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Brasileiro conta como é passar 14 dias de quarentena em hotel na Austrália

Benjamin, filho de Juliano, posa em frente à contagem regressiva para deixar a quarentena em hotel na Austrália - Arquivo pessoal
Benjamin, filho de Juliano, posa em frente à contagem regressiva para deixar a quarentena em hotel na Austrália Imagem: Arquivo pessoal

Marcel Vincenti

Colaboração para Nossa

17/06/2021 04h00

Vivendo na Austrália desde 2011, o gaúcho Juliano Goulart Cezar voltou ao Brasil em dezembro do ano passado na companhia da esposa Agnes e do filho Benjamin para ver familiares após um bom tempo separados.

Porém, ao regressar para a Oceania em maio deste ano, a família teve que enfrentar uma das mais rígidas medidas de combate à covid-19 do governo australiano: eles foram confinados por 14 dias em um hotel de quarentena logo após o desembarque na cidade de Perth, onde vivem.

Esta hospedagem obrigatória tem sido imposta à maioria das pessoas que entra na Austrália durante a pandemia, para diminuir as chances de transmissão do coronavírus por quem chega do exterior (e os brasileiros já sabiam que passariam passar por isso no seu retorno).

"Tivemos que testar negativo para covid-19 antes do embarque no Brasil e, chegando no aeroporto de Perth, já fomos isolados de qualquer outra pessoa que estivesse na Austrália, tirando alguns agentes federais, que nos acompanharam desde o momento em que saímos do avião", conta Juliano.

Juliano, Agnes e Benjamin no quarto de hotel onde ficaram isolados na Austrália - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Juliano, Agnes e Benjamin no quarto de hotel onde ficaram isolados na Austrália
Imagem: Arquivo pessoal

Após passar pelo raio-X, a família foi informada sobre o hotel em que teria que ficar confinada e foi levada, em um ônibus privativo com outros passageiros, até este local de estadia. "Ao descer do ônibus, a gente notou que ninguém se prontificou a carregar nossa mala, tudo para manter o distanciamento".

O check-in foi realizado em uma área separada do hotel, longe de pessoas que não faziam parte daquele grupo, e, ao chegar ao quarto que lhes foi designado, o trio foi apresentado ao espaço que, pelas duas semanas seguintes, seria sua casa sem porta de saída.

Otimismo em grupo

A suíte que hospedou a família podia acomodar três pessoas com relativo conforto. E, durante a estadia, eles tinham acesso normal à internet e à televisão do quarto.

Mas, mesmo conectados, a impossibilidade de sair à rua pesou e Juliano, Agnes e Benjamin tiveram que bolar muitas estratégias para deixar as duas semanas de confinamento mais leves.

Juliano, Agnes e Benjamin no quarto de hotel onde ficaram isolados na Austrália - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Contagem regressiva na janela do quarto
Imagem: Arquivo pessoal

O brasileiro conta que as janelas do quarto não abriam e que todos sentiram muita falta de ar puro. Mas foi sobre os vidros com vista para a cidade que eles estabeleceram uma espécie de rotina de motivação.

Todos os dias, a família realizava uma contagem regressiva com folhas de papel colocadas sobre uma das janelas, sobre as quais escrevia a cada manhã: "14 dias para a vida em Perth", "13 dias para a vida em Perth", "12 dias para a vida em Perth" e assim por diante.

Houve, também, uma enorme preocupação com o bem-estar de Benjamin, que tem apenas quatro anos.

"Uma criança com esta idade não entende por que ela não pode sair do quarto durante tanto tempo", avalia Juliano. "Então, buscamos manter ele entretido, com atividades de recortar, colar, pintar e com seus brinquedos. Também fizemos uma cabana com os lençóis. E amigos brasileiros que temos em Perth nos emprestaram um videogame, que pôde ser levado até o quarto".

Juliano e o filho no quarto do hotel onde ficaram em quarentena por duas semanas na Austrália - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Juliano e o filho no quarto do hotel onde ficaram em quarentena por duas semanas na Austrália
Imagem: Arquivo pessoal

E o casal também precisou achar soluções para cuidar da saúde no confinamento: eles descobriram uma empresa em Perth que aluga equipamentos de exercícios e pediram para que eles levassem uma bicicleta ergométrica até o quarto — e que, em determinados dias, também serviu como suporte de secagem para as roupas lavadas no banheiro da habitação.

Sem contato

Era bem difícil, porém, escapar da sensação de isolamento.

A porta do quarto podia ser aberta pela família, mas, se saíssem da acomodação, eles estavam sujeitos a pagar multas (cujos valores não foram revelados).

Havia seguranças nos andares do hotel, para verificar se as pessoas estavam respeitando as regras", diz Juliano.

Quarto de hotel onde família de brasileiros passou a quarentena na Austrália - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Quarto de hotel onde família de brasileiros passou a quarentena na Austrália
Imagem: Arquivo pessoal

Para comer, eles contavam com o serviço de alimentação do hotel: empregados do estabelecimento deixavam café da manhã, almoço e jantar na frente do quarto e batiam na porta. Os brasileiros, então, tinham que esperar dois minutos para pegar os alimentos, para evitar qualquer chance de contato com o staff.

E a mesma regra era aplicada às entregas de aplicativos de delivery de comida, que estavam autorizadas.

Algo parecido ocorria com o serviço de quarto: quando precisavam trocar lençóis e toalhas (ou queriam aspirar o chão), era necessário fazer uma ligação para a recepção, que mandava enviar os itens para serem deixados na frente da habitação.

Visita da enfermeira ao quarto de hotel na Austrália - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Visita da enfermeira ao quarto de hotel na Austrália
Imagem: Arquivo pessoal

Durante as duas semanas de quarentena, os únicos contatos diretos que os brasileiros tiveram com outras pessoas ocorreram durante as visitas realizadas por enfermeiros, que apareceram na acomodação três vezes para fazer testes de covid-19 na família.

Estes profissionais da saúde ingressavam no quarto com o corpo todo coberto por equipamentos de proteção individual, como se estivessem em um hospital. "E, além disso, recebíamos diariamente a ligação de uma enfermeira, que queria saber como estávamos lidando com a situação. Ela perguntava sobre nosso humor, nossa saúde e se havíamos sentido algum sintoma da doença", diz.

Para a alegria de Juliano, Agnes e Benjamin, nenhum deles testou positivo durante toda a quarentena e, ao final da segunda semana de isolamento, foram liberados para ir para casa e retomar sua vida em Perth.

Benjamin, filho de Juliano, prestes a deixar a quarentena em hotel na Austrália - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Benjamin, filho de Juliano, prestes a deixar a quarentena em hotel na Austrália
Imagem: Arquivo pessoal

Na Austrália, entretanto, estas estadias obrigatórias em hotéis de quarentena não são gratuitas: ao passar os 14 dias no hotel de Perth, a família recebeu uma conta de 3.500 dólares australianos (aproximadamente R$ 13.600), preço que incluiu a hospedagem e alimentação.

"Uma das coisas que mais nos marcou neste período de quarentena foi a impossibilidade de abrir uma janela e ter uma fonte de ar fresco", afirma o brasileiro. "Quando saímos na rua, foi um alívio poder respirar ao ar livre".

Sucesso no combate à covid-19

A Austrália é um país que conseguiu controlar, de maneira exitosa, a disseminação do coronavírus em seu território.

Hoje, cidades da nação da Oceania já têm uma vida praticamente normal, com pessoas circulando sem máscaras e podendo se juntar livremente em espaços como bares, restaurantes, museus e parques.

E a exigência de hospedagem em hotéis de quarentena para pessoas que chegam do exterior foi apenas uma das medidas que o país adotou para atingir esta realidade positiva.

Melbourne, na Austrália, em 29 de maio de 2021 - Jonathan Di Maggio/Getty Images - Jonathan Di Maggio/Getty Images
Melbourne, na Austrália, em 29 de maio de 2021
Imagem: Jonathan Di Maggio/Getty Images

Além de contar com a vantagem de ser uma nação insular (que facilita o controle de viajantes que vêm de fora), a Austrália restringiu, nos momentos mais graves da pandemia, a circulação dentro do seu próprio território, proibindo, por exemplo, o trânsito de pessoas entre estados.

Também ordenou a restrição de movimento de pessoas nas ruas de cidades e o fechamento de estabelecimentos não essenciais, como bares, restaurantes, cafés e museus, com o objetivo de evitar aglomerações. E foram dadas pesadas multas para quem não cumpriu as regras sanitárias.

Desde o começo da pandemia, entretanto, grande parte da população australiana respeitou as normas de isolamento.

Além disso, foram adotadas medidas para facilitar o rastreamento de pessoas que estiveram expostas ao vírus. Ao ingressar em locais como restaurantes e bares de determinadas regiões do país, por exemplo, o cliente se registra através de um QR Code, deixando ali dados como seu número de telefone e e-mail. Esta pessoa pode ser contatada caso se descubra que algum cliente daquele estabelecimento foi infectado com o novo coronavírus.

Habitantes de Melbourne esperam na fila da vacinação contra a covid-19 - Jonathan Di Maggio/Getty Images - Jonathan Di Maggio/Getty Images
Habitantes de Melbourne esperam na fila da vacinação contra a covid-19
Imagem: Jonathan Di Maggio/Getty Images

E, quando surgem novos casos de infecção em determinada região do território australiano, por exemplo, o governo pode, momentaneamente, impor restrições à movimentação de pessoas e a obrigatoriedade de uso de máscaras em determinados espaços desta área, além de determinar novos fechamentos momentâneos de fronteiras dentro do país.