uma queda de 72% e a procura por hospedagem na cidade caiu 85%.
Ainda segundo o relatório, os negócios mais afetados ficavam próximos ao local de peregrinação, cuja queda é estimada em 95%, sobretudo em hotéis, pousadas e restaurantes.
Nas contas do prefeito José Aparecido Diniz, dos 68 hotéis existentes na cidade, apenas seis permaneceram abertos após o caso João de Deus. Das 20 opções de locais para refeições nos arredores do seu centro espiritual, apenas uma lanchonete sobreviveu ao tsunami de denúncias.
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