A ciência por trás do dry aged, maturação que dá à carne maciez e sabor
Com o objetivo de ressaltar qualidades como maciez e sabor, o envelhecimento a seco, conhecido como dry aged, é capaz de elevar um corte ao status de iguaria.
Não à toa, o processo ganhou fãs ao redor do mundo. Açougues que fazem a técnica in loco colocam suas câmaras de maturação para dar as boas-vindas aos clientes na fachada da loja e restaurantes que servem a pedida endossam o marketing sempre que podem, do cardápio às redes sociais.
O coordenador do Laboratório de Ciência da Carne da Unesp de Botucatu-SP, Luis Chardulo, e o churrasqueiro Henrique Okuda, fundadores do curso online e gratuito "Diário de um dry aged", contaram a Nossa a ciência que está por trás da maturação e adiantaram aspectos sensoriais, químicos e físicos que poderão serão analisados dia a dia, ao longo de um mês, no workshop da dupla.
Da rigidez à maciez
Por mais fresca que uma carne seja, ela tem que passar um período de descanso antes de estar pronta para o consumo. Por conta do fenômeno "rigor mortis", os músculos do gado levam de 5 a 20 horas para entrar num processo natural e contínuo de decomposição.
A ideia é alcançar a aparência e a textura da carne como conhecemos e compramos no mercado. Partindo desse princípio, frigoríficos, açougues, restaurantes e boutiques de carnes passaram a descansar mais a carne e a usar a espera a favor do nosso paladar.
Esse tempo extra é a tal da maturação, ou do envelhecimento.
"O mercado entende como carne maturada o animal que cumpre no frigorífico um descanso médio de 12 dias para depois ser embalado e levado aos pontos de venda", explica Henrique.
Geralmente, matura-se cortes de alto valor agregado para fazer o trabalho valer a pena financeiramente. Com base nessa lógica, as peças escolhidas são retiradas do contrafilé, o corte dos cortes.
Maturação úmida: carne isolada
O envelhecimento é feito de duas formas principais. Na chamada maturação úmida, a carne é embalada a vácuo. "Ela fica embalada em filme plásticos impermeáveis a água e gases, longe de influências do ambiente externo e retém o suco", explica Luis.
Henrique completa: "isso permite que as enzimas naturais da carne degradem algumas proteínas que se contraíram no rigor mortis. Como resultado, amacia a carne".
Segundo Luis, a técnica tem um prazo máximo de 30 dias. ""Depois disso os ganhos são muito pequenos, ficando apenas as perdas".
Dry aged: carne em reação com o ambiente
A segunda maneira de maturar a carne é a seco. A técnica tornou-se conhecida pela expressão em inglês, dry aged. Ao contrário da úmida, em que a carne é isolada, a maturação a seco presume a troca e a transformação pelo ambiente.
Funciona assim: após serem retiradas do animal, as peças são colocadas numa câmara fria onde determinam-se três variáveis — umidade, temperatura e ventilação . Tudo é estipulado por especialistas de acordo com o que eles esperam obter como resultado.
Há experimentos que duram mais de 160 dias. O processo mais comum comercialmente, porém, é de 30 dias. O tempo é suficiente para que haja as mudanças esperadas e a melhora do produto.
"A primeira alteração que identificamos é a desidratação e a diminuição em tamanho e em peso. A carne perde água e massa ao equilibrar a concentração com o ambiente externo", explica Luis.
Em comparação a maturação úmida, a carne maturada a seco tem a tendência de perder mais água, chegando a 30-35% do seu peso inicial. Por isso, empresas dão preferência para peças com osso, que ajuda a manter o formato do corte.
Outra mudança previsível está na coloração. Conforme passa o tempo, a carne fica cada vem mais escura pela oxidação das proteínas.
"Na superfície da peça, ocorre ainda a fermentação das moléculas pelo processo oxidativo. Não há bactérias patogênicas e a ação vai diminuindo a medida que a carne perde água", diz Luis.
O que fica na carne é o produto delas: moléculas saborizantes que dão à pedida um sabor único.
Quando a maturação dura mais tempo, nota-se com mais facilidade o resultado de um processo mais lento, o da oxidação da gordura. "É o que chamamos de rancificação. Tem sabor e aroma característicos".
Quanto mais esse processo ocorre, menor é a aceitação geral. Torna-se um produto de nicho".
Todas essas reações químicas e físicas acontecem de fora para dentro. É por isso que, na aparência, um dry aged apresenta casca grossa e escura.
Na hora do consumo, no entanto, o corte passar por uma limpeza. O que é servido à mesa é a parte de dentro: uma carne ainda vermelhinha, mas que ganhou toda a complexidade do processo
Impulso para o gado brasileiro
O dry aged ainda é iguaria inacessível para a maioria da população. Mas isso não significa que o investimento na área é apenas uma forma de alimentar esse prestígio e mantê-lo restrito.
Uma forma de ampliar o acesso é ganhando escala. No Brasil, o processo é feito mais ao fim (terceiro setor) do que no começo da cadeia (indústria). Segundo os especialistas, nos Estados Unidos o processo já é usado nas fábricas como uma forma de melhorar o sabor de animais de menor valor comercial.
Na produção brasileira, onde o gado Nelore não tem a mesma propensão natural para alcançar o marmoreio (gordura entremeada extremamente valorizada) das raças britânicas, a técnica pode ser uma mão na roda para ganhar mercado:
"As subespécies de gado foram selecionadas por centenas de anos de forma diferente. Isso significa que, por melhor que seja a genética, nutrição e bem-estar que você dê ao animal, a quantidade de gordura que ele produz tem um limite determinado pela raça. O dry aged pode ser uma técnica para dar mais sabor aos animais de pasto que são confinados por menos tempo", coloca Luis.
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