"Robin Hood" ídolo de traficantes, Jesús Malverde tem até capela no México
No meio de objetos religiosos à venda em uma loja perto da famosa Basílica de Santa Maria de Guadalupe, na Cidade do México, o busto de um homem de bigode, sobrancelhas bem definidas e forte maxilar encara as pessoas que param à sua frente.
Ao redor de sua imagem, que lembra um galã vintage de novelas latino-americanas, há pinturas de folhas de maconha, que geram um contraste curioso com as estátuas de Jesus Cristo e da Virgem Maria espalhadas pela mesma prateleira.
Este é Jesús Malverde, considerado um patrono por traficantes de drogas locais, e, ao mesmo tempo, figura de culto para habitantes desfavorecidos do território mexicano, que acreditam que ele tenha poderes milagrosos capazes de melhorar suas condições de vida.
Devoção fervorosa em Sinaloa
Não é muito comum encontrar imagens de Jesús Malverde em um passeio pela Cidade do México.
Mas, ao percorrer a capital, o turista tem chances de se deparar com sua figura estampando chaveiros e inspirando estátuas e bustos à venda em mercados de rua — e às vezes decorados com imagens de maconha e armas de fogo.
Malverde se faz muito mais presente em Sinaloa, estado mexicano apontado como o local de seu nascimento (em 1870) e de sua morte, em 1909.
Em sua terra natal, mais precisamente na cidade de Culiacán, este homem mítico motivou a construção de uma capela em sua homenagem (mesmo que ele jamais tenha sido reconhecido como santo pela Igreja Católica) e tem seu aniversário de morte (no dia 3 de maio) lembrado anualmente por muita gente — que, para marcar a data, se reúne nas ruas para, embalada por muita música, ver procissões com seus bustos e lhe fazer oferendas com bebidas alcoólicas.
Robin Hood latino
Tal veneração é motivada por uma enorme lenda criada ao redor de Jesús Malverde.
Ele teria sido, entre o século 19 e o começo do século 20, um bandido de origem humilde que roubava dos ricos para dar aos pobres.
Há histórias, por exemplo, que relatam que Malverde assaltava fazendas de Sinaloa e, depois, distribuía o butim entre a população necessitada.
Sua trajetória, porém, teria sido interrompida em 1909: segundo uma das versões sobre sua vida, foi neste ano que ele foi preso e enforcado a mando do governo local.
Sua morte, entretanto, só fez com que sua figura ficasse maior.
Milagreiro
Diz uma das versões mais contadas da história que, após o enforcamento, autoridades mexicanas ordenaram que o corpo de Jesús Malverde ficasse por diversos dias exposto ao público, pendurado em uma árvore, como amostra de castigos que seriam impostos a quem tentasse enveredar pelo banditismo na região.
Certo dia, o cadáver teria sido visitado por um camponês que havia perdido suas mulas e que queria fazer um pedido a Malverde, lembrando de seu histórico de benfeitor para os pobres da área.
Segundo a história, o camponês prometeu que, se seus animais voltassem a aparecer, ele tiraria o corpo do homem daquela árvore. E, logo em seguida, as mulas teriam saído do meio do mato e regressado para seu dono.
A realização deste suposto milagre chegou ao conhecimento de muitas pessoas de Sinaloa, que começaram a acreditar que, mesmo morto, Malverde iria continuar ajudando os necessitados.
E esta crença sobreviveu até os dias de hoje: a capela dedicada a Jesús Malverde em Culiacán recebe a visita de gente de diversas regiões do México, que vai até lá para fazer pedidos de ajuda para questões de saúde, financeiras e familiares — e, também, pagar promessas por desejos supostamente realizados.
Neste local, entre bustos de Malverde cercados por velas, é possível ver placas de agradecimento com frases do tipo: "obrigado à Virgem de Guadalupe e a Jesús Malverde pela proteção do meu caminho e de toda minha família".
"Narcos"
No México, também pedem proteção a Jesús Malverde pessoas que andam por caminhos bem perigosos: ele acabou virando um patrono para narcotraficantes do país.
Muitos destes criminosos acreditam que Malverde (um homem que, como eles, adotou uma vida fora da lei) tenha poder para protegê-los quando estão produzindo, transportando e vendendo drogas.
E o estado mexicano apontado como o local de nascimento desta figura mítica acabou por virar, a partir do século 20, um dos principais quarteis-generais do narcotráfico no México.
Foi em Sinaloa que também nasceu, por exemplo, o célebre Joaquín "El Chapo" Guzmán — e que, antes de sua última prisão (em 2016) e extradição aos Estados Unidos, em 2017, havia se tornado o mais famoso barão das drogas do território mexicano.
Curiosamente, enquanto foi chefão do narcotráfico, "El Chapo" também ganhou uma reputação de benfeitor entre parte da população de Sinaloa, que atribui a ele melhorias na vida econômica causadas pela movimentação do dinheiro das drogas em suas cidades, como Culiacán.
Pequenas estátuas de "El Chapo", aliás, já foram colocadas dentro da própria capela dedicada a Malverde em Culiacán, com as duas controversas figuras dividindo um altar cheio de velas e fotos de pessoas em busca de milagres.
Por conta da atividade do narcotráfico e dos embates destes criminosos com forças armadas do governo mexicano, Sinaloa é considerado um estado perigoso para turistas atualmente.
E não é recomendável comprar qualquer suvenir relacionado a Jesús Malverde ao visitar o México: antes de pegar o avião de volta para casa, você não vai querer que uma imagem do patrono dos narcotraficantes seja descoberta em sua mala por algum funcionário da segurança do aeroporto.
Fazenda do Escobar
Na Colômbia, uma antiga fazenda de Pablo Escobar virou um parque temático frequentado por turistas locais e estrangeiros.
Situada no município colombiano de Puerto Triunfo, a cerca 180 quilômetros de Medellín, a Hacienda Nápoles foi uma espécie de quartel-general de Escobar, principalmente nos anos 80.
Nesta fazenda, o chefão do tráfico de drogas realizava reuniões de sua organização criminosa e fazia festas de arromba.
Lá, ele também montou um enorme zoológico, que abrigava animais selvagens como girafas, cangurus e hipopótamos.
Anos depois da morte de Escobar (ocorrida em 1993), a propriedade rural foi transformado no Parque Temático Hacienda Nápoles, com um parque aquático, uma espécie de parque jurássico (com estátuas de dinossauros), além de uma área com leões, leopardos, zebras, avestruzes e gazelas (os animais, entretanto, não são os mesmos da época de Escobar).
Hoje, é difícil acreditar que no mesmo terreno deste inocente centro de entretenimento se divertia um dos homens mais perigosos do mundo.
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