Para ele, nem o céu é o limite: conheça o fotógrafo "caçador de Via Láctea"
O céu sobre o minúsculo povoado onde moram os avós do fotógrafo Daniel Zafra, em Cuenca, no centro da Espanha, é extremamente escuro. Mas o que poderia ser uma dificuldade técnica se tornou uma oportunidade de trabalho para esse espanhol de Madri.
"Com o sensor da câmera se vê muito melhor do que a olho nu, e a partir daí me interessei por esse tipo de fotografia", explica em entrevista a Nossa.
DanZafra, como assina seus trabalhos, é o astrofotógrafo por trás do "Capture the Atlas" (@capturetheatlas), com dicas para quem quer dar os primeiros passos em fotografias noturnas, sobretudo as da Via Láctea.
E é desse "caminho de leite" formado pelas luzes de bilhões de estrelas que ele tira suas inspirações.
"Mais do que um registro documental, é algo artístico. Vejo a astrofotografia como arte, pois o trabalho final é sempre influenciado por uma série de fatores e não só pelas pré e pós produções", explica esse fotógrafo que tem como influências a Escola do Rio Hudson, movimento artístico do século 19, e os filmes de fantasia.
Não à toa, a bela Cuenca dos seus avós é cenário de "Sora no Woto", onde o céu assume o protagonismo nessa série de anime japonês.
Céu de estrelas
Daniel Zafra traz no passaporte (e na memória de sua câmera) a passagem por destinos que por si só já valeriam um registro fotográfico, com ou sem céu estrelado, como a Escócia, Islândia, Malásia e Indonésia.
Mas sua revolução na fotografia, como ele mesmo define a experiência, foi em Alberta, no Canadá, em 2017. "O céu estava sem nuvens e fiz muitas fotos noturnas e de auroras boreais. Foi ali que decidi que era aquilo que eu queria fazer", lembra o fotógrafo.
Atualmente, Zafra mora na Pennsylvania, na costa leste dos Estados Unidos. Mas por conta da proximidade com grandes centros urbanos, como Nova York, ele costuma voar para o outro lado do país para fazer seus registros em estados como Utah e Arizona.
Aliás, foi na Califórnia, na costa oeste dos EUA, onde ele viu o céu mais impressionante em toda a sua vida.
Localizado no Parque Nacional do Vale da Morte, o Racetrack Playa é um lago seco conhecido pelas pedras que "andam", provavelmente movidas pelo vento ou tempestades, deixando um curioso rastro por onde passa.
"É como estar dentro de um planetário, pois a região é muito escura por conta do vale que bloqueia a entrada de luz", descreve.
Não muito longe dali, o fotógrafo fez também uma das suas imagens mais difíceis, em uma caverna de Utah.
Tive que planificar durante dois meses para um trabalho que eu teria apenas alguns dias para concluir.
Tecnicamente, foi muito difícil. A caverna tem zonas muito escuras e algumas com muita luz. Tanto a pós como a pré produções foram muito complexas", relembra.
Viu como se faz?
Conhecimento bom é aquele que também se compartilha. Por isso, Daniel Zafra não só organiza expedições fotográficas para destinos naturalmente fotogênicos como o Ártico e a distante Península de Kamtchatka, no extremo leste da Rússia, como também não economiza dicas em seu site para quem quer se aventurar na astrofotografia.
"No Hemisfério Norte, a Via Láctea segue sempre para o sul, por isso é preciso escolher um ponto de vista nessa direção", recomenda o fotógrafo que usa também programas ou aplicativos para planificar suas viagens de acordo com a temporada de observação da Via Láctea.
Entre as sugestões, Zafra recomenda o Stellarium (https://stellarium.org/pt/), "que ajuda a ver o movimento das estrelas no lugar onde você indicar", e o Photo Pills (https://www.photopills.com/), aplicativo com informações em tempo real da Via Láctea, do Sol e da Lua.
Enquanto no Hemisfério Sul, a melhor época para ver la Via Láctea vai de fevereiro a final de outubro, no Norte costuma ser entre março e setembro.
Outra dica de ouro é evitar as noites nubladas e com muita luz lunar. Segundo o fotógrafo, a melhor época para ver a Via Láctea é durante a semana da Lua Nova, sobretudo entre meia-noite e 5 da manhã.
Se a Lua estiver com mais de 30% de seu tamanho é mais difícil para ver a Via Láctea", compara.
Embora os telefones móveis tenham evoluído "e os mais modernos até capturem imagens em que se possa ver a Via Láctea", Zafra explica que os sensores dos celulares são muito pequenos e com pouca entrada de luz.
Para ele, o equipamento mínimo para esse tipo de registro são as câmeras DSLR ou mirrorless com objetivas intercambiáveis e bem iluminadas para uma maior captura de luz, além do uso indispensável de um tripé para estabilização da imagem.
Brasileiro na parada
É tanta inspiração do céu que Daniel Zafra costuma chegar ao final do ano com uma pasta com cerca de 300 fotos de outros fotógrafos que vai encontrando na internet.
Foi dessa coleção que surgiu a ideia do "Milk Way Photographer of the Year". Equivocadamente chamada de concurso, a seleção, nas palavras do idealizador, "é o reconhecimento das melhores fotografias da Via Láctea feitas naquele ano."
Entre os 25 escolhidos de 2021, o brasileiro Victor Lima se destacou pela foto feita com o fenômeno sobre a Garganta do Diabo, no interior do Parque Nacional Iguaçu, no Paraná.
Para Daniel Zafra, a foto vale não só pela insistência para conseguir a autorização especial para entrar no parque nacional à noite, mas também pelo risco de fotografar em uma área de passagem de animais selvagens e pelas dificuldades técnicas, como as constantes lentes molhadas pela força das águas das cataratas.
"Victor lutou muito para conseguir essa imagem e a qualidade final são cores muito naturais e uma foto que inspira", define o espanhol.
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