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Tênis com sangue humano às cruzes fashion: quando a moda provoca a religião

Lil Nas X lançou tênis feito com sangue humano em colaboração com coletivo de arte que, há alguns anos, disponibilizou sneaker com água benta. Onde a moda e a religião se misturam? - Divulgação
Lil Nas X lançou tênis feito com sangue humano em colaboração com coletivo de arte que, há alguns anos, disponibilizou sneaker com água benta. Onde a moda e a religião se misturam? Imagem: Divulgação

Gustavo Frank

De Nossa

05/04/2021 04h00

LIl Nas X está prestes a frentar uma luta judicial contra a Nike depois de lançar o sneaker 666. O "tênis de satanás", como foi apelidado pelo rapper e o coletivo de arte MSCHF, contém gotas de sangue humano misturadas à tinta vermelha na sola acolchoada com bolhas de ar.

O modelo traz ainda referência ao versículo bíblico Lucas 10:18: "Então ele lhes disse: 'Vi Satanás cair do céu como um raio'."

Lil Nas X na divulgação do tênis feito em colaboração com MSCHF - MSCHF - MSCHF
Lil Nas X na divulgação do tênis feito em colaboração com MSCHF
Imagem: MSCHF

Polêmico por si só, o tênis faz parte da divulgação da nova música lançada pelo cantor, "Montero (Call Me By Your Name)", em que o rapper aparece escorregando por um poste de stripper do céu ao inferno — o que, segundo ele, é uma crítica à opressão da igreja contra a comunidade LGBTQI+, a qual ele pertence.

O tênis não é exclusivo por brincar, se cabe aqui essa palavra, com elementos sagrados.

Ao contrário das ferrenhas críticas contra Lil Nas X, a Nike não se envolveu contra o MSCHF quando, em 2019, o coletivo lançou o "Jesus Shoes". Esse cruzou um caminho inverso ao do rapper. Em vez de fazer uma referência ao inferno e o diabo, prestou uma homenagem a Deus, com direito a crucifixo dourado amarrado no cadarço e água benta na sola com o Nike Air Max 97.

"Jesus Shoes", lançado pelo coletivo MSCHF em 2019 - MSCHF  - MSCHF
"Jesus Shoes", lançado pelo coletivo MSCHF em 2019
Imagem: MSCHF

A ideia, como foi anunciada no seu lançamento, era com que seus clientes se sentissem abençoados caso desembolassem 2,7 mil euros, cerca de R$ 14 mil.

Apesar de todas as contradições, as duas peças têm algo em comum: bastou minutos para que se esgotassem das prateleiras on-line.

A moda nada cristã

Assim como não é novidade os tênis navegarem sobre esses mares que se dividem ao meio, não é inédito também que a moda seja usada como artifício para questionar os valores cristãos.

Madonna em "Like a Prayer" (1989) - Reprodução - Reprodução
Madonna em "Like a Prayer" (1989)
Imagem: Reprodução

Na década de 80, Madonna se tornou um dos nomes indesejados da igreja depois de lançar o videoclipe "Like a Prayer" com o colar de uma cruz, ao mesmo tempo que as queimava — além de rezar para um santo negro. Outro ponto era o vestido preto e decotado que deixavam as pernas de fora.

"Se você seguir os princípios da religião, existe algo sobre mostrar lingerie, usar lingerie como roupa exterior, o que é muito pecaminoso de alguma forma. Ela estava brincando e empurrando esse limite", opinou a figurinista do clipe "Like a Prayer", Marlene Stewart, em entrevista à Vogue, publicada em 2018.

O que é certo e errado?

Publicidade da coleção de Jean Paul Gaultier inspirada em freiras - Reprodução - Reprodução
Publicidade da coleção de Jean Paul Gaultier inspirada em freiras
Imagem: Reprodução

Na moda, essa resposta pode ser controversa. Enquanto os críticos descreveram a coleção inspirada em freiras de Jean Paul Gaultier, do final dos anos 1980, como "chocante e de mau gosto", designer como Gianni Versace, Dolce & Gabbana e Alexander McQueen foram enaltecidos por levar o divino as suas roupas.

O trabalho de McQueen inclusive ganhou destaque na exposição "Heavenly Bodies: Fashion and the Catholic Imagination", uma das maiores no Met.

Em Dante, como foi nomeada a coleção, retratou-se uma visão alegórica da vida após a morte com a seguinte e polêmica afirmação do estilista: "Acho que a religião causou todas as guerras do mundo, e é por isso que mostrei em uma igreja".

As peças traziam jaquetas de ouro desconstruídas, corpetes lilases, cocares de chifre, brincos de garra de pássaro e máscaras cobertas de crucifixo. McQueen também usou uma máscara com a figura de Cristo crucificado, pertencente ao seu amigo e fotógrafo Joel-Peter Witkin.

Alexander McQueen | Dante - Getty Images - Getty Images
Alexander McQueen | Dante
Imagem: Getty Images
Alexander McQueen | Dante - Getty Images - Getty Images
Alexander McQueen | Dante
Imagem: Getty Images

Esse espetáculo é visto por muitos hoje como o responsável por alavancar a carreira do artista no universo da moda.

Entre a cruz e a Chanel

Coco Chanel em registro feito com a estilista usando os braceletes Chanel-Verdura - Reprodução - Reprodução
Coco Chanel em registro feito com a estilista usando os braceletes Chanel-Verdura
Imagem: Reprodução

Na década de 1930, a grife francesa Chanel deu à luz uma de suas coleções mais memoráveis, feitas em colaboração com Fulco Santo Stefano della Cerda, duque de Verdura.

Os braceletes eram esmaltados com cruzes de Malta adornadas com joias coloridas as estampavam. Essa cruz, ao longo do tempo, se tornou uma das marcas registradas dos designs de joias da Chanel. Inúmeras fotografias inclusive mostram a própria Coco Chanel usando-os.

Braceletes Chanel-Verdura - Reprodução - Reprodução
Braceletes Chanel-Verdura
Imagem: Reprodução

Como resultado, os acessórios Chanel-Verdura proporcionaram aos consumidores uma forma sofisticada de exibir simultaneamente moda e religião.

Até hoje, repórteres de moda continuaram a mencionar a influência de Chanel no reino das joias, especialmente o uso da cruz de Malta. Em 1988, a coleção do estilista Yves Saint Laurent foi vista pela mídia como "uma homenagem inconfundível a Chanel", já que as joias que adornavam seus modelos incluíam cruzes de Malta.