Família vende tudo e cai na estrada ao lado de filha com deficiência
Morar em uma casa grande à beira da praia e ter seis filhos, quatro biológicos e dois adotivos, essa era a meta de vida do casal Fábia Soncini, de 45 anos, e César Augusto Preto, de 48.
Juntos faz 31 anos, eles até começaram a investir nesse sonho. Comparam um terreno e iniciaram a construção de uma casa com cinco suítes no litoral norte de São Paulo, mas os planos mudaram em 2007 com a chegada da Luna, primeira e única filha do casal.
Por causa de uma pré-eclâmpsia, Luna nasceu prematura de 30 semanas — sete meses — e precisou ficar internada para ganhar peso. Com um mês de vida, a bebê teve uma hemorragia cerebral de quarto grau, considerada grave, o que lhe causou uma deficiência motora. Segundo diagnóstico médico, a menina viveria em estado vegetativo.
"Como a Luna exigia muita atenção, minha vida passou a ser dedicada a ela e as rotinas de médicos e sessões de fisioterapia. Devido à minha pré-eclâmpsia ficamos com medo e desistimos da ideia de ter mais filhos, então aquela casa grande não fazia mais sentido para a gente", lembra Fábia.
Luna vai para o mundo
Três anos mais tarde, com os problemas de saúde de Luna estabilizados, a família decidiu apresentar o mundo à menina e começaram a planejar a primeira viagem em família: um tour pela Europa de 30 dias de bicicleta. A viagem aconteceu alguns anos mais tarde, quando Luna já tinha sete anos.
"Eu e meu marido já havíamos feito uma viagem de bicicleta pela Europa, então sabíamos mais ou menos como era. Adaptamos um carrinho acoplado à bicicleta para podermos levar a Luna.
No começo os médicos e terapeutas não gostaram da ideia, mas sabíamos que a nossa filha precisava conhecer o mundo externo. Ficamos um mês viajando e percorremos Portugal, Espanha e Itália", acrescenta a mãe.
Ao retornarem ao Brasil, a evolução de Luna era evidente. Segundo a família, as melhoras no comportamento e a evolução da parte motora da filha surpreenderam até mesmo os médicos.
"Ela voltou mais ativa e mais feliz. A Luna tinha dificuldade para se alimentar e só se comia refeições pastosas e voltou comendo arroz e feijão como qualquer pessoa", lembra Fábia.
Família vende tudo
Vendo a evolução na saúde da filha o casal decidiu que investiria em viajar. Em 2019, eles venderam tudo: carro, casa, apartamento e até mesmo pertences pessoais para com o valor arrecadado comprar um micro-ônibus e viver viajando pelo Brasil.
O veículo, que hoje leva o nome de Bambobil e é a casa da família, era uma agência móvel de um banco e foi adaptado às necessidades da família. Hoje o motorhome tem de tudo: quarto equipado com cama, guarda-roupas e ar-condicionado; cozinha completa, banheiro com banheira, e até uma pequena lavanderia com uma máquina de lavar. Tudo o que uma família precisa para viver.
"Temos uma caixa d´água que supre as nossas necessidades por uns quatro dias, quando acaba paramos próximo e enchemos ela novamente. Também temos energia solar que possibilita usarmos os equipamentos elétricos", conta Fábia.
Em abril de 2020, com a criação do projeto Brasil Especial, a família caiu na estrada e passou a percorrer cidades do estado de São Paulo. Em quase um ano de estrada aproximadamente 30 cidades já foram visitadas pelos três. Atualmente a família está em Brotas.
Em cada uma dessas cidades diversas aventuras. O casal aproveita as paradas, que duram em média 15 dias por município, para desbravar o local através do esporte como caminhada, pedal, caiaque, corrida, e surf, sempre acompanhados pela filha Luna, que participa de todas as atividades com os pais.
Depois que passamos a viver dessa maneira a Luna melhorou absurdamente, é outra criança.
Evoluções que demoravam seis meses para começarmos a senti-las, hoje vemos que elas acontecem de uma semana para outra e isso se deve a todo o estímulo que ela recebe", explica a mãe da menina.
Rotina de cuidados
A vida agitada das estradas não fez com que Luna abandonasse os acompanhamentos médicos que precisa para sua evolução diária.
Atualmente as consultas são feitas com o auxílio da tecnologia através de chamadas de vídeo. E os exercícios recomendados pelos profissionais são seguidos à risca pelos pais que fazem questão de fazer os treinamentos diariamente com a filha.
A ideia inicial do casal era viver viajando por dois anos, mas como as economias tem rendido mais, eles pretendem ampliar esse prazo e ainda não tem data para retornarem para São Paulo, cidade natal do casal e onde moram os familiares.
Vamos ficando na estrada até vermos que isso faz bem para a nossa filha, quando ela cansar a gente repensa", diz.
Paradas nas cidades
O motorhome da família pode estacionar em qualquer local onde o estacionamento de veículos é permitido. Mas antes de chegar em cada cidade, a família comunica a prefeitura sobre a data de chegada e quanto tempo pretendem ficar estacionados no município.
"Procuramos a prefeitura até mesmo para saber da rotina da cidade e, assim, não acabarmos estacionando em um local que possa prejudicar. Procuramos por locais mais reservados, mas levando em consideração a questão da segurança. Não gostamos de chegar sem avisar para as pessoas não assustarem", conta Fábia.
Durante os dias ou semanas que estão estacionados em alguma cidade, a família aproveita para conhecer as individualidades e cultura de cada lugar.
"A gente tem conhecido muitos lugares, culturas e pessoas diferentes. Em cada local visitados acabamos conhecendo famílias que nos acolhem com muito amor e carinho. As pessoas se apegam muito a gente e a Luna. Cada despedida fica aquele aperto no peito", lembra a mãe.
Nesses dez meses a família viajou apenas pelo estado de São Paulo, mas pretende passar por todos os estados do país.
Projeto Brasil Especial
A ideia de cair no mundo com a filha deficiente fez surgir o projeto Brasil Especial, que busca justamente mostrar que pessoas com deficiência devem frequentar o mundo externo e não ficarem reclusas dentro de casa.
A vida da família é postada nas redes sociais do projeto e é acompanhada por diversos seguidores.
Descobrimos que podemos ajudar muita gente. Recebo muitas mensagens de pais de crianças especiais e falam que fazem algumas coisas que fazemos com a Luna e vêm melhora em seus filhos.
Vejo que não fazemos só bem para a Luna, mas também para outras famílias. E isso dá uma alegria no coração em saber que você está fazendo o bem", lembra Fábia.
Pandemia requer cautelas
Com a chegada da pandemia de covid-19 no ano passado, os cuidados com a higiene e com a saúde da família aumentaram.
Em julho, a família contraiu a doença enquanto estava em São Paulo, todos de maneira leve e eles não precisaram ser hospitalizados. Após cumprirem quarentena de 14 dias todos já estavam curados e puderam cair novamente na estrada.
"A gente toma cuidado, usa máscara e bastante álcool em gel. Em algumas cidades ficamos em locais mais isolados e só nos aproximados dos moradores que estão abertos a receber pessoas", conta.
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