Moçambicana viaja por raízes africanas no Brasil e exalta luta antirracista
A moçambicana Chelsea Zualo, de 27 anos, chegou ao Brasil em fevereiro de 2020, com a intenção de curtir o Carnaval e turistar por aqui por três meses. A visita ao país era parte de uma grande viagem pelo mundo, que também incluiria visitas à Argentina, a destinos da Ásia e diversas nações do continente africano.
Em março do ano passado, porém, tudo mudou por causa da pandemia. "Chegou um momento em que não consegui mais sair do Brasil e acabei ficando", conta ela, que já está no país há mais de um ano.
Esta parada forçada fez com que Chelsea tivesse tempo para entrar em contato profundo com as heranças africanas que marcam as paisagens, a cultura e a história do território brasileiro, estabelecendo pontes com suas origens em Moçambique e se surpreendendo com aspectos do universo afro-brasileiro que ela não conhecia.
"Fiquei dez meses na Bahia e tive a chance de participar de eventos de candomblé", relata ela, já versada no vocabulário da religião.
Na ilha de Itaparica, ganhei um presente muito lindo, que acredito que tenha vindo dos orixás. Consegui vivenciar uma festa de Iemanjá. Por causa da pandemia, não foi uma festa normal. Mas o pessoal fez suas oferendas e houve a dança das mulheres do candomblé com seus vestidos lindos".
Chelsea conta que todo o evento "foi muito bonito, pois pude sentir a energia desta celebração de matriz africana e da conexão com minhas tradições. Itaparica é um espaço muito preto. Me senti bem, pertencente, em casa".
A moçambicana também diz que interagiu com uma mãe de santo durante um pequeno encontro no dia de Cosme e Damião. "Foi uma cerimônia linda, onde ajudei na preparação da comida. O candomblé é algo muito próximo da minha cultura".
Quilombos e favelas
Chelsea conta que muitos moçambicanos não conhecem detalhes da cultura e história afro-brasileira. Ela, porém, já havia tido algum contato com este universo no passado, por causa da curiosidade que sempre nutriu pelo Brasil.
Entretanto, com sua longa permanência no país causada pela pandemia, ela pôde ir mais longe.
Um dos lugares que visitou, por exemplo, foi a Serra da Barriga, em Alagoas, região que abrigou o Quilombo dos Palmares e onde conheceu detalhes sobre a vida de Ganga Zumba. "Aprendi que este foi um dos maiores pontos de resistência de pessoas negras na diáspora", relata.
Além disso, na Bahia, a moçambicana passou na região na qual fica a chamada Rota da Liberdade, onde existem comunidades quilombolas — e, mesmo não podendo visitar estes locais por causa da pandemia, aprendeu sobre suas histórias.
E estas experiências lhe proporcionaram uma interpretação crítica para uma das imagens mais presentes nas grandes cidades brasileiras.
Para mim, as favelas brasileiras representam os novos quilombos. São espaços ocupados majoritariamente por pessoas pretas e onde existe uma forte rede de apoio entre os membros da comunidade", opina ela.
"O Brasil precisa olhar de forma humana para estes espaços, para que não sejam lugares unicamente de sobrevivência, mas que tenham melhores condições de vida".
Com seu olhar estrangeiro, Chelsea também afirma que, "no Brasil, o racismo existe. As pessoas tentam esconder, mas existe. Mas vejo que, no país, há um importante movimento de pessoas pretas lutando contra o racismo, o que para mim é fonte de inspiração".
Pajés e praias
Em suas andanças pelo Brasil, a moçambicana teve também acesso à cultura da capoeira — e, ao mesmo tempo, viveu experiências de viagem que foram além do universo afro-brasileiro.
Chelsea visitou locais com forte presença indígena, conhecendo, por exemplo, uma comunidade kariri-xocó em Porto Real do Colégio (AL), na qual passou uma semana — e onde aprendeu quem são os pajés.
Ela já explorou, também, alguns dos destinos litorâneos mais célebres do Nordeste, como a Praia do Forte (BA), Maragogi (AL), São Miguel dos Milagres (AL) e Maceió (AL) — e, atualmente, está em Salvador (BA).
Além disso, conheceu o rio São Francisco e circulou por Minas Gerais, onde se encantou com as cachoeiras da Serra da Mantiqueira.
E, mesmo estando há tempo longe de Moçambique, ela se sente em casa no Brasil.
A água quente de Maceió lembra muito a das praias moçambicanas. Já a comida baiana é um acesso às culturas africanas. E, na Bahia, as pessoas são comunicativas, alegres e afetuosas como em meu país. Temos muitas coisas em comum", avalia.
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