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Netas fazem roupas com tecidos herdados da avó e criam marca cheia de afeto

Sabrina e Mirella Granucci com roupas de sua marca Dolores de Mi Corazón - Arquivo pessoal
Sabrina e Mirella Granucci com roupas de sua marca Dolores de Mi Corazón Imagem: Arquivo pessoal

Aline Takashima

Colaboração para Nossa

10/02/2021 04h00

Quando Dolores Martins montou a sua confecção de roupas nos anos 1990, não imaginou que os tecidos resistiriam ao tempo.

Nas mãos das suas netas, as irmãs Sabrina, 33, Mirella, 31 e Ninna Granucci, 34, os tecidos herdados se transformam em roupas atemporais e confortáveis que contam a história da família através da marca Dolores de Mi Corazón (@doloresdemicorazon).

Formada em design de moda, Sabrina já havia comandado uma marca de roupas em Santiago, no Chile, entre 2011 e 2015. Em março de 2020, assim que estourou a pandemia do coronavírus, começou a repensar a sua trajetória profissional, como consultora de imagem.

Gosto tanto de criar. Mas como fazer isso? Aí eu lembrei dos tecidos da nossa avó que estavam guardados há mais de 10 anos."

Foi então que teve a ideia de criar a empresa ao lado das irmãs, em uma referência clara à avó. "O nome dela significa 'dores', em espanhol. Pensamos então em 'Dolores de Mi Corazón', pois é quando a gente sente dor e também é sobre a Dolores que está nos nossos corações", conta Sabrina.

Mirella Granucci - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Mirella Granucci
Imagem: Arquivo pessoal
Sabrina Granucci - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Sabrina Granucci
Imagem: Arquivo pessoal

Uma empreendedora à frente do seu tempo

Nas férias na casa de Dolores, em São Carlos, no interior de São Paulo, a todo momento, a avó propunha uma atividade diferente, como criar colar de miçanga com papel de revista e botões, fazer chinelos bordados e até cultivar uma bactéria para criar kefir de água. Os trabalhos manuais divertiam as crianças que, sem perceber, aprendiam o valor da reutilização de materiais e da reciclagem.

Para as irmãs Granucci, "de 'vovózinha' Dolores não tinha nada". Elas descobriram, quando adultas, que aquela avó efusiva e criativa também era visionária.

Dolores jovem - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Dolores jovem
Imagem: Arquivo pessoal

Dolores nasceu em 1939, em Neves Paulista, um município de São Paulo. Quebrou paradigmas ao morar com o então namorado, Luigi Granucci, e não se casar — eles só oficializaram a relação quando o seu único filho, Stelio, completou 5 anos. Aos 70 anos começou uma aula de canto. Ficou cega aos 72 anos devido a um tumor no cérebro. Decidiu, então, aprender braile. Morreu no ano seguinte, em 2012.

Em 1990, seu marido decidiu abrir uma empresa de confecções e a esposa logo planejou o negócio e passou a comandar a loja.

Dolores, a musa inspiradora da marca - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Dolores, a musa inspiradora da marca
Imagem: Arquivo pessoal

Sabrina recorda do galpão em que a avó trabalhava: nos olhos de criança, o espaço era imenso, coberto de tecidos e com o barulho inconfundível das máquinas de costura com diversas costureiras.

Dolores era uma empreendedora em uma época em que não se falava sobre isso. Tinha o seu próprio negócio", conta Mirella.

Os tesouros da avó

Trinta anos depois, Sabrina encontrou os "tesouros" de Dolores em meio a caixas empoeiradas e sacos repletos de retalhos.

Sabrina encontra os tesouros da avó - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Sabrina encontra os tesouros da avó
Imagem: Arquivo pessoal

Os tecidos de algodão estampados, as malhas e os jeans muito utilizados na década de 1990 se transformam em peças com um toque contemporâneo e são o único material utilizado pela marca.

A produção remete ao tempo da matriarca, época em que o modo de fazer era artesanal e detalhado. Como um jogo de quebra-cabeça, Sabrina pensa nas possíveis combinações das peças.

A escassez de materiais é um desafio que impulsiona a criação. "A gente foi se dando conta do que tinha para pensar nas roupas. É um modo de criação lúdico e mais lento. Esperamos o tempo que as peças têm para nascer", explica Sabrina.

Cada roupa é única, explica Mirella. "O bonito de dar tempo ao tempo é isso: a possibilidade de provar ideias no papel e depois no corpo. Como não trabalharemos com coleções, as peças e acessórios serão lançados individualmente", diz.

Funcionamos como um laboratório de criatividade. Em vez de impor o que cada uma quer, pensamos no que a gente tem. Quando a gente trabalha de uma forma sustentável temos que nos perguntar: o que temos à disposição?"

As possibilidades são muitas. Mas os tecidos à disposição são contados e, assim que eles acabarem, a marca deixará de existir. No total serão produzidas 365 peças, feitas à mão, por uma costureira especialista em bordados e vestidos de casamento.

Fotos antigas registram momentos entre Dolores e suas netas - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Fotos antigas registram momentos entre Dolores e suas netas
Imagem: Arquivo pessoal

Sem época, sem padrões

Não há um padrão como P, M, G e GG — as numerações são por centímetros. O intuito é que as peças sirvam em mulheres de diferentes gerações. É por isso que a manequim de prova não é nenhuma modelo no início de carreira. E sim a mãe das sócias, Tarcisia Granucci, de 60 anos.

"Eu percebo uma ditadura da roupa e um medo da etiqueta, em um país como o Brasil que não há uma norma de tamanho", explica a estilista. "Essa imposição de que os números menores são sempre melhores é um padrão que não faz nenhum sentido. Os números não nos definem." Mirella complementa:

A roupa tem que ficar boa na Sabrina, a mais magrinha da família e também na nossa mãe".

A marca estreou no dia 12 de junho, aniversário de Dolores, e a primeira roupa foi lançada logo após o Natal, no dia 30 de dezembro, aniversário de Stelio, filho único de Dolores e pai das irmãs Granucci.

A peça foi batizada como "A primogênita", uma homenagem ao descendente. E também por ser a primeira roupa da marca. "Não precisamos criar um conceito para a empresa. É só olhar para trás, para a nossa avó e o que herdamos delas. Ali estão as respostas", explica Mirella.

Negócio de família

Cada irmã é responsável por uma área na empresa, de acordo com a sua habilidade. Enquanto Sabrina cria as roupas, a atriz, roteirista e escritora Mirella cuida da comunicação e das redes sociais. Ninna é quem pensa nos números, na parte financeira da marca.

As irmãs Granucci - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
As irmãs Granucci
Imagem: Arquivo pessoal

A artista plástica Bruna Granucci, 35, é a única irmã que não participa diretamente da criação da marca. Mas irá colaborar criando colagens com imagens de Dolores. As artes limitadas e exclusivas serão enviadas com as roupas. "Muito da história da minha vó é sobre essas manualidades que ela costurou, tricotou, pintou e bordou", conta.

Colagem Dolores, por Bruna Granucci - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Colagem Dolores, por Bruna Granucci
Imagem: Arquivo pessoal

Para a colagem de Dolores, Sabrina vasculhou num saco enorme de tecidos que eram da confecção da avó. Encontrou estampas e texturas que lembram as roupas que Dolores gostava de usar. "Minha avó adorava uma camisa estampada e um lenço florido", revela.

Eu vou descobrindo a minha avó e a mulher que ela era, a medida que eu me aproximo dessa trama de fios e sigo costurando essa história, mas agora com papel."

Mesmo com trajetórias tão distintas, as irmãs foram muito influenciadas por Dolores. "Ela sempre nos incentivou a seguir os nossos sonhos. Contanto que fizéssemos as coisas bem feitas, com todo o coração", revela Ninna.

As imãs Granucci em foto mais recente - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
As imãs Granucci em foto mais recente
Imagem: Arquivo pessoal

Sabrina conta que, quando ainda era estudante, participou de um concurso e recebeu uma carta de uma prestigiada grife inglesa. Ela contou empolgada para a avó, que prontamente respondeu: "Hoje as minhas netas podem ser e fazer o que quiserem. Não é lindo?".