Brasileira é 1ª negra latino-americana no Everest: "Nada é impossível"
No último dia 23 de maio, a brasileira Aretha Duarte, de 37 anos, chegou ao cume do Monte Everest, a aproximadamente 8.850 metros de altitude.
Com o feito, ela se tornou a primeira mulher negra latino-americana a alcançar o pico mais alto do planeta.
Guia de escalada, Aretha tem, em seu currículo, subidas ao topo de montanhas como o Aconcágua (com o cume mais alto das Américas) e o Kilimanjaro (pico mais alto da África).
Mas, logicamente, atingir o chamado "teto do mundo" foi algo especial para ela.
Ao chegar ao cume do Everest, senti que subi de nível como montanhista. Como é difícil escalar esta montanha! Mas experimentei uma satisfação gigantesca ao ver o quão forte, preparada e resistente eu sou para encarar um desafio tão grande como este"
Além da brasileira, outras mulheres negras que já chegaram ao pico mais alto do globo foram Sophia Danenberg (dos Estados Unidos) e Saray Khumalo (África do Sul).
"Particularmente, nunca me interessou atingir um pódio por ser a primeira latino-americana negra a chegar ao topo do Everest. Isso não faz com que eu me sinta superior a outras pessoas", diz Aretha.
Todo mundo pode ter um grande sonho e conseguir realizá-lo. As pessoas só precisam acreditar no seu poder interno. Espero que eu seja uma entre muitas mulheres negras latino-americanas alcançando grandes feitos"
Parte de uma expedição que contou com a presença de outros quatro montanhistas brasileiros que também chegaram ao topo do Everest (Gabriel Tarso, Gustavo Ziller, Alex Cruz e Leonardo Silvério), Aretha enfrentou inúmeros desafios durante sua epopeia rumo ao topo do mundo.
Vindo do Brasil, o grupo chegou ao Nepal no último dia 2 de abril, cumpriu quarentena na cidade de Kathmandu por causa da pandemia, voou até a localidade de Lukla e, de lá, realizou uma caminhada de 10 dias através do Himalaia até o campo base do Everest, de onde começam as escaladas na montanha. "Do campo base em diante, tivemos cerca de 45 dias de montanha. Passamos muito tempo em um ambiente inóspito e selvagem, com uma série de adversidades", relembra.
Tive sintomas de edema pulmonar no primeiro ciclo de aclimatação no Everest, quando subimos parte da montanha para nos adaptar à altitude e, então, regressamos ao campo base"
"Foi um problema respiratório seríssimo. Comecei a tossir muito e a sentir dor no peito. Saiu, inclusive, sangue com minha tosse. E foi duro para mim lidar com este problema de saúde logo no começo da expedição, sabendo que era um projeto que havia demorado meses para ser concretizado. Meu emocional ficou abalado".
Após três dias recolhida no campo base, porém, Aretha voltou a se sentir melhor e capaz de encarar o colosso à sua frente.
Mas outros obstáculos iriam aparecer no percurso.
Durante a ascensão no Everest, a brasileira se deparou com o fenômeno chamado "whiteout", no qual a neve ajuda a formar, ao redor dos montanhistas, algo que lembra uma densa neblina, prejudicando seriamente sua visibilidade.
Precisei tirar os óculos de escalada do meu rosto para enxergar melhor o chão e não cair em alguma greta. Acabei caminhando mais de quatro horas sem os óculos e, com isso, a luz solar que batia na neve acabou vindo direto para os meus olhos. Horas depois, quando chegamos ao acampamento 2 do Everest, meus olhos começaram a arder e a doer, com muita vermelhidão"
Por conta da dor, a brasileira conta que não conseguia dormir em sua barraca instalada no acampamento 2 do Everest, a aproximadamente 6.400 metros de altitude. Além da administração de medicamentos, ela conseguiu fazer contato com uma oftalmologista que recomendou que, pelos dias seguintes, ela evitasse expor seus olhos à luz. "Fiquei dois dias dentro da barraca com os olhos fechados", diz. "Tive que ter fé, acreditar que iria me recuperar".
Ataque ao cume
Aretha se recuperou e, mesmo com tantas adversidades, conseguiu se manter no caminho rumo ao topo de Everest, que intercalou longos e exaustivos percursos na neve com paradas em áreas de acampamento que existem no trajeto.
Nunca pensei em desistir do meu objetivo. Eu só desistiria e desceria a montanha se fosse por uma questão externa a mim"
E esta "questão externa" quase acabou com os planos de Aretha em um momento crucial da escalada.
No dia de encarar o trecho final para chegar ao topo do Everest, a brasileira saiu do acampamento 4 da montanha [a cerca de 8.000 metros de altitude] na companhia de um guia nativo, chamado Passang.
No trajeto rumo ao cume, entretanto, o guia perdeu capacidades de movimento por causa do frio intenso.
Ele olhou para mim e falou: 'teremos que voltar'. Eu me sentia capaz de atingir o cume, mas não queria colocar a saúde do guia em risco. Comecei a chorar muito, achando que a escalada iria acabar ali"
"Levantei minha viseira, abaixei minha máscara de oxigênio e, aos prantos, falei para o Passang que concordava em voltar. Mas, quando disse isso para ele, houve uma conexão enorme entre nós dois. Ele olhou para mim, secou minhas lágrimas com a mão, se voltou para o topo do Everest e recomeçou a caminhar. Como se fosse um passe de mágica, o Passang passou a sentir menos frio e se concentrou em ir até lá em cima, porque demonstrei para ele que estava muito a fim de continuar. E, como um milagre, ele recuperou suas condições para subir".
Aretha chegou ao pico mais alto do mundo às 10h24 (horário nepalês) de um domingo, 23 de maio.
Algumas pessoas até não acreditavam, mas eu nunca achei que seria impossível"
Até hoje, apenas 30 brasileiros já realizaram este feito.
Luta antes da montanha
Os desafios que Aretha enfrentou para atingir o topo do mundo, porém, começaram bem antes da chegada ao Everest.
O tipo de expedição que a brasileira realizou rumo ao topo da montanha custa aproximadamente R$ 400 mil por pessoa.
Nascida e criada na periferia de Campinas (SP), ela bancou parte da viagem realizando coleta de materiais recicláveis, como latinhas — uma atividade que praticou durante sua infância e adolescência.
Com o suporte de familiares e amigos, ela conseguiu coletar, desde março de 2020, 130 toneladas de materiais que foram destinados à reciclagem. "Isso rendeu aproximadamente R$ 110 mil", conta ela.
O dinheiro faltante, por sua vez, foi conseguido por caminhos como campanhas de financiamento coletivo e a conquista de patrocinadores — que, conhecendo a história inspiradora de Aretha, resolveram apoiar o seu sonho.
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