Talento e diligência: como chefs brasileiros conquistam paladares de fora
A cozinha brasileira conquistou um significativo prestígio internacional. Nossos chefs deram a cara para mostrar ao mundo o valor da nossa cultura gastronômica. Participamos de simpósios respeitados, trouxemos pessoas com grande representatividade para mostrar nossas receitas e até estampamos capas de revistas como a "Time" (como mostra esta capa, com Alex Atala, em 2013) e do maior jornal do mundo, o "The New York Times" (em matéria direto de Belém, em 2014).
Agora, muitos chefs brasileiros começam a trilhar um caminho que pode tornar nossa culinária ainda mais valorizada lá fora: ao abrirem restaurantes e ocuparem cargos de prestígio em cozinhas no exterior, colocam a nossa gastronomia em um novo patamar a nível global.
Portas abertas
Agraciado com a segunda estrela no famoso guia Michelin — considerado uma referência na gastronomia mundial — o DaTerra, em Londres, tem como sócio e chef um paulistano de origem que trilhou uma carreira de sucesso na Inglaterra.
Rafael Cagali deixou sua São Paulo natal há 18 anos para estudar, e encontrou na gastronomia sua vocação. "Acho que a Europa abriu portas para mim que eu não conseguiria no Brasil", diz ele.
Depois de ter trabalhado em cozinhas de restaurantes muito renomados internacionalmente, como Quique Dacosta e The Fat Duck, ele decidiu que era hora de empreender um projeto próprio.
Com o cozinheiro e sócio argentino Paulo Airaudo, ele inaugurou o DaTerra em 2018 que, em apenas oito meses, conquistou a primeira estrela Michelin.
Por ser um continente mais antigo, há uma consolidação de cozinhas multiculturais na Europa, algo que permitiu um projeto como o nosso prosperar", acredita.
Inspiração latina
O restaurante de alta cozinha serve receitas com inspirações na América Latina com alguma influência italiana, seguindo as raízes dos dois sócios. "Busco trazer alguns sabores brasileiros familiares, ainda que não tenhamos tantos ingredientes disponíveis. Mas muito das minhas receitas são reflexo da minha origem", afirma Cagali.
Por Londres ser uma cidade muito cosmopolita, o chef diz não sentir o peso de ser um estrangeiro ali. "Aliás, só vejo o fato de não ser nativo com bons olhos. Sinto que tenho um desafio pessoal de me provar ainda mais, ser mais produtivo, o que me dá mais força para as conquistas serem maiores", afirma.
Isso não significa que o DaTerra, por exemplo, não pudesse ter uma unidade em São Paulo — "nunca se pode descartar nada" —, mas na Europa ele acredita que o interesse maior por essa diversidade de sabores ajudou a estabelecer o restaurante.
"Não tenho dúvida que a receptividade pelos cozinheiros brasileiros tem aumentado muito nas cozinhas profissionais, um reconhecimento do talento brasileiro que começou com chefs como Alex Atala e outros que abriram as portas para nós", acrescenta.
Interesse pelo Brasil
Marcelo Ballardin, que comanda o OAK, restaurante contemporâneo na cidade de Gent, na Bélgica, concorda. Para o chef, que saiu do Brasil quando tinha 17 anos, o bom trabalho feito pelos cozinheiros do país tem despertado interesse no exterior e criado um movimento de descoberta do que há no Brasil.
"Tem muito chef estrangeiro que está muito curioso para conhecer nossos produtos e expandir seu uso pelo mundo todo.
Você pode ver que o açaí, por exemplo, já está ficando muito conhecido e isso é um reflexo do reconhecimento da culinária brasileira no mundo", ele defende.
Original de Manaus, onde a diversidade dos ingredientes vêm das frutas da Amazônia e de muitas receitas com descendência dos índios, Ballardin diz que está mais interessado em usar produtos brasileiros nas suas receitas.
"Eu não trabalho com culinária brasileira, mas voltei do Brasil cheio de ideias pro novo cardápio. Tenho certeza que por aqui muita coisa irá mudar nesse sentido de abertura, de descoberta", aposta o chef.
Sem cruzar os braços
Para Ballardin, o fato de ser brasileiro também ajuda muito na forma de lidar com o cotidiano do restaurante, mesmo em um país com uma cultura tão distinta como é o caso da Bélgica. De acordo com ele, os brasileiros já nascem em meio a muitas dificuldades e sempre encaram isso muito bem.
"Eu acho que a determinação da maioria dos brasileiros é um grande diferencial. Nós normalmente nunca temos tempo ruim pra nada", afirma.
Foi justamente esse espírito de diligência que ajudou o chef Pedro Forato a aceitar um desafio para assumir uma cozinha profissional em Lisboa. Arquiteto de formação, ele largou um emprego nos EUA para fazer um estágio no Brasil e descobrir se sua paixão estava mesmo na cozinha.
Quando percebeu que era isso que queria fazer da vida, ele decidiu estudar na Le Cordon Bleu, uma das mais respeitadas escolas de gastronomia do mundo, e veio a oportunidade de ir para Portugal, já como chef. Forato não pensou duas vezes.
A questão financeira
"Eu sempre tive essa vontade de morar e trabalhar fora, explorar o mercado e os produtos de outros países e culturas, e depois de trabalhar em restaurantes brasileiros, essa vontade só aumentou, principalmente devido à desvalorização da profissão no Brasil", afirma ele, que hoje está a frente do Prado Mercearia, um dos espaços mais populares de Lisboa.
Para o chef, o principal fator foi a questão financeira.
Não que eu ganhe uma fortuna em Portugal, muito pelo contrário. Mas trabalhando como um cozinheiro tenho uma estabilidade e uma condição que jamais teria no Brasil. Lá, eu recebia um salário que mal dava para pagar o aluguel", explica.
Outro ponto que muitos chefs apontam é a possibilidade de explorar o mercado e os produtos de outros países e culturas. Para Ivan Brehm, do premiado Nouri, em Singapura, estar na Ásia o permite uma exposição a ingredientes e influências únicas, algo que tem determinado seu cardápio multicultural.
"É uma cidade afluente mas emergente no contexto gastronômico, e ao mesmo tempo, incrivelmente rica em tradições culinárias. As sementes que plantamos aqui realmente impulsionam a gente para o mundo", diz o chef nascido em São Paulo.
Maior talento nacional
Brehm também acredita que o aumento da presença do cozinheiro brasileiro na gastronomia mundial está muito mais relacionada ao crescimento do talento nacional e menos a uma ideia de receptividade do resto do mundo.
Hoje formamos mais cozinheiros do que nunca em nossa história e é natural que essa presença seja sentida no mercado estrangeiro. Como sempre, infelizmente transparece a dificuldade que temos em reconhecer e encorajar o talento nacional", ele diz.
"Estamos no Michelin [o Brasil é o único país da América Latina a ter uma edição do guia francês], temos centros de pesquisa, palestramos ao redor do mundo, mas o interesse do nosso próprio país no nosso trabalho ainda é bem incipiente", defende. "Quem sabe isso não muda logo", espera. Ao que exemplos como o dele indicam, já está mudando.
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