Moda sem gênero não precisa ser sem graça e marcas brasileiras provam isso
Na edição número 51 do São Paulo Fashion Week, um dos maiores destaques entre as coleções foram as roupas sem gênero. Diversas marcas, como a LED, Another Place, entre outras, vestiram seus modelos com roupas que poderiam ser facilmente usadas tanto pelo público masculino, como feminino. O argumento, nas palavras de João Pimenta, é: "Quem define o gênero da peça é quem compra e a usa".
Precursor dessa modelagem fluida na moda brasileira, o estilista mineiro credita essa maior visibilidade da moda agênero, seja nas passarelas ou fora delas, às novelas — pelo menos aqui no Brasil.
"A televisão começou a trazer essas pessoas para as telas e as famílias começaram a mudar", conta ele em entrevista para Nossa. "As novelas ajudaram muito as pessoas a entenderem um pouco essa história".
Enquanto no ano passado, João Pimenta apresentou uma coleção mais obscura, com o tema "O ano em que paramos de respirar", dessa vez foram as cores que chamaram a atenção das peças. Os corpos dos homens apareciam com a silhueta marcada com trajes de alfaiataria. As flores e o uso de materiais, predeterminados femininos, como a renda, apresentavam um (não tão) novo comportamento do homem na hora de se vestir.
Tudo isso com o uso do reaproveitamento têxtil — o upcycling, em termos propriamente ditos.
"Eu ficava preocupado com o tecido, porque a mulher tem mais facilidade para absorvê-los. Já o homem não usa bordado, tule, entre outras coisas. Essas coisas dos materiais são complexas", diz. "Foi quando a gente percebeu que tinha uma diversidade na loja, onde os clientes compravam roupas que me surpreendiam, muitas das vezes rompendo com os padrões de gênero. Essa escolha não é da marca. Quem define é quem compra".
É sobre libertação. Nós já abordamos a moda sem gênero há muito tempo, desde 2009, na Casa dos Criadores".
O que as difere de fato?
Na prática, o que separa as roupas são as modelagens. Enquanto para as mulheres seja mais fácil usar a modelagem masculina, os homens não cabem — literalmente — na masculina, por questões como a proporção da cintura, busto e ombro.
"A modelagem masculina é maior do que feminina tradicionalmente, pois ela serve mais corpos", comenta. "Eu costumo dizer que essa questão da escolha de que gênero tem a roupa, é sobre ela servir ou não na pessoa. Quando a gente entendeu isso, comecei a misturar essas elaborações e fazer intervenções".
Quando a gente tá construindo a roupa não estamos focando no estilo de pessoa, pensamos no geral".
Para que essas misturas aconteçam, a alfaiataria é o pilar usado por muitos dos estilistas. No caso de João, são os blazers que abrem caminho para a brincadeira entre o que é "roupa de homem ou mulher".
"A gente fez um trabalho com blazers, que focou na mulher gay, que quer se vestir de forma masculina, mas não quer necessariamente algo grande no corpo", conta. "Para isso, colocamos silhueta no blazer. Hoje, ele veste homem e mulher da mesma forma".
O estilo que une os gêneros
Enquanto muitos estilistas provocam a moda ao extrapolarem diferentes abordagens nessas roupas agênero, muitas marcas ainda usam peças com cores opacas e cortes retos para tratar de roupas sem gênero. Para João Pimenta, esse não é um problema, mas uma solução — embora muitas críticas citem a falta de originalidade na hora de explorar esse universo na moda.
"Quanto menos detalhes, cores e formas de corpo que ela tiver, mais as roupas vão poder transitar entre o homem e a mulher. Esse é o caminho", opina ele para Nossa. "A primeira vez que a gente fez roupas sem gênero, o que fizemos foi tirar detalhes que as levam para um lado ou o outro. A peça minimalista, sem golas e rendas, por exemplo, e mais fácil de ser usada pelo homem e a mulher do que uma roupa cheia de detalhes".
Entretanto, como dito antes, no São Paulo Fashion Week, a simplicidade para "facilitar" esse caminho não é um caminho usado pelos designers à frente das labels. O caminho buscado por eles é de romper, de forma abrupta, com os padrões já estabelecidos, fazendo da moda uma personificação de personalidade.
A visão de um futuro otimista pós-pandemia também pode estar por trás dessa abordagem, que inclui uma versão mais colorida e divertida para os próximos anos.
Assim fez a LED ao abrir as portas de casa com estampas criadas em parceria com o artista visual João Vitor Lage. Fauna, flora e o vichy surrealistas estampavam as peças.
"A coleção é política e alegre e, como a LED, uma liberdade como se fosse a de um sonho. Mas não gosto de pensar que é utopia, porque já vivemos assim. A questão é que isso nos foi tirado por um governo incompetente", diz o estilista e fundador da marca Célio Dias.
Já a Another Place investiu em estampas orgânicas que misturavam o verde ao preto em tom futurista para uma festa clubber, cenário em que questões de gênero são cada vez menos pertinentes.
Com tudo isso dito, o caminho para a moda sem gênero parece já estar trilhado e consolidado entre as marcas brasileiras, seja com peças em preto e branco ou coloridas. Agora, como dito por João Pimenta, quem trilha o destino dessas roupas é quem as veste — e quem, sobretudo, não se importa em repetir os padrões.
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