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Brigas e sufoco por voo para voltar de Portugal: "Só quero ir embora"

As passagens do voo extraordinário de repatriação chegaram a custar R$ 5.600 no trecho Lisboa-Guarulhos, e lotou - Corbis via Getty Images
As passagens do voo extraordinário de repatriação chegaram a custar R$ 5.600 no trecho Lisboa-Guarulhos, e lotou
Imagem: Corbis via Getty Images

Natália Eiras

Colaboração para Nossa, de Lisboa, em Portugal

26/02/2021 10h40Atualizada em 26/02/2021 19h27

Jhuliene Pereira de Souza, 20, o marido e a filha de cinco meses não veem a hora de deixar Portugal, país que foi sua residência nos últimos três anos. "Eu, sinceramente, só quero que as fronteiras abram para que eu possa ir embora começar uma nova vida no Brasil", fala em entrevista para Nossa.

Ela e a família tinham uma passagem de volta marcada para o dia 2 de fevereiro. Cinco dias antes do embarque, o governo português baniu todos os voos diretos de Portugal para o território brasileiros e, desde então, a família está à mercê de remarcações e cancelamentos. "Agora a passagem está marcada para o dia 3 de março, mas acredito que vá ser cancelada novamente".

Jhuliene, o marido e a filha de cinco meses não conseguiram lugar no voo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Jhuliene, o marido e a filha de cinco meses não conseguiram lugar no voo
Imagem: Arquivo pessoal

No dia 19 de fevereiro, brasileiros como Jhuliene tiveram uma ponta de esperança: o governo de Portugal liberou um voo comercial da companhia aérea TAP para levar brasileiros para São Paulo (SP) e trazer portugueses que estivessem no Brasil.

O voo está marcado para acontecer nesta sexta-feira (26). Porém, o que poderia ser uma saída se tornou mais uma fonte de estresse para a desempregada: "Tentei me encaixar no voo pois, quando a agência em que eu comprei as passagens conseguiu contatar a TAP, o voo já estava lotado".

Assim, Jhuliene deve ficar pelo menos até a Páscoa, quando Portugal pretende começar a discutir o processo de desconfinamento, sem voltar para casa.

Eu e meu marido estamos vivendo com o subsídio de desemprego do meu marido. Juntamos dinheiro para levar para o Brasil, mas enquanto estamos aqui estamos gastando-o. Não teremos muito para começar uma nova vida"

O voo está marcado para acontecer nesta sexta-feira (26) - Corbis via Getty Images - Corbis via Getty Images
Com voos proibidos e sem conseguir voltar, brasileiros relatam falta de auxílio de órgão governamentais
Imagem: Corbis via Getty Images

Os brasileiros que estavam passando por uma situação semelhante à de Jhuliene se reuniram em um grupo para pressionar a criação de mais voos que deem conta de levar todos que estão presos em território português. São cerca de 300 pessoas que estão procurando formas de voltar ao Brasil e que trocam experiência em um grupo de WhatsApp. Na conversa, eles reclamam dos preços cobrados pelas passagens do voo de repatriamento.

Sem conseguir lugar em voos, Filipe Leal Reis está morando na casa de amigos - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Sem conseguir lugar em voos, Filipe Leal Reis está morando na casa de amigos
Imagem: Arquivo pessoal

O enfermeiro Filipe Leal Reis, 29, estava morando há um ano em Portugal, onde trabalha como cuidador de idosos. Em dezembro, comprou a passagem de retorno para o Brasil para o dia 1 de fevereiro pela companhia aérea Azul, mas teve três remarcações. "Entreguei meu apartamento e estou morando na casa de um colega desde então. Tenho feito alguns trabalhos pontuais, mas, como eu tinha falado que iria embora, já não tinha mais nada fixo onde eu costumava prestar serviço".

Mesmo a Azul e TAP terem parceria para operar em alguns trajetos, Filipe não pôde fazer a remarcação de sua passagem. "Eles disseram que não poderia porque eu comprei o tíquete da Azul. Disseram que, se eu quisesse viajar, poderia pagar 837 euros (por volta de R$ 5,6 mil) sem bagagem para entrar no voo", fala. Sem o dinheiro para arcar o retorno, Filipe continuará em Portugal.

A falha no atendimento da TAP é outro ponto levantado. O autônomo Vinicius Araujo, 24 anos, está sem trabalhar há pelo menos 15 dias e teve que contar com o apoio de uma ONG pastoral para ter comida em casa. Por sorte, no entanto, ele conseguiu um lugar no voo desta sexta-feira (26).

Com bastante insistência da minha agência de viagem, e um pouco de grosseria da minha parte, eu peguei um lugar no voo"

A empresa que atendeu Vinicius ficou uma hora e meia no telefone para conseguir fazer a alteração. "E eles não queriam me encaixar nesse voo, mas continuei persistindo, mas há relatos de gente que ficou ligando e a ligação caía no meio do atendimento".

A agência de Vinicius ficou uma hora e meia ao telefone por lugar em voo. "E eles não queriam me encaixar" - Marc Najera/Unsplash - Marc Najera/Unsplash
A agência de Vinicius ficou uma hora e meia ao telefone por lugar em voo. "E eles não queriam me encaixar"
Imagem: Marc Najera/Unsplash

Antes de garantir sua passagem, Vinicius tentou entrar em contato com o Consulado do Brasil em Portugal, mas não obteve resposta. "Não recebi nenhum tipo de informação. Mandei e-mails, mensagens no WhatsApp e eles nem mesmo leram o que enviei", fala.

Ricardo Amaral Pêssoa, presidente da Associação Brasileira em Portugal, diz que tem recebido mensagens de brasileiros comentando sobre a falta de apoio dos órgãos governamentais. "Os cidadãos relatam que o consulado em Lisboa e a embaixada não têm respondido e-mail nem ligações", afirma.

A gente sabe o que é ser um imigrante vir para cá, perder seu emprego durante a pandemia. O consulado deveria abrir as portas. Não se pode fazer isso com a comunidade, é uma covardia"

"A gente também recebe orientações para procurar rotas alternativas", fala Filipe Leal Reis. Como os voos diretos de Portugal para o Brasil estão banidos, muitos brasileiros procuram passagens com escalas em países como Espanha e Holanda para voltarem para casa. "Mas isso gera custo, e a gente mal tem dinheiro para ficar aqui."

Para acolher os brasileiros que podem estar passando por necessidades, há hostels oferecendo vagas a preços acessíveis para famílias que não tenham onde ficar e outras iniciativas do tipo. A Associação Brasileira em Portugal deve, de acordo com Ricardo Amaral Pêssoa, abrirá suas portas neste fim de semana para atender os brasileiros em situação de vulnerabilidade. "Apoiar as pessoas é humanitário, é cristão."