Vodca brasileira, uísque de Taiwan e mais bebidas premiadas nada óbvias
Tequila é mexicana, champanhe é francês, cachaça é brasileira. Não é uma afirmação de gosto pessoal, mas uma imposição comercial, protegida por leis nacionais, já que se tratam de produtos com denominação de origem controlada. Quanto a outras bebidas, a tradição faz a associação. Vodcas boas costumam vir da Rússia, da Polônia ou de países escandinavos. Rum é do Caribe.
Com a globalização, o maior acesso a produtos importados e mais informações, descobrimos novas origens interessantes. A vodca francesa, o gim escocês, o uísque japonês.
Mas ainda há muitas fronteiras por conquistar. Em diversos países, produtores buscam seu lugar ao sol e romper os preconceitos de seus mercados domésticos por meio de pesquisas, novos métodos de produção e o ótimo marketing que medalhas em competições internacionais propicia. Conheça alguns casos.
Vodca brasileira
Se o país já uma espécie de emergente consolidado em matéria de cervejas e espumantes premiados mundo afora, não dá para dizer a mesma coisa em relação a outras bebidas. Em 2013, os irmãos Marcos e Maurício Kalvelage, além do engenheiro Francisco Marin, lançaram a primeira marca de sua empresa de bebidas. Descendentes de alemães e moradores de Blumenau (SC), os Kalvelage contrariaram os clichês etílicos e colocaram no mercado uma vodca.
Se apostar em um produto premium feito em um lugar com pouca ou nenhuma tradição no assunto é complicado, o problema cresce quando o produto em questão acaba de entrar em um inverno empoeirado nos balcões de bar. Após décadas de predominância na coquetelaria, nas festas e nas mais despretensiosas misturas alcoólicas estudantis, a vodca começou a perder espaço para o gim nos anos 2010.
"Isso nos afetou de forma positiva: adoramos desafios", diz Maurício, 43 anos, o mais novo dos irmãos. Mas lançar uma vodca brasileira, custando a bagatela de R$ 100, pode ter sido demais. Para driblar a desconfiança normal do consumidor, a Kalvelage buscou a chancela dos prêmios internacionais. Além disso, para não perder a onda, também fez seu próprio gim.
Desde 2014, já são 20 medalhas. As mais recentes aconteceram este ano, no San Francisco World Spirits Competition, a segunda premiação mais antiga do ramo nos Estados Unidos. A Kalvelage Vibe ganhou ouro na categoria destinadas às vodcas tradicionais, o que a coloca, segundo os jurados, entre as melhores do mundo. Já a Oak, que passa por barris de carvalho, levou prata em "vodcas saborizadas" e o gim da casa ganhou ouro em sua respectiva categoria.
Com os selos dourados e prateados estampados nos rótulos, a Kalvelage se sente mais armada para quebrar o preconceito do brasileiro. Veremos.
Uísque de Taiwan
Já faz uma década que a destilaria Kavalan é apontada como uma das figuras de ponta na produção de uísques de excelência em países que jamais tiveram um rei ou rainha em um trono em Londres. Fundada em 2005 em Taiwan, a empresa começou a chamar atenção desde que bateu scotchs em um teste cego, em 2010.
Em 2015, o uísque Solist Vinho Barrique Single Cask Strength, envelhecido em barris usados anteriormente para vinho, foi eleito o melhor single malt do mundo no World Whiskies Awards. No ano seguinte, o Solist Amontillado Sherry Single Cask Strength, que passa por barris de xerez do tipo amontillado, ganhou na categoria "melhor single malt/single cask" (malte de uma destilaria envelhecido em só um barril), na mesma competição.
Novos prêmios vieram e, este ano, foi a vez do Solist Oloroso Sherry Single Cask Strength, envelhecido em barris de xerez oloroso, ter sido eleito o melhor da categoria "outros single malt" (não produzido nos países tradicionais) no San Francisco World Spirits Competition.
A produção de bebidas na ilha era monopólio estatal até o começo do século. Desde então, empresas privadas têm surgido no país, que, sem amarras a tradições e investindo em pesquisa e tecnologia, virou uma nova potência. Taiwan é um dos maiores consumidores de single malt do mundo.
Uísque de Mianmar
Em 2020, o governo derrubou uma série de medidas que dificultavam a importação de bebidas. Até então, a realidade local era de cervejas, runs e uísques nacionais. Se em muitos lugares o excesso de protecionismo pode levar a uma indústria que regurgita no mercado produtos ruins e caros, às vezes isso pode propiciar alguns sucessos.
Este ano e no ano passado, o Glan Master ganhou medalha de bronze na categoria "uísque blended" do World Whiskies Awards. A bebida também foi agraciada em 2019 e 2020 com duas estrelas (de três possíveis) pelo International Taste Institute e um ouro (segunda nota mais alta) no Monde Selection.
O argumento final? É difícil encontrar um uísque premiado tão barato: uma garrafa custa o equivalente a cerca de R$ 10.
Gim de Cingapura
A nova febre do gim fez com que o destilado ganhasse produtores de respeito a milhares de quilômetros de Londres ou de Plymouth, chegando até mesmo a paisagens tropicais, como Brasil e Cingapura. A moderna cidade-Estado, ex-colônia britânica tem seus bons biricoticos.
O gim Black Powder, da destilaria Tanglin, ganhou duplo ouro este ano em San Francisco (o duplo ouro ocorre quando todos os jurados dão nota máxima ao produto).
Outros três rótulos da empresa já levaram ouro e prata na competição. A receita leva limões inteiros frescos, o que acentua as notas cítricas e a potência que 58% de graduação alcoólica podem oferecer.
Ouzo da Austrália
Destilado de casca de uva com ervas aromáticas, o ouzo é típico da Grécia e, assim como outras tradicionais bebidas anisadas (raki, pastis, sambuca etc.), é um produto intimamente ligado às culturas mediterrâneas, da Espanha à Turquia. Logo, um ouzo produzido na Oceania pode causar estranheza.
Acontece que a Vittorio Spirits é uma destilaria familiar que começou seus trabalhos na década de 1940 no sul da Grécia, antes de migrar para a Austrália. Ainda assim, apesar das raízes helênicas, é surpreendente que o Ou7o, feito com sete ervas e especiarias (daí o nome), tenha levado duplo ouro em San Francisco. Ainda por cima, foi escolhido o melhor do mundo na categoria "ouzo/raki", à frente de qualquer grego ou turco.
Cerveja(s) do Japão
O país produz alguns dos melhores uísques do mundo, o que não é novidade. Então, para fugir do clichê do saquê, vá de cerveja. Na mais recente edição do World Beer Awards, em 2020, a Swan Lake, da cervejaria Hyokoyashikinomori, figurou entre as melhores do planeta na categoria "stout & porter", estilos típicos da chamada escola britânica cervejeira.
Já na categoria "melhor lager", três japonesas foram premiadas. Fujizakura Heights helles, Fujizakura Heights imperial pilsner e Yatsugatake bock ganharam espaço entre marcas de países muito mais tradicionais no quesito, como Alemanha e República Tcheca.
Rum do Reino Unido
Nenhum país é o dono irrefutável do melhor rum do planeta. Pela história e tradição, a bebida continua tendo no Caribe sua força pulsante, em ilhas como Barbados, Cuba, Jamaica ou Trinidad e Tobago.
Mas, por ser um destilado popular no mundo todo, sua produção se espalha por lugares pouco prováveis, tipo Canadá, Japão e Dinamarca. Às vezes, alguns desses runs saltam aos olhos dos especialistas. É o caso do inglês Equiano, batizado em homenagem a Olaudah Equiano, homem do Reino do Benin (atual Nigéria), que foi vendido como escravo para o Caribe, comprou sua alforria graças ao comércio de rum, migrou para Londres e virou um famoso escritor e líder abolicionista no século 18.
Equiano, o rum, autointitulado "primeiro rum afrocaribenho do mundo", é o resultado da mistura de duas bebidas, feitas em duas ilhas de continentes diferentes: um rum tradicional, de melaço de cana, envelhecido em barris e produzido em Barbados, e um rum branco, feito em uma destilaria de Maurício e que, curiosamente, não vem do melaço, mas do caldo de cana, tal qual cachaça.
Nos últimos anos, a bebida ganhou medalhas em San Francisco, no International Wine & Spirits Competition (IWSC) e em outras competições internacionais.
Vermute da Argentina
Vinho aromatizado e fortificado, curinga de qualquer bar caseiro de respeito, o vermute é parte importante da cultura etílica da Itália e da França desde que Antonio Benedetto Carpano e Joseph Noilly introduziram suas receitas no mercado nos séculos 18 e 19, respectivamente. Os dois países continuam dominando as listas de melhores vermutes do mundo, seguidos de outros europeus (Espanha, Alemanha, Reino Unido e Suíça, entre outros).
O intruso nos rankings é a Argentina. Em 2018, no IWSC, o vermute branco La Fuerza ganhou medalha de prata, enquanto o tinto (rojo) ganhou ouro. Em 2020, o tinto Lunfa levou bronze. Já o Lunfa rosado ganhou ouro, este ano, no America Awards, o que começa a colocar nossos vizinhos de vez no mapa dos bons produtores.
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