"Tudo está queimado": argentinos relatam pesadelo em incêndio na Patagônia
Casas de madeira em meio a bosques patagônicos, animais selvagens do lado de fora e uma vida tranquila longe da cidade grande. O que era sonho tem se tornado pesadelo.
Desde o último domingo (7), áreas rurais das províncias de Chubut e Río Negro ardem com os incêndios descontrolados em bosques dessa região no centro-norte da Patagônia argentina.
A estudante de gestão ambiental Clara Davel conversou com Nossa via telefone e contou que a casa onde mora a sua mãe foi evacuada, na última terça (9), em Las Golondrinas, na área rural de Chubut, a 7 quilômetros de El Bolsón, na província de Río Negro.
"Dois terços da casa dela foram perdidos no incêndio. O fogo destruiu o segundo andar, todos os vidros estouraram e o teto de madeira caiu", descreve Clara, que é argentina e mora em Toronto, no Canadá.
Assim como lembra, são projetos de vida que estão se perdendo com esses incêndios criminosos, como o de sua mãe, uma professora próxima de se aposentar e que estava construindo sua casa há dez anos.
As imagens são desoladoras e minha mãe está em choque. É como um pesadelo que a gente acha que vai acordar e tudo vai estar bem. Mas é a realidade", descreve.
"Sem falar nos bosques e animais que também foram queimados", completa Clara que, antes voltar para a Argentina na semana que vem para ficar com a família, lançou uma campanha de arrecadação para reconstrução da casa da mãe.
A reportagem conversou também com Nicolás Dagostini, chefe da área técnica do SPLIF (Servicio de Prevención y Lucha Contra Incendios Florestales) em El Bolsón, que explica que nunca tinham visto uma situação desoladora como essa na região.
"No que se refere ao combate ao incêndio, foi um ano muito intenso", explica.
Assim como contou em gravações de áudio, na localidade de Lago Puelo, perto de El Bolsón, o fogo avançou a uma velocidade de 50 metros por minuto em uma área com muitas casas em meio a florestas. "É algo que nos deixa sem muita margem de ação", descreve o técnico.
Cidades dos arredores, como El Maitén, se encontram isoladas pelo fogo, sem luz, gás e comunicação via internet.
O boletim divulgado pelo SNMF (Servicio Nacional de Manejo del Fuego), no dia 11 de março, informava que até aquele momento seis províncias tinham focos de incêndios ativos, entre elas Río Negro, cuja cidade turística mais povoada é San Carlos de Bariloche.
Só em Chubut, um das províncias com maior registro de queimadas, 107 brigadistas atuavam na região com o apoio de caminhonetes, aviões hidrantes e um helicóptero, impossibilitados de decolar devido às condiciones climáticas.
Fim da temporada
Já não bastasse a pandemia de coronavírus que já vinha castigando o turismo na Argentina, essa região patagônica também viu seus empreendimentos turísticos desaparecerem com o fogo.
No Parque Aéreo Kona, um complexo de ecoturismo com tirolesa e arvorismo, em Las Golondrinas, na província de Chubut, 85% do empreendimento foi consumido pelo fogo, sobretudo por conta da estrutura de madeira dos circuitos.
Tudo ao redor está queimado, só ficaram de pé os troncos das árvores e nada mais", lamenta Guillermo Ferrer.
O proprietário do parque conta que tudo aconteceu muito rápido e só tiveram tempo de retirar algumas coisas dali. "Cerca de 250 casas e empreendimentos turísticos foram queimados. Fazia mais de dois meses que não chovia na região".
"Vamos ver se poderemos recomeçar", finaliza Ferrer.
"É preciso voltar a nos reconectar com a natureza. Precisamos plantar mais árvores e voltar à terra", alerta Clara Davel.
Fogo intencional
Para Nicolás Dagostini, a dimensão dos incêndios na Patagônia se deve às condições meteorológicas extremas deste ano marcado por seca, baixa umidade e temperaturas altas que, com qualquer foco de calor, facilitam a propagação do fogo.
Como lembra Clara, a cada temporada de verão, a população "fica em alerta e com o coração na boca".
Segundo informou via Instagram o ministro do Meio Ambiente da Argentina, Juan Cabandié, sete áreas diferentes incendiaram ao mesmo tempo. "Infelizmente, os especialistas da região disseram que o fogo é intencional e quem fez isso sabia muito bem como fazê-lo".
De acordo com a imprensa local, o novo incêndio já consumiu mais de 1.400 hectares e teve início nos arredores de El Bolsón. Os crimes teriam ocorrido apenas dois dias depois de outros focos terem sido controlados em Cuesta del Ternero.
Dagostini lembra que as queimadas anteriores nesse setor rural de Bariloche, na província de Río Grande, foram causadas por negligência de um grupo que fez churrasco, em janeiro deste ano, e não apagou o fogo corretamente, queimando cerca de cem mil hectares.
"As investigações ainda estão abertas e falta provar quem são os responsáveis para então atuar [com multas ou prisão]", explica.
Assim como explica o SNMF, 95% dos incêndios florestais provêm de ações humanas, como fogueiras, bitucas de cigarros e preparo da terra para pastagem.
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