Tributo ao mestre: 8 lições do arquiteto Paulo Mendes da Rocha sobre morar
Um arquiteto-pensador. Paulo Mendes da Rocha, falecido no último domingo, gostava de refletir sobre o ser humano antes de traçar linhas para um projeto de arquitetura. O arquiteto deixa um legado importante, construído com dedicação, estudo e reflexão.
Em uma entrevista que fiz anos atrás com Paulo, o capixaba que foi laureado com o prêmio Pritzker fez citações que na época não se encaixavam em nenhuma publicação — e agora vêm à tona para inspirar novas gerações de arquitetos. Algumas das lições que ele deixa:
1.
Para criar é preciso cercar-se de conhecimento
"Criar, para mim, nunca foi fácil como alguns querem acreditar. Ao contrário. Quando ganhamos alguma velocidade no projetar, não quer dizer que é fácil. É que aquilo tem sido difícil nos últimos anos e já sabemos, já vivemos aquilo. Assim, convocamos o que presumimos saber. Não gosto da ideia de inspiração, parece que o desenho veio do além.
Criamos com base no que sabemos e com o inconsciente, a parte mais rica do nosso cérebro, que grava com interesse o que nos intriga. No momento oportuno aquilo aparece como contribuição ao seu saber fazer"
2.
Preste atenção ao seu redor para criar
"Temos códigos muito exíguos: 25 letras, 7 notas musicais, por exemplo. Todos nós temos acesso a isso. Guimarães Rosa e Shakespeare usaram as mesmas letras, o negócio é prestar atenção. Sempre lutei para não ter rotina. A repetição não faz sentido. Se você não usa tudo o que sabe, está atrasado. Se está atrasado, está incomensuravelmente atrasado.
3.
As cidade podem ser melhores se persarmos nos seres humanos
"Vejo São Paulo bastante deslocada do que, na minha opinião, é o interesse fundamental da arquitetura como campo de conhecimento. A arquitetura é a construção do habitat humano no planeta. Construir a cidade não é repetir o que já existe. Temos que pensar em recursos técnicos que se empregam para o êxito da mesma coisa, de aliviar a população, aumentar o tempo livre das pessoas, e não construir para ser mais um produto no mercado. Não é que eu saiba o que fazer, mas sei o que não se deve fazer. É possível evitar o desastre".
4.
É preciso trabalhar por prazer
"Está tudo tão confortável nas nossas vidas que não temos a ideia de um náufrago que se agarra na boia e faz daquilo seu objetivo de sobreviver. Somos preguiçosos. Ninguém faz parte de uma sinfônica porque se dedica nas horas vagas. Deveríamos aprender a não distinguir prazer de trabalho. O trabalho deve ser a máxima perspectiva erótica da sua vida. Aquilo que quando puxam conversa, você nem se distrai. Mas o mercado criou muitas distrações. Isso é um instrumento de dominação".
5.
Precisamos reconhecer grandes invenções do dia a dia
"Há uma estação espacial, com habitantes de várias nacionalidades. Quem desenhou aquilo? Quem inventou o elevador? Nunca se ouviu falar, mas usamos todos os dias. O elevador mudou as cidades, tornou prédios altos possíveis".
6.
A boa arquitetura é arte, ciência e técnica
"Fazer arquitetura é unir geomorfologia, endereço e acesso, pensando sempre na cidade. Já que não posso projetar a cidade como quero, posso pensar em como o projeto contribui, realizar a cidade. Em arquitetura não tem nada mais importante que o outro. Não é um pedaço de cada um. É arte, ciência e técnica".
7.
Modernismo e a urgência de inovar
"De forma geral, não sou muito favorável a movimentos nomeados — modernismo, isso e aquilo. Prefiro imaginar que precisamos sempre ser modernos. Portanto, o que mais me atrai nisso é a ideia de liberdade de dogmas, diante de uma vida que não cessa, diante do conhecimento que se amplia".
"Principalmente hoje em dia com a velocidade da comunicação, pode-se sempre inovar. Não é à toa que a dimensão artística da atitude humana é muito difícil de analisar, de dizer exatamente o que é. É algo indizível, a não ser que seja obrigado a fazer. A arte não está naquele que fala. Somos muito atrasados. Todos devíamos escrever matemática e música".
8.
O que é um projeto residencial bem-feito?
"A única ideia nesse sentido é o endereço adequado. A cidade, e não o edifício isolado. Quando há porta de metrô e outras facilidades perto, eis uma residência invejável. A única virtude incontestável de uma casa é onde ela está implantada. Se eu te disser o que tem na minha casa, não chega a ser invejável. Se eu digo que moro em Ipanema, você vai dizer: 'que desgraçado', mora em um lugar bárbaro. Dentro da residência, você vai ver estilos diferentes. O que faz a casa são os hábitos do morador. O arquiteto só pode construir a cidade. E a cidade terá que ser refeita sempre, porque a vida muda muito".
Os aprendizados que arquitetos brasileiros levam sobre Paulo
1. Generosidade
Por Martin Corullon e Gustavo Pedroni, do Metro Arquitetos
"A grande característica do Paulo que tentamos incorporar na vida é a generosidade. Os projetos dele são generosos, o jeito de lidar com as pessoas também trazia essa generosidade. Na arquitetura, a maior lição dele é ir contra o senso comum, questionando os programas, as demandas e o lugar, sem reproduzir modelos."
Projeto preferido: O pavilhão da Expo de 70 de Osaka
" A obra, que foi demolida após a Expo, traz uma grande cobertura em uma construção aberta, que faz referência às origens da arquitetura dele. O teto remete ao da Fau-Usp. É uma síntese da obra dele, representa a natureza e a construção, em oposição e complementaridade"
2. Poder de síntese
Por Marcelo Alvarenga, do Play Arquitetura
"A maior lição que o Paulo nos deixa é o seu poder de síntese, conseguindo aliar seu humanismo, com questões técnicas e estéticas que envolvem qualquer projeto.
Tudo numa 'resposta' simples, como uma tacada certeira de mestre."
Projeto preferido: Poltrona Paulistano
"Para mim todos os seus projetos se parecem com um projeto de design de mobiliário, onde as questões técnicas e estéticas são naturalmente mais sintetizadas. Mas arquitetura não, o conjunto de variáveis é enorme, tem clientes e orçamentos complexos, e ele destrincha isso tudo numa resposta de projeto com extrema simplicidade".
3. Domínio da técnica
Por Álvaro Puntoni, do GrupoSP
"Paulo Mendes da Rocha foi um pensador e arquiteto que norteia, como um farol em um mar indeciso, tantos outros arquitetos, com suas palavras precisas, com os espaços surpreendentes, com o domínio da técnica. Suas ideias e sua obra permanecem e seguirão orientando".
Projeto preferido: MuBE (Museu Brasileiro da Escultura)
"O conjunto de sua obra pensada e realizada é incrível, mas a obra mais admirável seria aquela que ainda não estava projetada, pois certamente seria a convocação de uma ideia intrigante e arrebatadora, que não veremos jamais. Mas acho o MuBR, em São Paulo, adorável. Ao abdicar da solução pavilionar, Paulo sublinha a importância da cidade, topografia e estrutura como os principais artífices deste edifício e, portanto, da arquitetura".
4. O ser humano em foco
Por Caio Bandeira, do Architects + Co
"Quando fui estudar arquitetura na Espanha, o único livro de arquitetura brasileira que levei foi o de Paulo Mendes da Rocha. Chegando lá, ele foi o arquiteto escolhido para abrir a semana do arquiteto. Disse uma frase que me marcou: 'O planeta Terra tem luz própria. Basta todas as luzes se voltarem para o céu e alguém comprovar da lua: a Terra é uma estrela, o homem fez isso'. Eu me identifiquei com sua maneira de ver o homem e comecei a observar com cuidado suas obras.
Projeto preferido: Renovação da Pinacoteca
"A obra da Pinacoteca, em São Paulo, resume isso: soluções estruturais e racionais, com detalhes que fazem a diferença, trazem o design arrojado, bruto, mas elegante, que o define como um arquiteto que desenha um móvel a uma cidade".
5. Construção do raciocínio
Por Patricia Anastassiadis, do Anastassiadis
"O legado de Paulo seguirá inspirando gerações de arquitetos. Eu tive honra de poder de ouvi-lo em algumas oportunidades e sempre me impressionei com a maneira com que ele construía o seu raciocínio. Muitas vezes, a minha sensação era de que os pontos pareciam não se conectar ao longo da narrativa, mas no final tudo ficava claro e se encaixava perfeitamente. A genialidade dele, na minha opinião, estava na construção do seu pensamento, não só nas belas formas resultantes de suas obras."
Projeto preferido: Pinacoteca
"O trabalho dele na Pinacoteca do Estado de São Paulo, sua interferência na obra de Ramos de Azevedo, é genial."
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