Topo

"Tirar ano sabático é estar sempre cansado": viajante conta lado B do sonho

Luís de Magalhães em Cambará do Sul, uma das paradas de seu ano sabático - Arquivo pessoal
Luís de Magalhães em Cambará do Sul, uma das paradas de seu ano sabático Imagem: Arquivo pessoal

Eduardo Vessoni

Colaboração para Nossa

20/01/2021 04h00

Para o jornalista Luís de Magalhães, 30, largar tudo para ficar na estrada durante um ano é um ato revolucionário que ninguém vai incentivar a fazê-lo. Em 2015, faltavam-lhe incentivos, mas sobravam insatisfações.

"Eu não estava preparado para viver viajando, mas se você pensar muito, não vai. Uma pessoa não faria isso se não estivesse inconformada", avisa Magalhães.

Da insatisfação com a rotina surgiu não só uma viagem por 27 países, mas também o recém lançado "Notas de um Ano Sabático" (editora Viseu), livro em que descreve as experiências em destinos como Bolívia, Marrocos e Tailândia.

Luís de Magalhães no deserto do Saara - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Luís de Magalhães no deserto do Saara
Imagem: Arquivo pessoal

Escrito como um diário de bordo em ordem não cronológica, a obra descreve os perrengues vividos na estrada, como limpar privadas em um hostel de Porto Alegre, administrar pedidos de propina na Tailândia e até recorrer a traficantes de bebida alcoólica no (restritivo) Marrocos.

"Tirar um ano sabático é estar, constantemente, cansado. Tem uma hora que você precisa aceitar a derrota", alerta o jornalista, em entrevista por telefone para Nossa.

No entanto, há 5 anos, Magalhães não poderia imaginar que aquele hiato na vida o ajudaria também a enfrentar a pandemia do novo coronavírus que, desde 2020, paralisa o mundo.

Entre os aprendizados, destaca a resiliência, controle financeiro, gestão do próprio tempo e a longa convivência consigo ("é você contra você mesmo, seu maior inimigo").

Luís de Magalhães em Cabo Polônio (Uruguai) - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Luís de Magalhães em Cabo Polônio (Uruguai)
Imagem: Arquivo pessoal

Apesar da experiência, o jornalista acredita que anos sabáticos da pré-pandemia já não serão possíveis no futuro. "As pessoas vão ser mais cuidadosas com as experiências que vão procurar. Em um sabático você é louco por experiências, mas ninguém vai querer mais tomar sopa de morcego nem [comer] escorpião no espeto".

Dicas de ouro

Conhecido como a pausa na carreira profissional para se dedicar a projetos pessoais, como estudos ou uma viagem mais longa, um ano sabático traz aprendizados, mas também exige planejamento.

Na definição de Magalhães, o intervalo, que costuma ser equivocadamente associado à coisa de "vagabundo com dinheiro", é um perrengue atrás do outro.

Com R$ 7.000 na conta, a única verba disponível para toda a viagem, o jornalista recorreu a algumas táticas para se manter na estrada, como a troca de hospedagem por trabalho voluntário em hostels; deslocamentos sempre terrestres (em trens ou ônibus); e produção de conteúdo que garantisse parcerias comerciais com empresários locais.

Luís de Magalhães no Panteão, em Roma (Itália) - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Luís de Magalhães no Panteão, em Roma (Itália)
Imagem: Arquivo pessoal

Outra dica do jornalista é sempre preparar a própria comida, embora suas experiências nas cozinhas de hostels pelo mundo nem sempre tenham sido das melhores. "Eu comia para não passar fome, mas não comia bem. Alguns países eu não consegui visitar porque eram muito caros, como os Estados Unidos e o Reino Unido", lembra.

Viver na estrada por mais de um ano é um eterno início, onde cada desembarque indica o recomeço de uma nova rotina, mas chega uma hora em que as esquinas e "os castelos da Europa" vão ficando parecidos. Por isso, a dica do autor é, na medida do possível e do orçamento, "buscar experiências novas".

Ao final da viagem, Magalhães concluiu também que nem sempre dá para confiar nas pessoas e que é preciso saber falar "não". E isso, ele aprendeu à força.

Luís de Magalhães, no Atacama (Chile) - Arquivo pessoal  - Arquivo pessoal
Luís de Magalhães, no Atacama (Chile)
Imagem: Arquivo pessoal

Em Merzouga, no Marrocos, um taxista ("drogado" e a 80 km por estradas de areia, segundo descrição no livro), levou o autor do livro a um hotel 5 estrelas ("provavelmente por conta da comissão"), em vez do hostel solicitado no início da corrida.

Embora o gerente tenha prometido cortesia, o check-out veio com o conta da diária e do jantar da noite anterior. "Pagamos, sem discutir. Não tínhamos forças", descreve.

Talvez o primeiro aprendizado para uma viagem como essa seja a desconstrução, total ou parcial, de seus confortos de antes"
(trecho de "Notas de um Ano Sabático")

Aliás, o livro traz algumas contradições (e ingenuidades) dos sabáticos de primeira viagem.

Luís de Magalhães na Tailândia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Luís de Magalhães na Tailândia
Imagem: Arquivo pessoal

Em diversos trechos da obra e na entrevista à reportagem, Magalhães sugere que viajar é sair da zona de conforto, mas não esconde o descontentamento com perrengues em albergues para jovens mochileiros ("não são confortáveis e têm pessoas de diferentes estilos") e a experiência de hospedagem em um coletivo em um prédio abandonado de Berlim.

Sem medo de se frustrar outra vez, por vezes, não descartou a possibilidade de abortar a viagem e voltar para casa.

Uma das coisas mais cativantes de um ano sabático é ter uma vida nova em cada lugar".
(trecho de "Notas de um Ano Sabático")

Magalhães também reforça a ideia de "seguir à risca o planejamento da viagem".

Mas quem já fez da estrada seu endereço permanente, sabe que o barato de uma longa viagem é o deixar-se ser surpreendido pelo desvio de rota que viagens costumam fazer em viajantes experientes.

Luís de Magalhães em Sevilha (Espanha) - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Luís de Magalhães em Sevilha (Espanha)
Imagem: Arquivo pessoal

Outra conclusão do autor é que "a vida é um círculo" e, no final de uma viagem de mais de um ano, ele voltava para o mesmo lugar que estava antes.

"Voltei outra pessoa e o mundo continua o mesmo. Voltei com a cabeça melhor, mas a sociedade ainda está apegada as aparências".