Pet virou "grude" na quarentena? Como resolver a "ansiedade de separação"
Prestes a completar 11 anos, Cacau é uma cachorrinha beagle que vive há 10 meses a rotina dos humanos em casa.
Como na canção de Chico, "todo dia ela faz tudo sempre igual": acorda eufórica pelo café da manhã, acomoda-se no melhor local do home office para uma soneca até o fim do expediente, acompanha o preparo do jantar, aproveita o passeio na pracinha para fazer suas necessidades e, na volta, de acordo com o humor do dia, decide dormir no tapete ao lado da cama do casal ou em sua própria caminha. Sempre na companhia dos humanos da casa.
Diferente da história da música, porém, o cotidiano da senhorinha canina pode mudar a qualquer momento e bagunçar o "novo normal" a que Cacau já se acostumou. Ela e todos os pets adaptados à convivência extrema com os humanos durante a quarentena podem sofrer com a volta ao trabalho presencial e a retomada da antiga rotina da residência.
"Fico preocupada porque saio para fazer as unhas em um salão bem próximo de casa. É só uma hora e ela fica chorando o tempo todo da minha ausência. Logo agora que ela está ficando mais velhinha e carente, teremos de voltar ao trabalho presencial pelo menos em alguns dias da semana", disse a contadora e tributarista Tamiris Xavier de Souza, a humana responsável pela Cacau.
O que fazer no momento da "separação"?
O comportamentalista canino e adestrador, Rapha Aleixo, do programa "Radar Pet" (National Geographic Brasil), diz que é preciso trabalhar um processo de desapego e reforçar atitudes positivas quando o cão ficar sozinho em um ambiente da casa.
Quanto menos contato físico, melhor. Se você saiu do ambiente e ele não levantou, não o chame. Deixe ele sozinho, faça um carinho. Precisamos potencializar a atitude de ele ficar sozinho em diferentes ambientes da casa."
Com o simpático Lucky, um SRD de 7 anos, a situação tem sido uma luta diária na vida da tutora Mariana dos Reis Jóia, auxiliar de saúde bucal, desde que ela foi morar com o noivo, Patrick Alves.
"O Lucky é tão carente que precisa comer perto de nós. Ele pega ração e vem comer onde estivermos. Só depois de fazer isso algumas vezes sente-se mais seguro e come onde estão as coisinhas dele. Além disso, sempre que saímos de casa, vamos um de cada vez. Deixamos brinquedos estimulantes com petiscos e TV ligada", disse.
Mariana é auxiliar de saúde bucal e o noivo, Patrick, é enfermeiro. Ambos já retomaram a rotina de trabalho normal.
Lucky sofre de "ansiedade de separação", que é quando o cãozinho apresenta uma condição de pânico manifestada em comportamentos destrutivos como arranhar portas, latir constantemente, fazer as necessidades pela casa e até mesmo machucar-se sozinho.
Donos "adestrados"
"A questão foi que ficamos presos dentro de nossas próprias casas e promovemos um hiper apego ao deixarmos nossos cachorros extremamente dependentes. O grande problema deles somos nós, que não sabemos como lidar. Os cães não são crianças, não devem ser tratados como tal", disse Aleixo.
O adestrador sugere que os cães sejam ensinados a modificar o comportamento. Para isso, os tutores podem apostar na caixa de transporte em casa e em adestramento.
"É muito bom fazermos esses treinamentos após um passeio, quando eles estão cansados e mais tranquilos. Ter uma caixa de transporte disponível para o cão em casa é uma boa opção porque ele vai aprender a entrar sempre e se livrar de comportamentos de destruição, automutilação e latidos. Utilizo a caixa em um processo de associação positiva, como uma zona de conforto."
Embora Lucky seja um bom aluno de adestramento, os humanos da casa também estão se esforçando nas aulas.
"O exercício que mais precisamos lembrar é o de não recompensarmos atitudes erradas, que muitas vezes passam despercebidas. Por exemplo, se ele chorar quando eu sair, não posso voltar para que ele não entenda que é isso que provoca a minha volta e faça mais vezes", disse Mariana.
Estresse também para bichanos
Os gatos não terão o mesmo problema dos cães porque eles ficam bem sozinhos e nem vão reparar a falta do pessoal em casa, certo? Errado.
Na verdade, qualquer mudança drástica de rotina incomoda os gatos porque eles gostam e precisam ter previsibilidade no ambiente.
Então, a quarentena acabou os estressando bastante", disse a comportamentalista de felinos, Any Correa.
A professora Marilisa Oliveira já pensa em se programar para voltar para casa na hora do almoço quando as aulas retornarem ao presencial. É que os gatinhos Pierre, de 8 anos, e Vanila, de 3, até mudaram o comportamento devido a nova rotina estabelecida durante a quarentena.
"O Pierre me acompanhou em muitas aulas online. No começo, ele até se escondia de mim e acho que os dois ficaram incomodados com minha presença em casa. Agora, eles mudaram completamente o comportamento: jogam bolinha, tomam banho de sol e até chamam a minha atenção. Eu acho que eles vão ficar tristes com a minha ausência", disse.
Any diz que o ideal é preparar o terreno antes de voltar ao trabalho presencial. "Acordar e sair no horário como se a pessoa já estivesse trabalhando fora de casa, podem ser saídas curtas, é uma boa opção para que eles já comecem a acostumar". Ela também recomenda que os tutores proporcionem atividades e alimentem os gatinhos em horários que serão mantidos na nova rotina.
De acordo com Any, é preciso ficar atento com a saúde dos bichanos em situação de estresse, já que eles podem desenvolver. "Por serem muito sensíveis a mudanças, o estresse pode afetar diretamente na saúde dos gatos, como por exemplo cistite. Por disfarçarem bem os sintomas de qualquer doença, só nos damos conta quando a situação está grave."
Quando "tudo passar"
Com as irmãs Milka e Cacau, duas cadelinhas shitzu de 4 anos, não tem sido diferente dos demais pets da quarentena. A tutora Bianca Machado Fogli, que é servidora pública, só retorna ao trabalho presencial após a vacina, mas já se mudou para um apartamento mais próximo do trabalho exatamente para almoçar com as cachorrinhas.
Inclusive escolhi o apartamento com essa varanda aberta intencionalmente. Tem uma grade e coloquei uma rede de segurança, mas elas avistam a rua e passam horas distraídas ali. Então, acho que não vai ser um retorno traumatizante por esses detalhes que eu pensei e consegui realizar"
Bianca já tem feito saídas estratégicas para ficar fora de casa durante algumas horas para que elas entendam que o mesmo acontecerá quando a rotina de trabalho for retomada. "Já percebi que para elas que dá muito certo. Quando chego, não estão desesperadas, nem ansiosas."
A veterinária Carla Alice Berl, fundadora da rede PetCare, acredita que a retomada do cotidiano "normal" possa elevar o consumo dos serviços de day care ou creches para pets.
"Pode ser que as pessoas levem os bichinhos para estes locais para que eles não fiquem sozinhos", disse.
Fato é que os humanos também sentirão a mudança na rotina.
"Para nós, vai ser pior porque ela é companhia. Tem dias que a Cacau percebe que estou estressada, chateada com o trabalho, e ela fica quietinha no meu pé.
O fato de você parar o dia e conseguir dar um abraço no cachorro faz toda diferença.
Fico dois minutos com ela no colo e já muda o dia", disse Tamires, a humana da beagle Cacau.
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