No Nepal, meninas são veneradas como deusas vivas; conheça essa tradição
O Nepal não arrebata os visitantes apenas com as grandiosas montanhas do Himalaia, que cortam e embelezam as paisagens do país.
Neste território asiático, há também uma tradição que é capaz de surpreender o mais viajado dos turistas.
Na capital, Kathmandu, existe um palácio onde vive uma menina, conhecida pelos fiéis como Kumari, que é considerada uma deusa por parte considerável da população local.
Em uma fé que mistura hinduísmo e budismo, as pessoas veem a garota como uma encarnação da deidade chamada Taleju, com poderes para proteger suas vidas.
Ela sai ocasionalmente do palácio para ser reverenciada pelos crentes. E grande parte de suas aparições acontece em enormes festivais religiosos, quando a Kumari desfila entre multidões embaladas por cantos e instrumentos musicais.
Nestas ocasiões, a menina se mostra completamente adornada, com a testa, os olhos e a boca pintados, além do corpo coberto por vestimentas cerimoniais.
E, por sua condição divina, quando está na rua, ela jamais pode tocar o solo com os pés. Por isso, é sempre carregada por algum adulto.
Deusa momentânea
A tradição de veneração à Kumari tem séculos de existência. Mas a posição de deusa não dura muito.
Autoridades religiosas identificam a menina que supostamente é uma encarnação de Taleju ainda durante sua infância, às vezes com três ou quatro anos de idade.
Quando menstrua pela primeira vez, a garota perde sua condição divina, deixa de ser uma Kumari e, rapidamente, vira uma pessoa normal na sociedade, voltando para a casa de sua família, ingressando em uma escola comum.
Quando uma Kumari sai, outra entra logo em seguida: os fiéis acreditam que, com a menstruação, Taleju deixa o corpo da pessoa que era considerada deusa e busca uma nova criança para se instalar.
A escolha
O processo de procura da jovem que recebeu a deidade é muito particular.
Em Kathmandu e arredores, quando sabem que a posição de Kumari está vaga, pais de uma comunidade nepalesa específica, chamada Newari, levam suas filhas até autoridades religiosas, que buscam identificar nas garotas características físicas e psicológicas predeterminadas.
Para ser elevada à condição de deusa, por exemplo, a menina deve ter olhos e cabelos muito escuros, uma saúde em perfeitas condições, dentes perfeitos, um corpo desprovido do que são considerados defeitos (como manchas e cicatrizes) e semelhanças físicas com o mundo da natureza, como "coxas de cervo" e "voz tão clara quanto o som de um pato".
Além disso, deve ter um mapa astral considerado favorável.
A candidata que mais se enquadra nestes padrões é nomeada Kumari, mas não sem antes passar por testes de coragem em situações assustadoras — há relatos segundo os quais, no passado, crianças escolhidas ficavam em um quarto escuro entre animais mortos.
No Nepal, ser corajosa e, ao mesmo tempo, ter uma personalidade calma é fundamental para ser deusa.
Vida com pouca liberdade
O processo descrito acima, no qual seres humanos definem que uma criança representa a manifestação de uma deidade, pode parecer arbitrário para muita gente.
Mas, depois de consagrada, a Kumari passa imediatamente a ter uma imagem divina para muitos nepaleses.
Porém, ao mesmo tempo em que adquire status de deusa, a garota perde muito de sua liberdade.
Nos anos em que vivem como Kumaris, as meninas quase não saem do palácio e — com exceção das cerimônias religiosas — interagem com pouquíssimas pessoas, como ajudantes e membros de sua família.
As crianças também são treinadas para não expressar suas emoções em público. Em encontros nas ruas com fiéis, por exemplo, elas constantemente exibem um semblante frio, como se fossem estátuas sagradas entre os mortais.
Dentro do palácio, mesmo sendo educadas e vivendo em contato com seus pais, elas passam longe de ter uma infância normal.
Várias deusas
Vale lembrar que, no Nepal, não existe uma só Kumari. Além de Kathmandu, há outras cidades do país com autoridades religiosas que identificam suas próprias deusas.
Nos dias de hoje, há organizações de direitos humanos que vêm criticando ferrenhamente esta tradição, dizendo que ser uma deusa nestas condições constitui, na verdade, exploração infantil.
O governo do Nepal, entretanto, trata as Kumaris como parte de sua cultura — e também as promove como um fator que pode aumentar o interesse turístico no país.
"Se visitar Kathmandu no final de agosto ou começo de setembro, você terá a oportunidade de observar de perto o fascinante festival conhecido como Indra Jatra, quando a Kumari é carregada para fora de sua residência e atravessa as estreitas ruas do centro histórico de Kathmandu em uma grande carruagem", informa o Nepal Tourism Board, responsável por promover o turismo na nação asiática. "Ou você pode passar na frente de seu palácio e, talvez, ter a sorte de conseguir ver a deusa".
Para muitos fiéis, simplesmente olhar para a Kumari é indício de bom presságio.
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