Já prejudicado pela pandemia, turismo em Bonito agora sofre com incêndios
Na savana brasileira, o fogo não é nenhuma novidade e pode até beneficiar certas espécies vegetais do Cerrado. Mas quando as chamas chegam nos arredores de casa e em plena alta temporada turística, a situação pode ficar preocupante.
Entre os dias 6 e 12 de julho, setores rurais dos municípios de Bonito e Jardim, em Mato Grosso do Sul, registraram focos de incêndio que destruíram uma área de quase quatro mil hectares e chegou a atingir uma sucuri de cinco metros de comprimento, aproximadamente.
"Foi uma tragédia. Tudo muito seco e aquele fogo de mais de quatro dias. Vi muito bicho correndo e aves voando", descreve a turismóloga Yolanda Prantl Mangieri, que também lidera o grupo de voluntários "Unidos da Serra da Bodoquena", que encabeçou a arrecadação de doações de colírios e lanches para os brigadistas.
Empresários e fazendeiros locais também cederem equipamentos como abafadores, enxadas, foice e ferramentas para a construção de aceiros (quando materiais vegetais são retirados de um terreno para evitar a propagação do fogo).
Para Juliane Salvadori, secretária de turismo de Bonito, o sucesso das operações foi a união de esforços entre voluntários, produtores rurais, o Corpo de Bombeiros de Mato Grosso do Sul e a brigada de incêndio do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).
"O inverno em Bonito é uma época com poucas chuvas e a vegetação fica seca, então essa região, que também tem resquício de Mata Atlântica, fica muito vulnerável", lembra Juliane, em entrevista para Nossa.
"É algo preocupante que nos deixa sempre em alerta, mas já estamos acostumados a lidar com isso. Foi só mais uma atuação como nos anos anteriores", explica a secretária desse destino conhecido pelo ecoturismo, a quase 300 quilômetros de Campo Grande.
As causas do incêndio, que teve início em uma fazenda de Bonito, ainda estão sendo investigadas. Mesmo com a finalização dos trabalhos em meados deste mês, outro incêndio voltou a acontecer em Bonito, na última terça-feira (20 de julho), próximo a hotéis da área urbana do destino.
Difícil acesso
Assim como explica Augusto Barbosa Mariano, presidente da ONG Instituto de Desenvolvimento de Bonito, a região foi atingida em três diferentes pontos, algumas delas de difícil acesso, como o Morro do Mateus, cuja principal atração, a Gruta São Mateus, fica a apenas quatro quilômetros do centro da cidade.
O proprietário Everlon Engel explicou em entrevista para a reportagem que o incêndio começou em um mirante de madeira desativado, localizado fora da área do atrativo, no setor oposto à gruta.
Munidos com extintores, ele e um guia local foram os primeiros a chegarem ao cume do Morro do Mateus, a partir de uma trilha de dois quilômetros, sem acesso para automóveis.
"Foi um incêndio de pequenas proporções e conseguimos controlá-lo rapidamente com ajuda de cerca de 30 pessoas da cidade", conta Engel.
Segundo ele, os bombeiros só conseguiram chegar ao local cerca de quatro depois, mas o caminhão pipa não pôde alcançar o foco de incêndio devido à dificuldade de acesso. Atualmente, o quartel do Corpo de Bombeiros de Bonito está em construção e os trabalhos costumam ser feitos por profissionais de Jardim, a 50 quilômetros dali.
"Todos os incêndios recentes de Bonito são casos isolados, nenhum tem ligação com o outro. Não foi causa natural, talvez uma bituca ou algo parecido", avalia Engel.
Outro endereço que teve atenção dos brigadistas foram as propriedades rurais próximas ao Parque Nacional da Serra da Bodoquena, em uma das bordas do Pantanal, entre os municípios de Bonito, Jardim, Bodoquena e Porto Murtinho.
"O fogo foi combatido rapidamente para evitar o avanço na área do parque e, posteriormente, um acompanhamento para que o incêndio não voltasse", conta Mariano.
Mas a maior preocupação foi o incêndio que atingiu o Banhado do Rio da Prata, conhecido como Brejão, uma importante área de recursos hídricos que fica perto da nascente do Rio da Prata.
Foi uma angústia. Não sei o que vai ser dos nosso recursos hídricos sem o Banhado, pois somos uma cidade turística que vive dessas água cristalinas", analisa Yolanda, quer também atua como condutora no PN da Serra da Bodoquena.
"Apesar dos incêndios não terem atingido diretamente nenhum passeio de Bonito, há alguns efeitos indiretos porque essa área [do Banhado] provê a nascente do Rio da Prata. Qualquer impacto vai ter algum outro impacto nas áreas dos passeios. Dependemos que sejam protegidas e assim garantir um plano de gestão para mitigação desses impactos", analisa Rodolfo Portela, superintendente executivo da Fundação Neotrópica do Brasil, ONG responsável por projetos de conservação da natureza em Mato Grosso do Sul.
Um dos casos mais extremos aconteceu há cerca de um ano na região do Pantanal, nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
De acordo com relatório da Câmara dos Deputados, em Brasília, uma comissão externa avaliou uma perda superior de 10 vezes à vegetação natural perdida no Pantanal, nos últimos 18 anos, algo em torno de 33 mil km² ou 14% do bioma.
Turismo na pandemia
A estiagem na região de Bonito costuma ir de maio a setembro, quando os rios locais têm melhor visibilidade para as famosas flutuações do destino.
Com os incêndios em plena alta temporada, que costumava acontecer nos meses de férias escolares, alguns atrativos viram turistas desistirem da viagem e cancelarem reservas, justo em um momento em que o turismo nacional engatinha um retorno desde que a pandemia paralisou o setor em todo o mundo.
"Os atrativos turísticos de Bonito e região não foram atingidos pelos incêndios, pois não estão em áreas próximas aos mesmos", explica Luíza Coelho, diretora de sustentabilidade do Grupo Rio da Prata, responsável por atrativos como a Lagoa Misteriosa e a flutuação no Rio da Prata, ambos em Jardim.
Após questionamentos de visitantes e até alguns cancelamentos de reservas, Luíza garante que os passeios estão sendo operados normalmente, "dentro da capacidade de carga estabelecida para a pandemia". Mesmo durante os incêndios, todas as atrações turísticas do destino foram mantidos abertos ao público.
Mesmo ainda em meio a uma crise sanitária e com uma queda de cerca de 30% no números de visitantes, a secretária de turismo Juliane Salvadori acredita que o turismo em Bonito pode se beneficiar no pós-pandemia.
Depois de tanto tempo enclausuradas, as pessoas querem estar ao ar livre ou em passeios a céu aberto. E Bonito tem esse apelo natural", analisa a secretária.
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