Da origem "bombástica" à proibição no Brasil: o que há por trás do biquíni?
Em julho de 1946, uma bomba atômica foi lançada na ilha de Bikini, localizada no Pacifico. Esse foi o primeiro teste realizado após a 2ª Guerra Mundial, para o qual os Estados Unidos queriam mostrar aos adversários soviéticos as consequências do arsenal bélico que possuíam.
A ameaça de guerra, no entanto, eternizaria um nome que viraria moda.
Alguns dias mais tarde, uma notícia "escandalosa" percorreu o mundo: era o lançamento do "Bikini", criado pelo estilista Louis Réard e divulgado em um concurso de beleza na piscina pública Molitor, em Paris.
As duas peças de banho foram desfiladas no histórico 5 de julho de 1946 pela modelo e dançarina do Casino de Paris Micheline Bernardini.
Hoje um modelo comum, a peça inovou por seus dois triângulos pequenos presos por fios para a parte superior dos seios e um retângulo que deixava as nádegas de fora. O umbigo, claro, surgia nessa revolução.
"Outra característica interessante era a estampa, uma espécie de colagens de notícias com títulos de jornal, que possivelmente fazia alusão ao impacto que o biquíni causaria na sociedade", complementa a historiadora e autora do livro "Histórias de Veraneio" Joana Carolina Schossle para Nossa.
Eram os primeiros passos para que o biquíni começasse a ganhar o mundo e, principalmente, o Brasil — mais especificamente o Rio de Janeiro, onde se tornaria um traje cotidiano, como o que vemos hoje em dia.
A disseminação no mundo
Das telas de cinema às praias cariocas
Nos anos 50, o biquíni virou elemento sensual na publicidade, com as divas do cinema norte-americano e as pin-ups.
No Brasil, na mesma época, o ilustrador Alceu Penna deu visibilidade à moda praia, com foco no maiô inicialmente, com sua coluna no jornal "O Cruzeiro" chamada "As Garotas", entre os anos de 1938 a 1964, mesma época em que o país passava por revoluções e transformações de costume.
"'As Garotas' eram as adolescentes da época, ditas como 'pin-ups brasileiras' por alguns", conta a historiadora de moda e professora da FAAP Maíra Zimmerman ao Nossa. "Elas lançavam tendências sobre o estilo de vida na praia da classe media alta".
Alceu Penna teve um importante papel na construção da identidade da moda brasileira da forma como a conhecemos hoje. Antes dele começar a ilustrar as colunas na revista "O Cruzeiro", as publicações do país não se preocupavam com a representatividade da moda nacional, trazendo apenas o que se via lá fora para suas páginas.
Através de seus desenhos, Alceu pode adaptar o modo de vestir das estrangeiras para a realidade do Brasil, começando assim a traçar as primeiras características que viriam a ser identificadas como parte da identidade brasileira.
Junto às personagens do ilustrador, em 1956, Brigitte Bardot eternizava a peça com o filme "E Deus Criou a Mulher", ao usar um modelo xadrez vichy.
Ao final dessa década, no Brasil, Carmem Verônica e Norma Tamar juntavam multidões nas areias em frente ao Copacabana Palace, no Rio de Janeiro.
Controvérsias
No início dos anos 60, o então Presidente da República, Jânio Quadros, proibiu o uso de biquínis em praias e piscinas do território nacional por considerá-los "indecentes". Embora seu mandato tenha durado pouco — e junto dele a proibição, os olhares dos "bons costumes" ainda se prolongariam nos anos posteriores, embora a procura pela peça traçasse o caminho contrário.
"Em 1971, a Leila Diniz causou polêmica e virou símbolo da libertação feminina ao ir para a praia de biquini quando estava grávida", relembra Maíra. "Com a peça considerada pequena nos padrões da época, ela causou um escândalo por tomar banho de mar e mostrar a barriga".
A sociedade fica escandalizada com a foto de uma mulher grávida de biquini. Era visto como algo íntimo".
Maíra Zimmerman, historiadora de moda e professora da FAAP
Made in Brazil
Modelos criados e eternizados em terras brasileiras
A historiadora Joana Carolina Schossle conta que modelos como o fio dental e o asa delta, sendo esse último acompanhado de tecidos brilhantes e tops sem bojo, foram criados nos anos 1980 por Alcindo Pereira da Silva.
Cidinho, como era conhecido, foi o criador da primeira grife de moda praia a ter uma loja exclusiva de biquínis em todo o país, a Bumbum. Antes disso, eles eram vendidos em butiques espalhadas pelo Brasil.
O idealizador distribuiu suas peças entre as musas de Ipanema, com nomes como Luiza Brunet, Xuxa, Monique Evans, entre outras.
A moda como instrumento político
Como o que vestimos diz sobre a época em que vivemos?
A moda de praia, não diferentemente das outras, é impulsionada por movimentos culturais da sua época. A força conquistada pelo biquíni ao longo dos anos, principalmente depois dos anos 60, pode ser vista como uma das consequências do discurso pregado pela cultura hippie, como aponta a historiadora Maíra Zimmerman,
Além da peça de banho, podemos citar ainda as polêmicas calças de cintura baixa, utilizada por celebridades em massa nos anos 2000.
"O estilo hippie traz a ideia de liberdade corporal. Mostrar a barriga começa a se tornar um ato de posicionamento político. 'Meu corpo, minhas regras'. O empoderamento feminino nasce muito do questionamento das mulheres após a Segunda Guerra Mundial".
"A moda do corpo livre foi disseminada pelos hippies."
Maíra Zimmerman
Esse argumento é reforçado por Joana Carolina Schossler, que acredita que desde sua sua invenção, o biquíni é uma peça que provocou uma revolução no modo de se vestir em todo o mundo, pois remete às questões morais sobre o corpo.
"Considerando que o biquíni se relaciona com o corpo, o consumo dessa peça comunica novas formas de estar confortável com o que se veste, mas também com as formas naturais do corpo", opina. "O biquíni pode empoderar, pois as questões do nosso tempo propõem justamente desconstruir padrões instaurados pela indústria de consumo ao longo das décadas".
E antes de tudo isso?
Quando maiô e biquíni ainda eram desconhecidos
Entre o final do século 19 e início do século 20 ao redor do mundo, os banhos de mar tinham um significado terapêutico. Logo, as imersões eram praticadas no início da manhã e no final da tarde, para evitar que a pele ficasse exposta ao sol, pois a pele alva era sinônimo de distinção.
A exposição do corpo também era um tabu, como conta Joana Carolina Schossler. Então eram usadas roupas semi-longas, largas e em tecido de lã, que deixavam apenas as canelas expostas, o que já denota muita sensualidade para a época.
Os trajes eram mais ou menos requintados, dependendo da classe social. Outros adereços bastante utilizados, eram sapatilhas, para não machucar os pés das banhistas e sombrinhas estilo chinesa, para proteger a pele.
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