Vira-latas e tutores ganham filme: "Vou morrer devendo amor para eles"
O ator e diretor Daniel Torres, 39, tem duas gatas, Haru e Melinda. Mas sua primeira direção de um longa é sobre... cachorros.
Gravado entre 2018 e 2019, o documentário "Vira-latas" traz entrevistas com voluntários de ONGs que fazem resgate de animais em São Paulo e depoimentos de pessoas que tiveram suas vidas transformadas após a adoção de cães.
"Desde 2008, eu procurava histórias de pessoas em situação de rua e ficava fascinado com a relação simbiótica com seus cachorros. São dois seres abandonados", conta em entrevista para Nossa.
Vira-latas - Teaser from Arica Filmes on Vimeo.
Mas seu doc de estreia vai além das ruas.
"É um filme que aborda também questões como solidão e empatia pelos outros, dois temas muito importantes nestes momentos obscuros. A pandemia assolou as pessoas de uma forma muito particular", explica o diretor, que divide o trabalho com James Salinas.
Nessa homenagem aos cães sem raça definida, os entrevistados são unânimes em defini-los como animais carinhosos, puros e companheiros.
Assim como descreve uma das entrevistadas de uma ONG, em um dos trechos em que o longa propõe uma reflexão sobre o adotar e o comprar, "tem que ter muita raça para ser um vira-lata, eles são os verdadeiros cães de raça."
Confira alguns dos depoimentos mais emocionantes do documentário 'Vira -Latas':
Max e Duquesa
"Eu vivo em situação de rua há uns cinco ou seis anos. O motivo é o que todo mundo quer saber, mas toda a vez que eu puxo esse assunto, me magoa demais porque foi uma traição de família.
Então eu prefiro falar de coisas boas, de coisas que me deixam feliz.
Os cachorros se entregam de verdade para a gente, eles se doam. Eu costumo dizer que não tenho um cão de guarda, eu tenho um cão de amor. Ela [a cadela Duquesa] me aquece e eu aqueço ela.
Depois que eu encontrei a mãe dessa daqui [Rainha, a mãe da Duquesa], muita coisa mudou e as pessoas começaram a me ajudar.
Mudou muita coisa na minha vida, ela me trouxe responsabilidade. Eu até plantei um pé de babosa para dar banho nela, três vezes por semana.
Sempre gostei de cachorro e já é a segunda vez que a minha vida é salva por um.
Aos 12 anos, eu tinha um cachorro chamado Bloomer e um dia estávamos caçando passarinho no interior. Ele começou a latir e a ficar bravo comigo. Era uma cobra que ia me picar, mas ele pulou na frente para me defender.
A média de vida deles é de 15 ou 16 anos, mas se eu viver 200 anos, vou morrer devendo amor para eles. Eles são pedacinhos de amor."
Cláudia Demarchi, da ONG Clube dos Vira-Latas
"Além dos 600 cachorros na ONG, cuido de 40 cachorros dentro de casa. São todos especiais, todos mutilados. É como um berçário para paraplégicos.
Temos animais que pessoas colocaram bombinha dentro da boca deles, cachorros estuprados pelo ser humano. Como assim? Quem é o animal nisso?
Como ninguém adotava esses animais, eu ia levando para casa.
O nosso abrigo é considerado um dos melhores do mundo, mas não é lugar para cachorros. O lugar deles é no seu sofá, na sua garagem, na sua cama, com a sua família.
Os governantes acham que os cachorros não votam, mas os donos deles, sim. Isso é uma questão de saúde pública e nós, protetores, enxugamos gelo. Um casal [de cães], por exemplo, coloca dez mil animais na rua, em 10 anos.
Meu filho humano de 15 anos é adotivo, uma criança que também sofreu muito. Então hoje ele também pega animais nas ruas para nós 'consertarmos'.
Sou casada há 25 anos e não tivemos filhos. Eu doei a minha vida para os animais e a minha família entende isso. É preciso pensar não só nas condições onde o bicho vai morar, mas no comprometimento de todos.
Saio com ração no meu carro, acordo quatro vezes na noite para medicar animais e tenho uma tetraplégica que eu tenho que virá-la [várias vezes, durante o dia]. É um custo e um sacrifício que tem uma recompensa gigante.
São histórias de pessoas em que o animalzinho ajudou a sair da depressão e hoje são tudo na vida delas. As pessoas [e os bichos] se completam."
Silvia Pereira, veterinária
"Sou de Pedro Leopoldo, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, e desde que cheguei em São Paulo adotei um cachorro atrás do outro, inclusive um com cinomose [doença canina altamente contagiosa], um vírus que pode deixar diversas sequelas neurológicas.
Sempre fui cachorreira. Meu avô era veterinário e tinha um monte de cães. Não sei viver sem cachorro, é coisa de afeto mesmo.
[Na profissão], o exemplo mais ilustrativo foi o de um cachorro de um acampamento de moradores de rua, o Rodrigo, que nasceu em uma ninhada de 13 filhotes. Foi uma comoção na Vila Mariana, todo mundo ajudou.
No dia do meu aniversário, ele foi atropelado e eu fiquei muito comovida quando uma pessoa ligou dizendo que a tutora estava abraçada com o cachorro no meio da rua.
Ela dizia que só ia entregá-lo se eu fosse lá confirmar que ele estava morto, pois ela não acreditava. Levei o cachorro [sem vida] para a clínica até a prefeitura recolhê-lo.
Pelo tanto que eles passam na vida e nos perdoam, a gente tem muito a aprender com eles."
Letícia Marques, cineasta
"Eu sempre quis ter um cachorro.
Quando me mudei para estudar em São Paulo, eu sofria de ansiedade e crise de pânico. Me recomendaram um cachorro porque dizem que é uma companhia, que eles acalmam e têm um sensor que percebe quando a pessoa está ficando alterada ou nervosa.
Na primeira semana, eu estava passeando com ele na rua e, para entrar no mercado, eu o deixei amarrado na coleira, do lado de fora.
Quando voltei, ele não estava mais lá, só a coleira. Cheguei até a procurar a polícia, mas veio um cara dizendo que o cachorro tinha entrado em um edifício. Ele estava me esperando no meu próprio prédio."
O documentário
Sem data prevista para entrar no circuito comercial, 'Vira-latas' já passou por festivais como o Santos Film Fest (SP), Festival de Cinema de Jaraguá do Sul (SC), o 5th Dog Film Festival (Roma) e o First-Time Filmmaker Sessions (Inglaterra).
Mas, durante entrevista por telefone, o diretor Daniel Torres adiantou que está organizando, quando for seguro, uma sessão especial com as participações de Max e da cadela Duquesa, em um centro cultural da capital paulista.
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