Viajante faz peregrinação de 200 km entre paisagens da Serra Gaúcha
Marina Storch (@mudeiarota), de 37 anos, gosta de realizar longas caminhadas. Ao longo de sua vida, a viajante já fez o Caminho de Santiago, encarou o trekking até o Campo Base do Everest e percorreu a trilha para Machu Picchu.
Em março deste ano, ela completou, sozinha, a rota de peregrinação no sul do Brasil: os Caminhos de Caravaggio, que oferecem um percurso de aproximadamente 200 quilômetros entre o Santuário de Caravaggio, da cidade gaúcha de Canela, e o santuário homônimo do município de Farroupilha, também no Rio Grande do Sul.
É um percurso novo, que ainda não fez dois anos e que pouca gente conhece. E eu já havia visitado a Serra Gaúcha há muitos anos e imaginei que as paisagens deste caminho fossem me surpreender", diz Marina.
A viajante estava certa: em sete dias, ela caminhou entre horizontes marcados por montanhas, bosques, plantações de morango, vinícolas e um lindo rio, passando por tradicionais vilarejos gaúchos e se vendo completamente sozinha no meio da natureza.
"Comecei a caminhada no santuário de Canela e, até chegar a Gramado, passei por muitas paisagens urbanas, com muito asfalto", lembra.
"Mas, depois disso, comecei a entrar em cidadezinhas e a pegar estradas de terra, com vistas para a Serra Gaúcha e muitas araucárias. Já no meio dos bosques, era só fechar os olhos e escutar a natureza. E me vi no meio de lindas borboletas grandes e azuis, que foram me acompanhando enquanto eu andava".
Os Caminhos de Caravaggio têm sinalização (além de mapas que podem ser baixados pela internet), são embelezados por muitas hortênsias e, em um bosque a cerca de 1 quilômetro de seu trajeto, existe um atrativo que encantou Marina: o Pinheiro Multissecular, com idade estimada de cerca de 1.000 anos e 45 metros de altura, localizado em Nova Petrópolis.
"É um lugar lindo, de paz e meditação, e que tem uma energia inexplicável. Foi muito bom admirar aquele bosque sozinha", afirma Marina.
No percurso, outro lugar que deleitou a andarilha foi o rio Caí, que corta a paisagem da região.
"Em um dia de calor muito forte, pude caminhar na beira deste rio. Depois de andar três horas sob o sol, coloquei biquíni, entrei na água e fiz uma pausa no momento mais quente do dia. É um rio gostoso e com algumas banheiras naturais no meio das pedras, onde sentei e deixei a água correr pelo corpo".
Segundo a viajante, o trajeto também apresenta serras que são difíceis de subir, "mas a vista sempre compensa quando a gente chega lá em cima".
Desafios e conversa com padre
A viajante conta que, via de regra, caminhava entre 20 e 30 quilômetros por dia. Em sua mochila e sobre o corpo, levou itens essenciais para qualquer peregrino, como capa de chuva, roupas impermeáveis, calçados de trilha e garrafas de água.
E, na hora de dormir, Marina ia a hospedarias que existem ao longo dos Caminhos de Caravaggio, que oferecem estadia, jantar (frequentemente feito com receitas italianas típicas dos descendentes de imigrantes da região) e café da manhã.
"E as pousadas estimulam que você pegue o seu lanche de almoço no próprio café da manhã. Então, eu colocava na mochila frutas, pão com queijo e alguma coisa doce para comer na estrada", diz. "No caminho, também me deparei com muitas figueiras e pés de caqui, que eu sempre pegava".
E uma alimentação reforçada é necessária para esta rota de peregrinação gaúcha, pois, além de suas longas distâncias, o trajeto é marcado por trechos íngremes. Marina, inclusive, encarou uma destas subidas sob chuva.
Meus caminhos de peregrinação sempre me entregam chuva quando estou subindo uma serra. Mas, no fundo, prefiro que seja assim. É melhor do que subir a serra suando debaixo de calor. Foi algo desafiador, mas já estou acostumada com isso", conta ela.
Em outra ocasião, um trecho sem sinalização fez com que Marina pegasse um caminho errado, saísse da rota e se perdesse. "Perdi mais de uma hora até perceber que estava errada e começar a voltar", conta. "Andei quase 4 quilômetros a mais por causa disso. Ao todo, andei 38 quilômetros neste dia".
Entre os animais, apareceram em seu caminho uma cobra inofensiva e aranhas. Mas foram cachorros que acabaram por assustá-la.
"Passei por uma comunidade onde havia muitos cachorros soltos. Escutei latidos e, quando olhei para trás, os cães já estavam muito perto de mim. E isso aconteceu em um dia de chuva. Eu estava com a capa de chuva e acho que isso assustou os animais. Não fui mordida, mas fiquei muito assustada".
E a chegada a Farroupilha ainda reservou um grande final.
Ao entrar no Santuário de Caravaggio da cidade, ponto final da peregrinação, Marina foi recebida pelo padre da igreja.
Sentei na salinha dele para conversar. Contei sobre minha experiência na peregrinação e até toquei o sino da igreja. Foi uma experiência bem diferente".
Mesmo afirmando não ter uma religião específica, a viajante aproveitou sua passagem pelos Caminhos de Caravaggio (e pelo santuário de Farroupilha) para orar. "Ao longo do caminho, fui rezando para um amigo que está internado há mais de 75 dias, por causa de um AVC. A cada capelinha pela qual passei, fiz uma reza para ele. E pedi para o padre também orar por este amigo".
E, como acontece com muitos peregrinos, terminar uma longa caminhada deixou nela uma sensação de tristeza.
"A sensação final foi parecida com a de todas as peregrinações que realizei. Bate uma certa frustração quando a gente chega, porque, neste tipo de viagem, o gostoso é o percurso, não chegar ao destino. É uma sensação de vazio saber que não continuarei a caminhada no dia seguinte. Chamo este sentimento de DPP, deprê pós-perê", brinca ela, afirmando já ter planos para próximas andanças.
"Meu sonho é fazer um percurso a pé entre Copenhague, onde tenho passado muito tempo nos últimos anos, e Santiago de Compostela. Provavelmente, serão cinco meses caminhando".
Como percorrer os Caminhos de Caravaggio
Tirando os cachorros agressivos, Marina conta que, em nenhum momento, se sentiu insegura em sua caminhada entre Canela e Farroupilha.
Mas, segundo ela, é preciso tomar alguns cuidados. "Se você estiver só, sempre caminhe com cuidado. Em muitos trechos dos Caminhos de Caravaggio, não há ninguém por perto e, em alguns lugares, meu celular não pegava. Cheguei a ficar umas quatro horas sem ver ninguém", relata ela, dizendo que um pé torcido ou quebrado seria um grande problema.
A viajante também diz que "o peregrino deve estar adaptado ao calçado que vai usar na caminhada. Ele já deve estar amaciado, para que não cause bolhas e dores. Não dá para fazer peregrinação com sapato novo", diz ela.
"Para mim, o calçado ideal são as botas de trilha à prova d'água, porque a gente pega bastante chuva. Já a mochila deve ter uma espécie de cinto chamado barrigueira, para envolver na cintura e fazer com que o peso da bagagem fique também apoiado no quadril, não só nas costas ou nos ombros".
Marina recomenda levar, na viagem, "o mínimo necessário", com roupas leves e de fácil secagem — e, também, itens impermeáveis, com capas de chuva para a mochila e para o corpo, além de boné ou chapéu, óculos de sol, protetor solar, muitos pares de meia (para evitar que o pé fique em contato com excesso de suor) e vaselina (para passar nos pés, evitar atrito e, assim, diminuir a chance de criar bolhas).
Ela fez os Caminhos de Caravaggio saindo de Canela, mas o percurso também pode ser realizado no sentido inverso, começando em Farroupilha.
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