Marca leva ao mundo outra face do Brasil: "Somos mais que estampa tropical"
Enquanto pesquisava a identidade brasileira para o seu trabalho de conclusão de curso no Instituto Europeu de Design (IED), em São Paulo, Airon Martin entendeu a si mesmo. O avô materno negro e os avós paternos de ascendência europeia faziam parte da sua miscigenação, mas não só dele, como de todo o Brasil. A busca deu origem então à Misci, marca brasileira de design que engloba desde o vestuário até o mobiliário.
De Sinop, cidade no interior do Mato Grosso, o jovem de 28 anos foi eleito pela Forbes como um dos nomes mais promissores na "Under 30", lista que destaca os profissionais de destaque abaixo dos trinta anos.
"Cresci em uma família só de mulheres", conta ele em entrevista para Nossa. "Sempre tive essa criação voltada para moda. Sobre se arrumar e a 'montação'. Acho que até de excesso. Desde pequeno estive ao lado delas o tempo inteiro e descobrindo a importância das roupas".
A cultura ainda machista à época fez com que Airon se afastasse do desejo de trabalhar com o design: "Eu nunca pude falar que eu queria trabalhar com moda. Imagina, profissão de homem não é trabalhar com moda", diz ele ao reproduzir alguns dos discursos que o cercavam.
Seu trajeto foi outro: começou a cursar Direito, abandonou a carreira e se mudou para Buenos Aires, na Argentina, para se tornar médico: "Minha família esperava de mim é que eu fosse doutor", brinca.
O percurso cheio de curvas acabou então levando-o até a sua paixão inicial.
"Eu morava no bairro de Palermo. Lá, eu tinha muito contato com lojas de mobiliário de design. Sempre fui encantado por madeira, decoração e moda, por causa da minha criação", relembra.
Engatilhado pelo próprio passado, Airon decidiu largar tudo e se mudar para São Paulo, onde passou a cursar design, em 2014.
"Eu precisava me manter, não tinha o luxo só de estudar", conta. "Estudava de manhã e a tarde eu trabalhava numa loja de rua, de mobiliário brasileiro, recomendada por um professor da faculdade".
A Misci então foi o projeto escolhido por ele para o TCC. Nele, o mato-grossense criou uma abordagem de materialização através do design, apropriando-se das roupas e dos móveis para fazer isso.
"Me incomoda muito o que a gente tem como estética nacional vista pelo mundo afora. A minha pesquisa é mais profunda, quando a gente mistura formas e materiais".
O design vai além da estampa tropical, o Brasil merece ser reconhecido lá fora pela nossa verdadeira diversidade".
A Misci além da moda
A label brasileira estreou em 2020 no São Paulo Fashion Week. No entanto, nas palavras do criador, ele prefere não ser intitulado como uma "marca de moda".
"Moda pra mim, nasce da falta de recursos. Eu comecei a marca com poucos recursos, mas não sou eu quem diz que faço moda ou não. É a sociedade", opina.
Não tenho a pretensão de falar que faço moda, porque o termo em si significa mais do que a gente reconhece hoje. Prefiro dizer que faço design".
Uma das peças que traduz isso é o blazer produzido com 100% lã nacional e ilustrado pela artista plástica Paula Scavazzini. Nessa colaboração a artista ilustrou sua visão em relação ao processo criativo da coleção "Brasil Impúbere" apresentado na semana de moda de São Paulo.
"Essa peça é muito especial, diz muito sobre a marca e sua a própria evolução", opina.
Já o restante das peças, que priorizam os tons neutros e o uso da alfaiataria, têm como objetivo ser algo que "não é de modinha".
"Acredito muito em projetos objetivos, sem excesso. Tem desde a peça mais elaborada de design, para quem gosta de algo mais complexo, mas no geral, é uma coleção objetiva. O mesmo produto cumpre várias funções".
O reconhecimento do Brasil
Airon comenta durante a conversa que muitos dos seus clientes dizem que sua loja, localizada no bairro de Pinheiros, em São Paulo, parece "gringa". O elogio (visto sob a perspectiva destes) é, na opinião do designer, uma consequência da desvalorização da cultura nacional — a qual ele carrega em seu trabalho desde o começo da carreira.
"Toda essa questão de valorizar o que é nosso é político para Misci", comenta. "Falta valorização do próprio consumidor brasileiro com nossos produtos. Muita gente acha que eu fico feliz da marca ser reconhecida pelo gringo, mas é porque algumas delas não reconhecem a riqueza que nosso país tem".
Temos muitos clientes gringos, pois a Misci é uma marca que fala do Brasil como as outras não costumam falar."
Com 40% do faturamento na loja on-line, um dos maiores desafios para a marca atualmente, ainda mais em tempos de pandemia, é a falta de incentivo da produção de matéria-prima nacional.
"A gente se vira como pode", comenta. "No Brasil, como um geral, nós exportamos muitos produtos que também são feitos aqui. Com matérias-primas que possuímos. Isso é consequência da nossa política econômica, em que temos um governo que vive de commodity".
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