Ele e a família viveram isolados em ilha deserta: "Foi um choque voltar"
Nos anos 1970, o escocês Ron Falconer construiu seu próprio veleiro e, alguns meses depois, caiu no mar: com a embarcação, ele navegou, sozinho, para distantes lugares do mundo, como a África, a América Central e a Polinésia Francesa. "Sempre gostei de ficar isolado. E, com o barco, percebi que podia ir para onde eu quisesse", conta.
A vontade de viajar, o desejo de fugir do mundo moderno e a atração que sempre sentiu por lugares de natureza fizeram Ron adotar uma vida que, para boa parte da população, só pode existir em livros e filmes de aventura.
Em 1987, quando morava na Polinésia Francesa com esposa Anne e dois filhos pequenos Alexandre e Anaïs, ele descobriu, no oceano Pacífico, uma ilha completamente desabitada, conhecida internacionalmente como Caroline Island.
Resolvemos nos mudar para este pedaço de terra despovoado e construir uma vida em total isolamento. E acabamos ficando quase quatro anos por lá", relata ele.
Ao aportar em Caroline Island, a família teve que, imediatamente, se comportar como uma expedição de desbravadores de um mundo selvagem. O local era só mato, areia e com o horizonte marcado pela imensidão do oceano Pacífico.
"Construímos uma cabana com madeira e folhas de coqueiro. E começamos a descobrir onde estavam os alimentos na ilha", conta Ron, que, durante suas navegações solitárias pelo mundo, já havia aprendido técnicas de sobrevivência.
Entre caranguejos gigantes e tubarões
A família rapidamente se adaptou à sua nova realidade. Descobriu que, na ilha, havia uma grande quantidade de caranguejos gigantes, fáceis de caçar. "Quando confrontados, estes caranguejos congelam. Então eles são fáceis de pegar, além de terem um sabor muito bom", conta Ron. "Mas suas garras gigantes podem quebrar um dedo".
Neste começo de vida em Caroline Island, eles também comiam cocos, construíram um sistema para coletar água da chuva e começaram a plantar alimentos com sementes que trouxeram no veleiro. E, logicamente, iam ao mar para buscar refeições.
Anne, uma francesa criada na cidade, rapidamente provou ser uma exímia pescadora. "Eu ficava com as crianças e, pelas manhãs, ela saía para pescar. Ela usava linhas com anzol e, às vezes, lanças de madeira. Voltava para casa cheia de peixes", lembra o escocês.
Em terra, porém, os ocupantes se deparavam com cobras e formigas agressivas. Havia, também, a preocupação com o surgimento de ciclones, algo recorrente nesta região do planeta. E, na água desta parte do Pacífico, há muitos tubarões.
"Nós nos deparávamos frequentemente com os tubarões. Mas você aprende a respeitá-los e a evitá-los. Nunca tivemos problemas com eles".
A natureza é boa para os seres humanos. Podemos entrar perfeitamente em harmonia com ela. O difícil é se adaptar a um mundo com carros, trânsito e poluição", avalia Ron.
Prova disso é o dia em que houve indícios da chegada de um ciclone perto da ilha. A preocupação com um desastre natural, porém, logo deu lugar a um sentimento de alívio e alegria. "O ciclone não se abateu sobre nós, mas começou a chover muito. De repente, estávamos todos dançando na chuva, felizes por saber que aquela água iria regar nossas plantações".
Mestres da ilha
Na ilha, a rotina de Ron e sua família misturava os cenários de "Náufrago" (estrelado por Tom Hanks e lançado em 2000) com um estilo de vida parecido com aquele visto no filme "Capitão Fantástico", que mostra um pai que decide criar e educar seus filhos longe do mundo moderno.
Quando aportaram no local, os filhos do escocês estavam com dois e quatro anos e, enquanto estiveram na ilha, tiveram aulas com os pais e viveram uma infância com ampla sensação de liberdade, correndo nus para lá e para cá e brincando na natureza.
Uma vez por ano, a família voltava a embarcar no veleiro e, em uma viagem que durava cinco dias, ia até a ilha do Taiti, onde está a cidade de Papeete, capital da Polinésia Francesa.
"Ficávamos cerca de duas semanas lá. Neste tempo, as crianças tomavam vacinas, íamos ao médico e ao dentista e comprávamos suprimentos e novos equipamentos para a ilha", explica Ron.
Com o tempo, eles foram criando uma estrutura que melhorou (e muito) as condições de habitação em seu isolado paraíso selvagem.
Fizeram plantações de diversos legumes, trouxeram patos e galinhas para ajudar na alimentação e até construíram um pequeno moinho de vento, que os ajudava a moer trigo e produzir farinha. A casa, por sua vez, cresceu, ganhando novos espaços (feitos com madeira e folhas de coqueiro) como cozinha e até painéis de energia solar.
Para eventuais emergências, a família contava com um sistema de radioamador, que permitia que eles falassem com o mundo exterior em casos de acidentes ou doenças e, também, recebessem avisos de ciclones e outros perigos (a ilha habitada mais próxima ficava a aproximadamente 480 quilômetros de distância).
E a sorte se fez presente: nenhum deles jamais teve um problema grave de saúde durante esta feliz vida em isolamento.
Fim do sonho
O paraíso de Ron, porém, chegou ao fim em 1991.
Ciente de que eles haviam ocupado Caroline Island, o governo do arquipélago de Kiribati (país no oceano Pacífico ao qual pertence a ilha) resolveu expulsá-los de lá. "Sofremos por ter que ir embora, mas não tinha jeito", lamenta o escocês.
E o retorno ao mundo moderno não foi fácil.
A família acabou se mudando para a ilha de Moorea, com aproximadamente 16 mil pessoas e uma considerável estrutura urbana.
Foi um choque retornar para o mundo. Eu não queria voltar a me inserir na sociedade", conta Ron.
O escocês relata que, ao chegar a Moorea, percebeu que seus filhos não sabiam o que era dinheiro. "Eles também não sabiam o que era mentir. Mas entraram na escola, fizeram amigos e acabaram se adaptando bem à sua nova vida".
O casal, por sua vez, acabou se separando e, no final dos anos 90, Anne, Alexandre e Anaïs foram embora para a França.
Ron ficou em Moorea, morando em uma casa erguida em uma colina, com vista para o mar absurdamente azul da região. Músico, ele ganhou a vida tocando em bares e restaurantes da ilha — e, também, vendendo o livro que escreveu sobre sua experiência em Caroline Island (obra que, em português, se chama "Juntos na Solidão").
Um novo amor
Em 2015, Ron deixou Moorea após se apaixonar por uma neozelandesa chamada Fiona.
Ele foi para a Nova Zelândia para morar com ela, mas teve seu pedido de residência no país negado, porque, no histórico de Ron, consta que ele foi deportado de Kiribati ao ser expulso da ilha deserta.
A solução encontrada pelo casal foi se mudar para a França, onde Ron poderia ficar perto dos filhos. E, no país europeu, eles conseguiram adotar uma vida que permite que o escocês (que hoje está com 82 anos) fique relativamente longe do mundo moderno.
Neste momento, eles moram em um confortável barco parado em um canal da região da Bretanha, cercados por belas paisagens rurais. "E é uma casa móvel. Podemos viajar com ela através da França", conta.
Ao final da entrevista feita via Skype, o telefone de Ron apitou. "É um aviso dizendo que já posso ir ao hospital tomar a vacina contra a covid", disse ele.
Não estar mais vivendo totalmente isolado do mundo tem suas consequências.
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