Vida de monges que fugiram do Tibete inspira viagem e livro de brasileira
A brasileira Amanda Areias, 27, sempre gostou de viajar para lugares que iam além do turismo tradicional. E foi depois de ler o livro "As Montanhas de Buda", de Javier Moro, que conta a história fictícia de duas monjas budistas que fugiram do Tibete, que ela decidiu ver de perto a situação do povo refugiado.
"Lembro que na época fiquei chocada e pensei como nunca tinha ouvido falar disso. Eu só sabia do Dalai Lama e do Tibete, mas a história por trás, não", afirma.
Desde a invasão chinesa em 1950, o Tibete deixou de ser um país totalmente livre. Com restrições a jornalistas, diplomatas e alguns turistas, o território vive sob tensão até hoje.
Como estava no último ano da faculdade e precisava entregar o trabalho de conclusão de curso, ela resolveu ir até Dharamsla — cidade no norte da Índia e que abriga o maior templo tibetano fora do país — para entrevistar e fotografar pessoas que fugiram do território há alguns anos.
Para isso, ela pesquisou o máximo que pôde, se inscreveu para dar aulas de inglês de forma voluntária e foi com um plano B, caso a viagem não saísse como esperado. "Não sabia como ia ser a comunicação, como eles iriam me receber. Só queria ir e entrevistar as pessoas", conta.
Chegada à cidade
Para sua surpresa, a chegada no local foi muito positiva e os refugiados queriam contar sua história para ela e para o mundo. "Eu descobri que os tibetanos são extremamente pacíficos e receptivos", conta.
Mesmo muito bem recebida, a viajante precisava que alguns deles confiassem nela para se abrir e contar suas histórias. Com a ajuda de um intérprete, ela começou uma sessão de entrevistas e fotografias com moradores do pequeno vilarejo chamado McLeod Ganj.
Além dos monges, outros refugiados tibetanos também vivem na região. Muitos deles precisaram se separar de suas famílias e não sabem quando irão reencontrá-las novamente.
Desde a fuga do líder político e religioso Dalai Lama, em 1959, milhares de tibetanos tentam deixar o local todos os anos. Segundo Amanda, até chegar à Índia e permanecer em segurança, a maioria já sofreu algum tipo de abuso ou tortura por autoridades chinesas que comandam o Tibete.
Ela conta ainda que muitos deles não podem cruzar a cidade, se arriscam tentando fugir e atravessando os himalaias durante à noite. "Alguns são mortos pelos oficiais chineses ou morrem devido ao frio da região. Conheci muitas pessoas que não tinham pernas".
E não faltavam histórias para se emocionar e chocar. "Conversei com um casal que tinha acabado de chegar do Tibete e tinham deixado o bebê para trás. Outra mulher também tinha sofrido estupro. Tem pessoas que não falam com a família deles há décadas. Eles não têm liberdade", relembra.
Monge preso por 33 anos
Entre todos os relatos em que pôde ouvir enquanto permaneceu no local, um chamou muito sua atenção. Enquanto andava pelo vilarejo, um dos jovens que falava inglês, a puxou pelo braço e disse que ela precisava ouvir uma história muito importante.
Ela não sabia o que iria encontrar e, ao bater na porta de uma pequena casa, se deparou com um senhor bem idoso. O intérprete explicou qual o intuito de Amanda no local e ele aceitou contar tudo que havia passado antes de chegar ao vilarejo.
O monge foi acusado por soldados chineses de ter participado de um protesto. Mesmo negando, ele foi levado do seu monastério e começou a ser interrogado. Depois de dizer diversas vezes que não havia participado de qualquer manifestação, ele sofreu diversas agressões e chegou até a perder os sentidos.
O interrogatório continuou por muitos dias, até que ele foi levado para prisão, onde cumpriu pena por 33 anos. Passado o período, ele conseguiu fugir da região e viveu na Índia por 23 anos. "Ele chorava muito e revelou coisas absurdas", diz Amanda.
Para sua surpresa, depois de alguns anos, ele ainda foi convidado pela ONU para contar sua história para milhares de pessoas, inclusive chineses. "Ele me contou que foi muito importante mostrar tudo isso para o mundo".
Antes e depois da Índia
A brasileira diz que a viagem para o país foi o ponto de partida para aflorar ainda mais o seu lado humano. "A partir do momento que você ouve essas histórias, muda completamente. Tem uma troca de energia direta e muito forte", conta de forma enfática.
Uma das lições que mais aprendeu durante sua estadia em Dharamsla foi o entendimento sobre as diferentes visões de mundo. Toda sua imersão se transformou no livro "Retratos de Resistência", no qual ela apresenta relatos e fotos de histórias sobre o conflito no Tibete.
E mesmo diante de relatos tão tristes e pesados, a brasileira ressalta que tirou um lado positivo de toda sua viagem e trabalho.
São histórias extremamente tristes e você vê eles contando com calma, com uma paz. Mesmo sofrendo muito, é possível ver uma certa compaixão e perdão por parte deles. Acho que seria diferente no mundo ocidental".
Ela ainda reforça a importância de ouvir histórias como essas para saber o que acontece em um lugar que, muitas vezes, é desconhecido por muitos.
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