De curso a viagem cultural por DNA: profissionais de turismo se reinventam
Quem é da área de turismo, costuma ter paixão pelos encontros. Conhecer um destino novo, receber viajantes e viver as experiências que cada lugar traz, são elementos que dão sentido a esse trabalho. Porém, a pandemia deixou os profissionais sem chão: como fazer turismo se agora a recomendação é ficar em isolamento social?
Apesar da crise sanitária já durar mais de um ano e existir vacina para a covid-19, as previsões não são muito animadoras. Segundo a Organização Mundial do Turismo (OMT), o ano de 2020 foi considerado o pior da história no setor e as perspectivas para os próximos não são muito diferentes. A entidade afirma que a previsão de retomada será só em 2023.
Para muita gente, enquanto o risco de contaminação estiver alto, viajar da mesma forma perdeu o sentido. O olhar para o turismo responsável se tornou urgente e muitos profissionais preferiram não incentivar deslocamentos, espalhando o vírus. E, para sobreviver à crise, criaram formas de viajar sem sair de casa.
Conheça as três entrevistadas que conseguiram se reinventar em meio ao caos.
Tour híbrido: online e presencial
A rotina de Gabriela Palma sempre foi movimentada. A administradora, guia de turismo e professora do SENAC tem um tour de sucesso na Pequena África e, antes da quarentena, recebia gente do mundo todo. Ele é operado pelo Airbnb Experiences e pela sua empresa Sou + Carioca (https://soumaiscarioca.com.br/), que também oferece outros passeios focados no Rio de Janeiro.
Mas, em março de 2020, veio o desespero já que tudo em sua vida profissional, que estava deslanchando, foi cancelado. Até que só sobrou ela, dentro de casa, em isolamento social. Apesar das atividades terem ficado em suspenso, sua cabeça continuou trabalhando, afinal, os boletos não pararam de chegar.
A saída foi continuar a guiar, mas virtualmente, e ela adaptou seus tours para plataformas online. O sucesso foi imediato e foi o que segurou a onda: "foi isso que manteve algum dinheiro em caixa para conseguir pagar os impostos. Se não, eu tinha zerado", ela desabafa.
Em julho, a Sou + Carioca voltou com os passeios na rua, mas ainda em passos lentos e de forma híbrida, com 80% online e 20% presencial. A ideia é aumentar esse número conforme for avançando a vacinação e a esperança é que no final do ano essa proporção já esteja invertida, com maior reserva dos tours presenciais.
A volta dos tours foi, literalmente, só para respirar. A pandemia foi como se você estivesse no meio do oceano, sem colete, nadando no cachorrinho para não morrer afogado. Agora, estamos com um pequeno colete, é assim que a gente tá sobrevivendo".
Como Gabriela teve a postura de respeitar as medidas de restrição desde o início, interrompendo as programações da agência, ela reparou que esse cuidado com o outro teve um impacto positivo para a retomada: "as pessoas olharam para a Sou + Carioca e reconheceram que a gente tem uma responsabilidade social muito forte".
Uma viagem pela ancestralidade
Minha empresa tem mais tempo de vida dentro da pandemia do que fora dela. Olha que pesado, mas, ao mesmo tempo, olha que potente. ainda estamos vivos, a empresa ainda resiste", diz Bia Moremi.
A Bráfrika Viagens (https://brafrika.com.br/) foi criada pela inquietação de Bia ao ver que ela queria viajar para lugares que tivessem conexão com a sua ancestralidade, mas não encontrava empresas que oferecessem esse serviço. "A Bráfrika, são produtos que eu queria que tivesse no mercado para comprar".
A ideia inicial era que a empresa de afroturismo também tivesse um toque da formação de Bia, que é química, oferecendo, além das viagens, testes de DNA. Dessa forma, as pessoas poderiam montar seus roteiros de acordo com a origem de seus antepassados. Porém, em 2019, quando a agência nasceu, essa ideia foi arquivada.
Quando ela se viu em isolamento social, tudo parecia ter ido ladeira abaixo. "Eu fiquei dois meses sem ver perspectiva nenhuma. Agora era minha vez, e poxa, justo na minha vez". Passado o desespero inicial, ela se lembrou do projeto do DNA e resolveu implementá-lo. Afinal, era uma forma de continuar viajando, mas sem sair de casa.
O que era só um teste de laboratório, foi incrementado com elementos para fazer com que essa viagem fosse ainda mais profunda. Quando o cliente compra o teste, ele pode incluir produtos como uma pulseira com o nome do território cravado, uma comida, uma consultoria estética online, uma aula da língua kimbundo e um livro ilustrado que conta a história do local, além de ser um convite de viagem, com espaço para um álbum de fotos.
A venda dos testes de DNA tem dado bons resultados, mas ainda é instável. O ideal seria complementá-lo com os pacotes de viagem, mas, apesar da retomada da agência ser iminente, Bia ainda está com um pé atrás.
Durante a pandemia, ela diz que foi bem conservadora, porém, com o aumento da vacinação, ela decidiu abrir viagens da Bráfrika a partir de setembro. E, a partir de agora, os clientes que fizerem reservas, ganham os testes de DNA como brinde.
Porém, além das dificuldades financeiras, Bia conta que enfrenta desafios para explicar o que é afroturismo:
Se eu falo de afroturismo, as pessoas pensam em senzala. E não é só isso. Nós, enquanto pequeníssimos empreendedores, além de vender o produto, temos que criar um branding. Sendo que isso é uma tarefa da Secretaria de Turismo".
Apesar dos desafios, Bia mal pode esperar pela retomada, vendo o brilho nos olhos das pessoas ao conhecer um destino novo. E, é claro, poder aglomerar nas festas, já que os roteiros da Bráfrika são pautados em festivais culturais no Brasil e no mundo.
"A ideia é fazer essa militância na pauta positiva. A gente feliz, vivendo, celebrando e viajando é um tapa na cara desse sistema racista", conclui.
Cursos online e precaução
O turismo responsável sempre foi o norte da carreira de Marianne Costa e foi com esse foco que ela criou a Vivejar (https://vivejar.com.br/), uma empresa social que incentiva viagens com impacto positivo para os destinos. Segundo ela, "o objetivo é jogar luz no melhor do Brasil, que são os brasileiros".
Na pandemia essa linha de trabalho não poderia ser diferente, afinal, a responsabilidade social ficou ainda mais em foco. Quando a crise estourou, ela pensou nas comunidades tradicionais com quem trabalhava e conseguiu fazer um financiamento coletivo e reunir doações: "eu não tenho dinheiro, mas tenho uma rede de relacionamento que eu ativei para apoiar as comunidades".
Além disso, ela resolveu movimentar um projeto que foi criado antes da pandemia, o Instituto Vivejar, que tem o objetivo de qualificar profissionais focados no turismo responsável. Junto a Gustavo Pinto, um amigo turismólogo que tem propósitos alinhados, eles criaram um curso online.
E viram que, realmente, era um caminho procurado por muita gente. Em agosto de 2020 eles abriram as inscrições de um módulo gratuito e tiveram mais de 700 inscritos. Os outros três módulos tinham um custo simbólico, só para cobrir os custos. A ideia, agora, é multiplicar, afinal, em meio à crise sanitária eles conseguiram criar um novo modelo de negócio.
Com a perspectiva da volta das viagens, a Vivejar está divulgando alguns pacotes em lugares que estão recebendo turistas dentro dos protocolos, mas de uma forma muito tímida.
A ideia não é 'vamos viajar', mas 'se planeje para quando for possível'", diz.
Quanto às experiências em comunidades tradicionais, Marianne conta que não tem nem previsão de retorno e que vai esperar a vacina: "Disso a gente não abre mão. São lugares que ainda têm muita fragilidade".
A pandemia fez com que mais pessoas procurassem viagens de natureza e lugares isolados, o que a preocupa. Ela explica que ecoturismo não é sinônimo de turismo responsável.
Quando você fala de turismo responsável você está tomando a responsabilidade pelos impactos que você quer gerar e isso faz toda diferença".
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