Palácio de Saddam Hussein e muito ouro: casal relembra viagem ao Iraque
Em 2020, Silvana Bueno Refosco e Auber Barreto Refosco (@historiasdaviagem) estavam em uma estação de metrô de Milão e, ao entrar na fila para comprar as passagens, conheceram um iraquiano de origem curda chamado Goran, que se encontrava na Itália por causa de uma viagem de negócios.
"Ele estava completamente perdido e pediu a nossa ajuda para comprar o tíquete. Nós o ajudamos a pegar o metrô e, ali, começou uma grande amizade", lembra Silvana. "Trocamos números de WhatsApp e, a partir de então, o Goran começou a nos convidar sem parar para visitá-lo no Iraque".
Alguns meses depois, os dois brasileiros resolveram aceitar o chamado de seu novo amigo. Eles voaram até a Turquia e, de lá, foram por terra até a fronteira iraquiana.
Goran é nascido e vive no Curdistão, uma região autônoma do país com áreas que não foram tão afetadas pela guerra e que, ultimamente, tem oferecido um ingresso relativamente fácil para viajantes estrangeiros.
"Ele nos disse que era um lugar seguro", relata Silvana. "Da Turquia, entramos diretamente no Curdistão com um ônibus. E tiramos o visto na própria fronteira. Foi bem simples e tranquilo para entrar".
Após o ingresso, o casal passou nada menos do que dois meses dentro do Iraque, em uma viagem que desvendou um outro lado de um país tão constantemente associado a guerras.
Sob 1 quilo de adereços de ouro
O amigo iraquiano convidou o casal para se hospedar por alguns dias em uma abastada propriedade de sua família, no interior do Curdistão. Lá, os brasileiros vivenciaram uma imersão cultural profunda.
Silvana ganhou trajes típicos das mulheres curdas (com longas vestimentas coloridas) e, certo dia, como amostra da estima dos anfitriões, teve seu corpo adornado por nada menos do que um quilo de adereços de ouro, como anéis, pulseiras e colar.
Mas o lugar também era regido por estritas regras do islã.
"A propriedade é uma espécie de vilarejo onde vive apenas a família do Goran, que é muçulmana praticante. E, no local, mulheres e homens ficam constantemente separados", relata a brasileira, dizendo que havia uma parte feminina da casa que os homens, via de regra, não acessavam.
Auber, por sua vez, conseguiu ingressar em algumas alas exclusivamente masculinas da residência, como uma gigantesca sala onde os homens da família e convidados se reúnem para falar sobre negócios e tomar chá.
Apesar de causar um choque cultural, esta separação não impediu que eles se sentissem extremamente acolhidos na casa de Goran, que ainda os levou para passear por belos lugares na região.
Montanhas, cidades e mais hospitalidade
A região do Curdistão tem muitas áreas que sobreviveram à situação de guerra que há anos assola o Iraque.
O casal visitou, por exemplo, a capital do Curdistão iraquiano (Erbil), a antiga cidade de Akre (com uma história que remonta à era pré-cristã), a cidade de Duhok (perto do rio Tigre) e a região montanhosa de Soran. Nestas locomoções, usavam frequentemente táxis, um meio prático e relativamente barato de circular pela área.
E se impressionaram com a sensação de segurança que existe em cidades desta parte do território iraquiano.
"Em diversos lugares do Curdistão, as pessoas ficam na rua até de madrugada. Às vezes, era uma da manhã e as famílias ainda estavam nas praças, com crianças correndo e jogando bola", conta Auber. "E nunca mexeram com a gente enquanto caminhávamos pelas ruas de lá".
A gente podia sair a qualquer horário do dia e da noite e tinha a sensação de que nada ruim iria nos acontecer. Nos sentimos muito mais seguros do que no Brasil", afirma a Silvana.
E a hospitalidade dos curdos não foi demonstrada apenas pelo amigo Goran.
Quando ainda estavam em uma fila da fronteira, os brasileiros bateram papo com outro rapaz curdo, que se apresentou como Alex — e que rapidamente os convidou para se hospedar em sua casa na cidade de Erbil.
Segundo Silvana, "isso acontece frequentemente nesta região do mundo. Você começa a conversar com alguém e a pessoa, vendo que você é turista, já te chama para se hospedar na casa dela. Os curdos são muito generosos e hospitaleiros".
O casal aceitou o convite e, quando chegou à cidade, dormiu gratuitamente na casa do rapaz, que ainda levou os dois para passear.
Além da economia com hospedagem, a região oferece muita coisa barata para os turistas. "Nos mercados, conseguíamos comprar um quilo de frutas ou legumes por cerca de 1 dólar. Já nos restaurantes, havia refeições custando, em média [e na conversão], R$ 13", calcula Silvana.
Presença da guerra
Porém, mesmo com tantas boas experiências, a guerra se faz presente nesta área do Iraque.
O casal, por exemplo, visitou um antigo palácio de Saddam Hussein que foi construído no Curdistão — e que, hoje, está em ruínas. Os dois caminharam pelos dilapidados interiores do que costumava ser uma suntuosa edificação e sentaram em um balanço que foi colocado no alto da construção.
Estar ali nos deixou mais perto das histórias de guerra do Iraque. Entendemos coisas que víamos apenas pela televisão", conta Silvana.
E, se muitas cidades do Curdistão propiciam sensação de segurança, há áreas mais remotas da região que ainda oferecem perigo.
Para ir até o antigo palácio de Saddam, por exemplo, que fica em uma região montanhosa mais afastada, o casal passou por uma estrada que se estende entre campos com minas terrestres.
Em outro dia, os brasileiros foram a um lugar da cidade de Duhok conhecido como "Casa de Chá dos Mártires", um estabelecimento com as paredes forradas de fotos de curdos que morreram combatendo o Estado Islâmico nos últimos anos.
"É uma exaltação a quem os curdos consideram verdadeiros heróis de guerra, em uma memória que está muito presente na região. A Casa de Chá é um ponto de encontro para familiares destes soldados mortos, que se reúnem no local para conversar sobre estes entes queridos. Foi uma das experiências mais tocantes que tivemos no Curdistão", afirma Silvana.
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